Quarta-feira, 9 de setembro de 2020 - 11h19
Bagé, 09.09.2020
Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte IX
“BANDEIRA” de
Francisco de Mello Palheta – I
Na Bacia do Madeira, Francisco de Mello Palheta, experimentado
homem dos sertões amazônicos, subindo o Rio, em 1722, em missão oficial,
verificou o exercício da soberania lusitana em toda a extensão da grande
artéria. E atingindo as missões espanholas jesuíticas de Moxos, complementando
a sondagem política que estava realizando, intimou os Missionários a abandonar
aquelas posições, afirmando-lhes que estavam operando em terras pertencentes à
Coroa Portuguesa. Não fosse obedecida a intimação e os governantes paraenses
possuíam matérias para obrigá-los a executar o que lhes determinava.
(REIS, 1948)
Embora nos capítulos anteriores
tenhamos repercutido a fantástica “Bandeira
dos Limites de Antônio Raposo Tavares”, nenhum cronista acompanhou o
intrépido Bandeirante registrando sua porfia, digna de um Homero, pelas
Cachoeiras do Rio Madeira. Missionários e militares penetraram, mais tarde, no
vale do Madeira, mas sem percorrê-lo por inteiro, por isso, a “Bandeira” de Francisco de Mello Palheta
é considerada uma das mais importantes realizadas no século XVIII.
Francisco de Mello Palheta
O jornal “A Tribuna”, de Santos, São Paulo, na sua
edição especial de 26.01.1939, comemorativa do centenário da elevação de Santos
à categoria de Cidade, publicou interessante matéria sobre o café, onde
desponta a figura de Palheta. O artigo foi baseado no livro “A antiga produção e exportação do Pará”
do escritor Manuel de Mello Cardoso Barata. Reproduzo fragmentos de ambos os
textos que aludem ao insigne militar. “A Tribuna” relata:
A TRIBUNA
Santos, SP – 26.01.1939
O
Café na História e na Legenda
Francisco de Mello Palheta, o Bandeirante do café –
Dentre as zonas do nosso gigantesco solo, coube ao Pará a prioridade do cultivo
da preciosa rubiácea, e a Francisco de Mello Palheta a glória de ser o portador
de mil e tantas bagas e cinco espécimes dela, desde a Guiana Francesa até
aquela circunscrição da nossa pátria, então simples possessão portuguesa.
Por ocasião do ingresso do café, ali, era Governador o
Capitão-General do Estado do Maranhão e Grão-Pará, João da Maia Gama, que havia
sucedido, em 1727, a Bernardo Pereira de Berredo [...].
Houve, a esse tempo, necessidade de
mandar-se à fronteira, assim como a Caiena, para quaisquer entendimentos com os
franceses da Guiana, uma ligeira missão de caráter oficial.
A fim de dirigi-la, foi escolhido o Sargento-mor ([1])
do exército colonial e brasileiro de nascimento, Francisco de Mello Palheta,
que já se salientara muito, em 1722-23, na exploração do Rio Madeira, e que também
tinha o posto de Capitão-Tenente da Guarda Costa, sendo assim militar de terra
e Mar.
Pois bem, ao retornar a Expedição da Guiana, trazia
consigo o seu esforçado Comandante mil e tantas frutas e cinco plantas do
vegetal alienígena, que se tornaria, de futuro, o tesouro da agricultura
nacional.
Que a Mello Palheta se enderece, pois, a gratidão de
todos nós, brasileiros, pelas meritórias consequências da sua ação prestimosa e
relevante. E aqui seja dito de passagem: De Clieu, o introdutor do café na Martinica
[...], já teve, em Fort-de-France, a devida consagração, enquanto que a memória
de Palheta ainda espera a homenagem que indeclinavelmente lhe deve a
nacionalidade.
Assim é narrada a viagem da Expedição:
Deixando Belém em 1727 [maio] –
conforme opinou o denodado Sargento-mor, chegando a Caiena, conheceu de perto a
valiosa rubiácea, que já viçava havia alguns anos. Percebeu, logo, com aguda
perspicácia, os magníficos proventos que adviriam para a Pátria e a Real Coroa
do vegetal exótico, e procurou sem tardança obter mudas e bagas novas.
É de crer lhe custasse isso riscos e sacrifícios, pois
entre os franceses se adotara o terrível monopólio holandês, a ponto de o
Governador decretar que ninguém desse aos portugueses café capaz de reproduzir-se.
Galanteria de uma dama francesa – A insciência ([2])
do modo exato por que foi conseguido na Guiana o café introduzido no Brasil, em
maio de 1727, pelo audaz explorador, e bem assim a alta valia dessa façanha,
contribuíram para tecer-se em torno do caso uma sorte de lenda – propalada pelo
Bispo D. João do S. José, prelado Beneditino, depois de sua viagem e visita ao
bispado do Grão-Pará em 1762 e 1763, escreveu na “Viagem e visita do sertão
em o bispado do Grão – Pará em 1762 e 1763” e aceita por escritores
subsequentes:
Aqui vimos, pela primeira vez, a
árvore do cacau, plantada pela natureza, de que estas linhas do Rio abundam nas
vizinhanças de Gurupá, são assim das árvores do café, pois todas desta espécie
têm sido plantadas, e primeiro vindas de Caiena, em tempo do Governador do
Estado João da Maia, o que se deveu à generosidade de uma francesa, mulher do Governador,
que, sabendo a proibição e estudo com que andavam os seus nacionais para que se
não comunicasse a um português, de quem ignoramos o nome, e só sabemos ser
Palheta, que ali se achava, indo este visitar seu marido, e saindo todos a passeio,
ela generosamente lhe ofereceu, em presença do esposo uma mão cheia de sementes
de café, praticando a galanteria de ser a mesma que lhas introduziu no bolso da
casaca.
Obrigando-o de tal sorte que lhe
não sobejaram as expressões com que mostrou agradecer muito à madame esta
franqueza e bizarria; e logo em Belém se repartiram pelo Governador e homens de
negócio, entre os quais não foi dos segundos Agostinho Domingos, natural do Arcebispado
de Braga, junto às Caldas do Gerez, e casado em Belém, homem de muita honra,
verdade e cabedais, cujo procedimento autoriza bem as suas cãs ([3])
na avançada idade de 80 anos, de quem recebemos imediatamente essa espécie,
quando nos mostrou seus cafezais do Rio Guamá. (A TRIBUNA)
Damos sequência
com o texto de Manuel de Mello Cardoso Barata:
[...] não é verdadeira, nem verossímil, a versão,
propalada pelo bispo D. Frei João do São José de Queiroz e repetida por outros
escritores, de que as sementes de café trazidas por Francisco de Mello Palheta
foram-lhe dadas pela mulher do Governador de Caiena Claude D’Orvilliers, a
qual, por galanteria, metera no bolso da casaca [do colete, dizem outros] de
Palheta uma mão-cheia delas, na presença do próprio Governador. Sabendo-se,
porém, que esse mesmo Governador havia ordenado, por um bando ([4]), que pessoa alguma desse
aos portugueses [Palheta e seus companheiros de viagem] “café capaz de
nascer”, não se pode crer que a própria mulher desse Governador
transgredisse a ordem dada, e na sua presença, mesmo por galanteria, descabida
e criminosa, no caso.
Além disso, Palheta trouxe “mil e tantas frutas e cinco
plantas de café”, que naturalmente não poderiam ter caído em todos os seus
bolsos, da casaca ou do colete. Pela petição dirigida por Palheta ao seu
monarca, alegando serviços prestados, e solicitando concessão de favores,
podemos verificar como ele próprio conta o caso do café, de modo que não se
pode pôr em dúvida a veracidade da sua afirmativa. Nenhuma referência faz ele à
aludida galanteria da senhora D’Orvilliers, o que parece não deveria ter tido
ele motivo para calar, e antes para referir com louvor. Acham-se os meandros do
problema, no entanto, positivamente iluminados por uma petição do próprio
Palheta, inserta nos “Annaes da Bibliotheca e Archivo Público do Pará”
[Códice de Alvarás – Cartas Régias e Decisões – Reinado de D. João V. 1734],
reproduzida no livro de Manuel de Mello Cardoso Barata, conforme se lê a
seguir, e dirigida a D. João V:
Sr. – Diz
Francisco de Mello Palheta, Capitão-Tenente da Guarda Costa, que ele,
Suplicante está atualmente ocupado no serviço de Vossa Majestade e somente com
quarenta e oito militares de soldo; fazendo gastos excessivos e experimentando
grandes perdas, como na viagem do descobrimento do Rio da Madeira, fez de gasto
um conto, e duzentos mil réis; porque o mandou o Governador João da Maia Gama
ao do descobrimento até as Índias de Espanha, como fez, até chegar à Cidade de
S. Cruz, e nas grandes Cachoeiras teve três alagações em que perdeu tudo quanto
levava, e depois foi mandado pelo nosso Governador a correr à Costa e à Vila de
Caiena; fazendo também grandes gastos, sem que das viagens fizesse negociações
algumas; e vendo o Suplicante que o Governador de Caiena deitava um bando à sua
chegada que ninguém desse café aos Portugueses capaz de nascer, se informou o
Suplicante do valor daquela droga, e vendo o que era fez diligências por trazer
algumas sementes com algum dispêndio da sua Fazenda.
Zeloso dos
aumentos das Reais rendas de V. Majestade; e não só trouxe mil e tantas frutas
que entregou aos Oficiais do Senado [Vereadores da Câmara Municipal] para que
as repartissem com os moradores, como também cinco plantas, de que já hoje há
muito no Estado; e como o Suplicante se acha muito falto de servos, e tem mil e
tantos pés de Café, e três mil pés de Cacau, e não tem quem lhos cultive, e se
acha com cinco filhos, peço a vossa Majestade lhe faça mercê conceder por seu
Alvará cem casais de escravos de Sertão do Rio Negro, ou outro qualquer, que se
lhe oferecer, como também mandar se deem ao Suplicante cinquenta índios das
Aldeias de Cahabe [por Cacté, hoje Bragança], Mortigure [por Murtigura, hoje
Vila do Conde], Simouma [por Sumauma, hoje Beja], Bocus [por Bócas, hoje
Oeiras], Caricuru [por Uricuru, hoje Melgaço], Mongabeiras [por Mangabeiras,
hoje Ponta de Pedra], Camutá, Gorjones [por Guaianas, depois Lugar de Vilar,
hoje extinto], para fazer os ditos resgates; e como o Suplicante está
alcançado, e não tem com que comprar o necessário da Fazenda dos resgates,
mandar se lhe dê tudo o necessário da Fazenda dos resgates para que depois o
Suplicante inteire, e pague da mesma viagem o custo que fizer.
E. R. Mcê. ([5])
Esta petição não foi assinada, nem datada, segundo era
costume do tempo em que ainda não se tinha inventado o imposto do selo; mas, a
julgar pela data da Ordem Régia, que é de 16.02.1734 [original, no Códice e
Arquivo Público do Pará], junto à qual por cópia enviada, por cópia autêntica,
ao Governador do Estado, para informar, deve ter sido escrita provavelmente em
1733. (BARATA)
Bibliografia
A TRIBUNA, 26.01.1939. O Café na História e na Legenda – Brasil
– Santos, SP – A Tribuna, Edição Especial, 26.01.1939.
BARATA, Manuel de Mello Cardoso. A Antiga Producção e Exportação do
Pará – Estudo Hstórico-econômico – Brasil – Belém, PA – Tipografia da
Livraria Gillet, 1915.
REIS, Arthur Cézar Ferreira. Limites e demarcações na Amazônia
Brasileira. A Fronteira com as Colônias Espanholas ‒ Brasil ‒ Belém, PA ‒
Secretaria do Estado da Cultura, 1948.
REVISTA DO PROFESSOR, N° 27. Hidrografia – a Bacia Amazônica –
Brasil – São Paulo, SP – Revista do Professor, n° 27 1956.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
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Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H