Segunda-feira, 3 de agosto de 2020 - 09h04
Bagé, 03.08.2020
Momentos Transcendentais no Rio Solimões
Parte V
O Retorno
Passada a euforia
inicial da conclusão, com total êxito, do Projeto-Aventura Desafiando o
Rio-Mar, retornei à faina de continuar informando os meus leitores de assuntos
não só relativos ao projeto em si, mas de temas que envolvam a “Nossa Amazônia” ou a Soberania
Brasileira.
Desafio Intelectual e Psicológico
É interessante
verificar que as pessoas se impressionaram mais pela conquista de um desafio
físico do que intelectual e psicológico. Longe de ser uma descida de caiaque
pelo Solimões, o projeto visava conhecer as peculiaridades locais, observando e
analisando a história, flora, fauna, hidrografia e povos da floresta. O uso de
caiaques teve como objetivo, apenas, de baratear o custo da expedição, não
utilizar combustíveis poluentes, não afugentar a fauna e facilitar o acesso aos
locais mais remotos.
O esforço exigido
diariamente, que causa espanto a tantos, foi minuciosamente planejado levando
em conta a velocidade da correnteza, desempenho do caiaque, locais de parada e
poderia ser alcançado por qualquer pessoa de mediana capacidade física. O mais
importante, numa empreitada dessa natureza, não é o vigor físico, mas o preparo
psicológico para que, sob quaisquer condições de navegação enfrentadas, se
possa tomar a decisão adequada em tempo hábil e ainda, ao final do
deslocamento, ser capaz de continuar com as atividades de pesquisa.
Como exemplo, cito o
deslocamento de 108 quilômetros que realizei, sozinho, de Anamã a Manacapuru,
das 05h15min às 14h15min – nove horas sem parar. Chegando à Cidade, após um
banho revigorante, saí para contatar as autoridades políticas com intuito de
obter seu apoio e, logo em seguida, iniciei meu périplo pela bela Cidade que
durou até as nove horas da noite. O treinamento exaustivo no Guaíba tinha como
objetivo somente isso, tornar-me capaz de cumprir a missão independentemente do
percurso e do esforço realizado. A missão não era remar, mas interagir e
aprender com a Selva, com o Rio e a População Ribeirinha.
Preparo Intelectual
Antes de iniciar a
descida, no dia 1° de dezembro de 2008, eu havia lido tudo que encontrava sobre
a região, da geografia à ecologia, do desenvolvimento sustentável à questão
indígena, do folclore às lendas, de pesquisas sobre a fauna e flora à história,
da antropologia à arqueologia dentre tantos outros temas afins. Busquei me
informar através dos relatos históricos desde a epopeia de Francisco de
Orellana (1541), e dezenas de outros tantos pesquisadores que desafiaram,
estudaram e reportaram sua saga na hileia. Somente depois disso, achei que
estava apto a capitanear o projeto sabendo exatamente o que deveria buscar em
cada ponto e o que poderia encontrar. Não foi somente uma aventura, para cada
dia de execução deste desafio foram gastos mais de 12 dias de estudos e
treinamento.
Momentos Transcendentais no Rio Negro
Parte I
O Negro Caudal vem
encantando desbravadores, naturalistas, pesquisadores, escritores e poetas
desde que se teve notícia de sua existência, pelos “civilizados” há séculos. A cada um, este portentoso ente aquático
impressionou de uma forma.
Alguns pela cor de
suas águas, outros pela força de sua torrente, outros pelas características
físico-químicas, outros pelas infindáveis e paradisíacas Ilhas, outros pelo
colorido e formas exóticas de sua ictiofauna, outros ainda pela sua diversidade
étnica e cultural...
A Singular Torrente
O Negro me envolveu
no seu manto de mistério; a alvorada silente, diferente do Solimões, que mais
parecia uma Ode à Natureza, torna-o, à primeira vista, um ser inerte, apático e
sem vida. A beleza das paisagens contrastava com a ausência de sons. A calmaria
do Alto Rio Negro e as belas Ilhas de pedra foram substituídas, à medida que
progredíamos, pelas intermináveis praias de areias virgens, pelos banzeiros e
fortes ventos de proa que dificultavam a progressão de minha equipe de apoio no
seu precário “bongo”.
Diferente dos ventos
sulistas, que acariciam a superfície das águas do irmão Guaíba, os banzeiros
formam ondas que não obedecem a um padrão definido tentando jogar o casco do
meu formidável “Cabo Horn” para todos
os lados, e só consegui mantê-lo na rota graças ao formidável leme que possui. Diferente
do Solimões, cujas águas podiam ser cortadas sem o uso deste implemento, aqui
no Negro ele é de vital importância.
Margens
Funestas
O efeito devastador
das águas do Solimões sobre as margens, golpeando, destruindo, arrastando,
reconstruindo, alterando continuamente seu traçado, aqui não se vê.
O Negro derruba os
gigantes da floresta, mas eles permanecem aferrados aos barrancos de onde
tombaram. São redesenhados, esculpidos pelas mãos do tempo e das águas.
No Baixo Rio Negro,
as margens de tabatinga, golpeadas continuamente pelos banzeiros, formam
formidáveis paredões verticais e as arenosas espraiam-se preguiçosamente. No
Alto Rio Negro, as margens íngremes rochosas e as de terra mostram-se
revestidas por uma interminável rede formada pelas radículas provenientes das
bases das árvores, compondo uma densa e extensa franja.
Pobre
Vegetação
As terras mais
pobres não apresentam a estupenda variedade e portento da Bacia do Solimões e
as águas carentes de nutrientes não revitalizam a várzea por ocasião das
cheias. Talvez, por tudo isso haja uma diferença tão grande na capacidade de
trabalhar dos nativos das mais variadas etnias do Alto Rio Negro em relação aos
Tikunas do Alto Solimões. A compleição física indica uma carência alimentar
ancestral que não conseguiu ser suprida até os dias de hoje, agravada,
certamente, pela falta de aptidão para a agricultura e o secular vício da
bebida.
Descendo
o Rio Negro
Desde o primeiro dia
de minha Expedição pelo Negro, eu comparava as paisagens atuais com as imagens
pretéritas do Solimões. Impossível deixar de estabelecer comparações entre as
características do primeiro com as do segundo. O foco inicial de minha atenção
no Negro se voltou para o silêncio das matas ciliares. A alvorada no Solimões
era uma verdadeira Ode à Vida e ao Sol, carregada de sons de pássaros de todos
os matizes, acompanhada pelo soturno ronco gutural dos guaribas, possuía uma
singular beleza que me arrebatava e me fazia mergulhar nos mistérios e belezas
da natureza. O Negro, com suas Ilhas e praias de incomparável beleza mais
parecia um grande e belo quadro de natureza morta. As matas de menor porte do
Negro não tinham a diversidade, a opulência e os frutos das do Solimões que
permitiriam que os pássaros a povoassem.
A torrente mais
lenta causa um impacto bem menor nas margens que, por isso mesmo, guardam
cicatrizes perpétuas dos gigantes da floresta tombados pelos temidos banzeiros.
É interessante confrontar minhas impressões com a dos naturalistas do passado,
por isso, transcrevo os relatos abaixo, lembrando, porém, que as observações de
Spix se estenderam, apenas, até a Cidade de Barcelos e as de Agassiz até
Pedreira (atualmente Moura).
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Galeria de Imagens
* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
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