Segunda-feira, 23 de novembro de 2020 - 09h35
Bagé, 23.11.2020
Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte LXII
Madeira-Mamoré ‒ Ferrovia do Diabo ‒ XIV
Jornal
do Comércio, n° 267 ‒ Rio de Janeiro, RJ
Sexta-feira, 25.09.1885
Publicações à Pedido
Comunicação
de Estudos da
Estrada de Ferro do Madeira e Mamoré
(Conclusão...)
[...] Três dias depois Pressy fez
a viagem a Beni, lá demorou-se um mês e lá voltou quando já estávamos em
Bananeiras; neste intervalo tínhamos feito a Moerbeck entrega das cadernetas
que estavam em nosso poder de cerca de 40 km, eu calculava e desenhava, mas
visto nunca combinar exatamente e dever ser o terreno inteiramente diferente,
chamei a sua atenção, dizendo-lhe que com estes despropósitos havíamos de fazer
um enorme fiasco, ao que ele respondeu-me:
‒ Jogue cadernetas e perfil no Rio, vamos fazer
outras.
Mas não lancei ao Rio esses
documentos, que me são agora de imensa importância. Então, deitados em nossas
redes, fizemos outros desenhos, que também não são exatos, mas que Vm.ce tem
agora em seu poder juntamente com o perfil, para, cientemente, apresentar ao
Governo uma planta geral, que só se baseia sobre ilusões e fantasias!
A caderneta n° 3, que representa o
terreno de Bananeiras a Guajará-mirim, só a pude copiar por ordem de Moerbeck,
na viagem de volta das cadernetas n° 1 e 2, como facilmente se pode provar.
Nunca passamos adiante de Bananeiras. Na ocasião que nos prepararemos todos
para voltar a Santo Antônio, chegou inesperadamente Pressy, apenas viu-o
chegar, Moerbeck embarcou a toda a pressa com alguns trabalhadores e seguiu Rio
acima cerca de duas horas, aonde acampou. Assim, à sua chegada, disse-me Pressy
que eu teria de seguir com ele no dia imediato, até encontrar Moerbeck para
acabar depressa. O Coronel e Moraes ficarão atrás. No dia seguinte chegamos ao
lugar em que Moerbeck pousou; este estava de cama como de costume, doente, quando
se tratava de trabalhar.
Pressy [...]
ficou deveras ([1]) bem doente e voltou
finalmente até o Rio Beni dizendo-nos que ia esperar-nos na casa do boliviano
Roseno; encarregando a Moerbeck de fazer, com a maior brevidade, estes 36 a 40
quilômetros restantes e então segui-lo. Apenas retirara-se Pressy veio o
Coronel, e convidou, aliás intimou a Moerbeck a acabar com toda esta insipidez
([2])
e imediatamente todos nós voltamos com grande regozijo e seguimos até a casa do
negociante de borracha, Floris, aonde nos demorámos 10 dias, afim de que, como
disse Moerbeck, Pressy nada percebesse.
No décimo dia,
Moerbeck mandou-me adiante até Rio Beni, onde estava Pressy, que, quando me viu
chegar, ficou furioso, dizendo que sabia tudo, que durante a sua ausência
ninguém tinha trabalhado com os instrumentos nas picadas, que faltavam
completamente mais de 36 quilômetros; que assim isso nem ideia de exploração
era; que este Moerbeck tinha-se escondido conosco durante dez dias em casa de
Floris para [...] e que havia de dizer tudo a Pinkas e pedir a demissão
daquele. Tudo isto me foi dito em presença do Capitão Roseno, de sua esposa e
de toda a gente e Moraes.
Mandei imediatamente, por alguns
homens, recado a Moerbeck, para que, ao menos, aprontasse e organizasse as
cadernetas, visto estar Pressy tão furioso e ser sabedor de tudo: e, como
consequência disto, Moerbeck, durante a noite e à neblina, passou além do ponto
em que nos achávamos, tendo dirigido um ofício a Pressy, no qual o chamava de
[...] e fugiu, sem parar até chegar a Florida, onde só nos encontramos um mês
depois.
No dia seguinte, isto é, no dia 10
de setembro, fizemo-nos de viagem [peço que se lembre bem e atenciosamente
desta data].
Assim, no dia 9, Moerbeck passou
Rio abaixo adiante de nós chegando, por conseguinte, no dia 20 de setembro, em
Florida, pois que com à gente do Coronel [Guagama empreiteiro das picadas],
viajou bem depressa, e no dia 7 de setembro teve lugar a exploração no
Guajará-mirim, segundo o teu telegrama de Manaus ao Rio!!! Só!!! Provavelmente recebeu a notícia pelos ares,
por balão! A não ser assim não se explica como Vm.ce, em Manaus, poderia ter
esta notícia!
No dia 12 de setembro chegamos ao
Ribeirão, onde afundou o nosso batelão; no dia seguinte chegou um boliviano que
emprestou a Pressy um pequeno bote abandonando-me com a turma da seção, viajou
até Florida, aonde chegou em 26 de setembro e de onde me enviou um batelão.
Atravessamos então o Ribeirão,
achando-se do outro lado um batelão que a 3ª seção da turma ali tinha deixado;
gastamos 14 dias para pô-lo à nado, o que só conseguimos com o maior trabalho,
pois não tinha leme e estava meio escangalhado: a minha gente recusou seguir e
passar com ele as cataratas, e queria, deixando tudo atrás, seguir a pé para
até Florida.
Só a instâncias ([3])
e ameaças de que ninguém receberia salário em Manaus se lá chegássemos sem
instrumentos e bagagens, consegui resolver a gente a seguir por água; todas as
28 pessoas estavam doentes [...] e durante 25 dias completos só tivemos para
comer feijão branco podre sem sal. Finalmente debaixo dos maiores perigos, sem
prático e sem leme, conseguimos passar todas as correntes rápidas e cataratas
do Rio até Três Irmãos, aonde veio ao nosso encontro o mordomo do Coronel com a
sua gente, isto é, no dia 8 de outubro, que então me fez entrega de dois
ofícios de Moerbeck datados de Florida, 26 de setembro.
Alguns
dias depois em salto do Jirau, perdeu-se de novo o batelão nosso, que se
afundou, mas finalmente chegamos sempre, como por milagre, em Florida, 37
pessoas numa montaria muito pequena. [...] Pressy declarou francamente a sua
opinião e é isto hoje também convicção de todos, que Vm.ce Sr. Pinkas deveria saber muito bem que era uma
impossibilidade que a 4ª turma-seção, sem ter engenheiros propriamente ditos,
numa viagem de uma distância dobrada, de mais de 80 quilômetros, acabasse o
trabalho no mesmo espaço de tempo que os outros, que apenas tinham a fazer 40
quilômetros, que
se Vm.ce não o soubesse seria ainda uma triste prova do seu
talento organizatório como engenheiro, e o governo e poderia ter da mesma forma
encarregado e mandado como chefe um sapateiro.
São as próprias palavras de
Pressy. [...]
Continuemos a viagem até Manaus e
só durante esta viagem acabei a caderneta n° 3, assim como Moerbeck as suas de
alinhamento. É verdade que todas esta cadernetas não são agora mais precisas,
pois Vm.ce já tem a planta dos
ingleses!!! Todos os membros da Comissão sabem já tudo o que aqui disse a Vm.ce mas nenhum deles tem motivos
para trazer à luz do dia este seu procedimento. [...]
Me é muito fácil provar, com mais
de cinquenta testemunhas, que pessoa nenhuma foi além de Bananeiras e por certo
não existe picada alguma, e [...] posso confirmar perante Deus e todo o mundo
toda estas minhas declarações. Veremos se Vm.ce
ou Moerbeck serão capazes de fazer o mesmo [...] Sou etc. [assinado] José
Nehrer.
Reconheço verdadeira a firma
supra. Rio de Janeiro, 13 de junho de 1885. Em testemunho da verdade [assinado]
Carlos Fortes de Bustamante e Sá. [Estava o sinal público do Tabelião]
Nada mais continha a dita carta
que fielmente verti do próprio original escrito em alemão ao qual me reporto.
Em fé do que passei a presente que assinei e selei com o meu selo de ofício
nesta cidade do Rio de Janeiro, aos 17.06.1885.
[assinado] Johannes Jochim
Christian Voigt, tradutor público juramentado. N° 13.385. Pagou de emolumentos
28$000.
Florida, no Alto Madeira, 26 de
setembro de 1884.
Ilm° Sr. ‒ Não convindo que fiquem
embarcações da Comissão espalhadas pelas margens do Rio Madeira, comunico-lhe
que caso o batelão que está no Salto do Jirau e que pertence à Comissão não
possa servir mais, deve mandar quebrá-lo de tal maneira que ninguém se possa
servir dele, fazendo o mesmo ao da turma.
Deus guarde a V. S. ‒ [assinado]
Engenheiro Ignácio Moerbeck chefe da 4ª turma. ‒ Ilm° Sr. José Nehrer desenhista.
Sr. Nehrer. ‒ Mande examinar o
batelão da turma e o outro que está no Salto do Jirau e se não prestam mais,
mande quebrar todos os dois que é para os bolivianos não se aproveitarem deles.
Eu respondo por tudo. Seu amigo. ‒ [assinado] Moerbeck. José Nehrer.
Responsabilizo-me, na forma da
lei, pela publicação deste artigo. Rio de Janeiro, 23.09.1885. ‒ José Nehrer.
Rua do Carmo n° 15. Reconheço a firma supra. Rio. 23 de Setembro de 1885. ‒
Carlos Fortes de Bustamante Sá. [Em testemunho da verdade estava o sinal
público.] (JC, n° 267)
Bibliografia
JC N° 267. Comunicação de
Estudos da Estrada de Ferro do Madeira e Mamoré – Brasil – Rio de Janeiro,
RJ – Jornal do Comércio n° 267, 25.09.1885.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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