Quarta-feira, 25 de novembro de 2020 - 08h00
Bagé, 25.11.2020
Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte LXIV
Madeira-Mamoré ‒ Ferrovia do Diabo ‒ XVI
Tratado de Petrópolis e a Ferrovia
A Revolução Acreana, conflagração em que os brasileiros
liderados por Plácido de Castro venceram os bolivianos pelas armas, obrigou aos
diplomatas dos dois países a tentar encontrar um acordo honroso.
Foi assinado, no dia 17.11.1903, em
Petrópolis, o Tratado que punha termo à disputa em torno daquela região
fronteiriça. No seu artigo VII, o Tratado determinava:
TRATADO DE LIMITE ENTRE O
BRASIL E A BOLÍVIA
ARTIGO VII
Os Estados Unidos do Brasil
obrigam-se a construir, em território brasileiro, por si ou por empresa
particular, uma ferrovia desde o Porto de Santo Antônio, no Rio Madeira, até
Guajará-mirim, no Mamoré, com um ramal que, passando por Vila Murtinho ou outro
ponto próximo [Estado do Mato Grosso], chegue a Vila Bela [Bolívia], na
confluência do Beni e do Mamoré.
Dessa Ferrovia, que o Brasil se
esforçará por concluir no prazo de quatro anos, usarão ambos os países com
direito às mesmas franquias e tarifas.
Joaquim Catramby Vence a Concorrência
O Decreto n° 1.180, do dia 25.02.1904,
autoriza o executivo a abrir créditos necessários à construção da Ferrovia.
Imediatamente o Ministério da Viação elabora o Edital de Concorrência, pois o
Governo decidira entregar a empreitada a uma construtora particular. O artigo
3° do Edital determinava que a Diretriz Geral da Estrada de Ferro deveria ser
norteada nos trabalhos das Comissões Morsing e Pinkas, mas que os seus custos
deveriam se basear apenas no Relatório Pinkas, o mais baixo dos dois, como já
vimos anteriormente.
Os chilenos, atentos, oferecem uma
compensação à Bolívia, decorrente da perda de seus territórios, na Guerra do
Pacífico, e oferecem a construção de uma Ferrovia ligando o Porto de Arica,
agora chileno, a La Paz. Esta ferrovia não somente substituiria a peruana, mas,
sobretudo, visava fazer concorrência à Madeira-Mamoré. Apresentaram-se à
concorrência dois empreiteiros ferroviários, os engenheiros cariocas Joaquim
Catramby e Raymundo Pereira da Silva. O vencedor da concorrência foi Catramby.
Joaquim Catramby Vende a Concessão
Desembarca em Santo Antônio, em maio de
1907, a construtora Norte-americana May, Jekyll & Randolph, com sede em
Nova York, que supostamente Catramby subempreitara. Em agosto, a May, Jekyll
& Randolph funda em Portland, EUA, a companhia Madeira-Mamoré Railway, cujo
único objetivo seria de adquirir de Catramby a concessão outorgada pelo Governo
Brasileiro.
A Madeira-Mamoré Railway fazia parte de um
grande grupo de Ferrovias brasileiras, sob o nome de Brazil Railway Company,
dirigido pelo Norte-americano Percival Farquhar. Provavelmente, Farquhar já
adquirira a Concessão de Catramby antes mesmo de enviá-la a Santo Antônio. Em
30.01.1908, o Governo Brasileiro, através do Decreto n° 6.838, autorizou a
transferência da Concessão de Catramby à Madeira-Mamoré Railway que contratara
para a construção da Ferrovia a May, Jekyll & Randolph. A Madeira-Mamoré
Railway estava interessada em conseguir, futuramente, a Concessão de Exploração
da Ferrovia.
Decreto n°
6.838 (30.01.1908)
Senado Federal
Subsecretaria de Informações
DECRETO
N. 6838 DE 30 DE JANEIRO DE 1908
Autoriza a transferência à Madeira Mamoré
Railway Company do contrato da construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré.
O Presidente da República dos Estados
Unidos do Brasil, à vista do que lhe foi requerido, decreta:
Artigo único. Fica autorizada a
transferência à Madeira Mamoré Railway Company, a que se refere o Decreto n°
6755, de 28.11.1907, do contrato celebrado em 14.11.1906 com o Engenheiro civil
Joaquim Catramby, em virtude do decreto n° 6103, de 07.08.1906, para construção
da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, sendo aquela companhia sub-rogada nos
respectivos direitos e obrigações.
Rio de Janeiro, 30.01.1908, 20° da
República.
AFFONSO AUGUSTO MOREIRA PENNA.
Miguel Calmon du Pin e Almeida.
Ano de 1907
Fiz uma requisição anual de
drogas para um hospital de 300 camas. [...] A febre volta depois do 6°, 7° ou
8° dia. [...] Excessivamente má a condição física, primária, de 95% dos
trabalhadores chegados hoje. As mulheres, fisicamente, de fraqueza extrema.
Recomendei ao Mr. Randolph que a todo trabalhador deveriam ser dadas,
diariamente, 10 cg de quinino, do Pará até Porto Velho. (Dr. H. P. Belt)
A May, Jekyll & Randolph realizou um
inventário dos materiais deixados pela empresa Collins com o objetivo de
verificar os que podiam ser aproveitados. Os trabalhos na linha férrea
iniciaram no dia 21.06.1907. A empresa manteve, neste ano, uma média mensal de
140 trabalhadores brasileiros. Estabeleceu-se que o ponto inicial da Ferrovia
seria em Porto Velho, o Ponto Velho de Morsing. O Relatório do Ministério de
Viação e Obras Públicas, de 1907, sobre as Estradas de Ferro do Brasil, afirma
que o pedido de mudança do local foi encaminhado àquele Ministério no final de
novembro de 1907 e que a autorização foi concedida através do Aviso n° 2, de
16.01.1908.
Ano de 1908
Em Porto Velho, a sete quilômetros de Santo
Antônio, a May iniciou a construção do Cais, Estação, Oficinas, residências e,
a meio caminho entre Porto Velho e Santo Antônio, o Hospital de Candelária, uma
Cidade brotava em plena selva. A empresa, porém, não proporcionava condições
sanitárias, médicas e hospitalares adequadas aos seus trabalhadores, forçando o
médico H. P. Belt a utilizar seus próprios instrumentos cirúrgicos bem como
suas drogas já que não eram adquiridos pela construtora. O Engenheiro-chefe Sr.
H. F. Dose faz as seguintes considerações sobre os primeiros trabalhadores
estrangeiros trazidos para a região:
Justamente em 1907, acabavam os contratantes
[May, Jekyll & Randolph] a construção de uma Estrada de Ferro em Cuba, na
qual tinham empregado 4.000 trabalhadores galegos [espanhóis] habituados
a trabalhar em região apresentando condições climáticas semelhantes às do
Madeira. Confiaram, pois, os empreiteiros nesses trabalhadores, a fim de levar
a efeito a difícil tarefa que se lhes antepunha. Em janeiro de 1908, logo que
ficaram terminados os primeiros trabalhos de locação e roçada, foram embarcados
no vapor Amanda, em Santiago de Cuba, com destino a Porto Velho, 350 homens
entre contramestres, ferreiros, cozinheiros e capatazes. Era intenção dos
empreiteiros mandar um navio periodicamente a Cuba, para trazer mais
trabalhadores com prática, à proporção que os trabalhos de locação o
permitissem.
Ao chegar, porém, o Amanda ao
Pará, foram contadas tais coisas aos trabalhadores, pelos habitantes da região
a que se dirigiam, que eles abandonaram o navio aterrorizados, recusando-se
absolutamente a seguir viagem. De um total de 350 homens, apenas 65 chegaram ao
destino. Os jornais do Pará juntaram-se ao povo com publicações exageradas
relativamente ao clima fatal e ao número de óbitos que já tinham dado na
Estrada. O cônsul espanhol telegrafou ao Ministro de seu país em Havana,
pedindo que fosse impedida a emigração dessa Ilha para a Madeira-Mamoré. Isso
foi feito e os contratantes ficaram assim inteiramente privados desse
contingente de trabalhadores práticos com que contavam.
Os artigos publicados na Folha
do Norte, Província do Pará, e outras folhas paraenses foram transcritos em
Portugal, Espanha, Itália e em quase todo o mundo, tornando-se, por isso,
muitíssimo difícil obter trabalhadores, mesmo por qualquer preço. Portugal,
Espanha e Itália decretam a proibição da emigração de seus súditos para uma
região considerada fatal à existência humana. (FERREIRA, 1959)
Os empreiteiros concluíram que a construção
estaria fadada ao fracasso se mantivessem um número fixo de trabalhadores. Os
homens trabalhavam eficientemente nos primeiros dois ou três meses; depois de
atacados pelas doenças, a maioria se tornava incapacitada de produzir como
antes. Era, pois, necessário renovar o efetivo mensalmente para substituir os
mortos e inutilizados. A companhia destacou agentes especiais para contratar
trabalhadores, conhecidos como “importados”
em diversos países, mas, principalmente, nas Antilhas, Barbados, Espanha, Portugal,
Grécia, Itália, França, Índia, Hungria, Polônia e Dinamarca. Os agentes
aliciavam os trabalhadores fazendo uma descrição sedutora da região e
informando que esses poderiam se tornar agricultores logo após a conclusão da
Estrada.
Ano |
N° Trabalhadores |
1907 |
446 |
1908 |
2.450 |
1909 |
4.500 |
1910 |
6.090 |
1911 |
5.664 |
1912 |
2.733 |
Total |
21.883 |
Bibliografia
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A Ferrovia do Diabo
– Brasil – São Paulo, SP – Edições Melhoramentos, 1959.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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