Terça-feira, 16 de junho de 2020 - 08h47
Bagé, 16.06.2020
O Guerreiro Ajuricaba
O primeiro ataque de Ajuricaba aos conquistadores, de
que se tem notícia, ocorreu em 1723, contra a tropa comandada por Manoel Braga,
em que morreram um líder indígena que acompanhava a tropa como guia e um
soldado. Logo após a agressão, uma revolta se alastrou por toda a Bacia do Rio
Negro e os confederados, formados praticamente por quase todas as nações
indígenas, colocaram em perigo as possessões portuguesas. O Governador João da
Maia da Gama escreveu, em 17.09.1723, uma carta ao Rei nos seguintes termos:
Todas as tribos desse Rio
‒ com exceção das que estão conosco e que já contam com missionários ‒ têm sido
assassinas de meus vassalos e aliados dos holandeses! Elas impedem a propagação
da fé, têm roubado e assaltado continuamente os meus vassalos, comem carne
humana e vivem como brutos, desafiando as leis da natureza [...]
Esses bárbaros estão
cheios de armas e munição, algumas das quais lhes foram dadas pelos holandeses,
e outras lhes foram transmitidas por homens que, até agora, foram resgatá-los e
molestá-los, contrariando as minhas Ordens Régias. Não apenas recorrem às armas
[de fogo] mas também se entrincheiram em estacadas feitas de madeira e barro,
dotadas de torres de vigia e defesa. Devido a isso tropa alguma os atacou até
agora, por recear suas armas e sua coragem.
Por meio dessa dissimulação eles se
tornaram mais orgulhosos e se atreveram a cometer excessos e matanças [...]
(João da Maia da Gama)
O Ouvidor e Intendente-Geral Francisco Xavier Ribeiro
de Sampaio, no seu “Diário de uma viagem”
faz o seguinte comentário sobre este período conturbado.
CCCLXXI. Era, o
Ajuricaba, Manao de nação, e um dos mais poderosos Principais dela. A natureza
o tinha dotado com ânimo valente, intrépido, e guerreiro. Tinha feito uma aliança com os holandeses da
Guiana com os quais comerciava pelo Rio Branco, de que já falamos. A principal
droga desse comércio eram escravos, a cuja condição reduzia os índios das
nossas aldeias, fazendo nelas poderosas invasões. Corria o Rio Negro com a
maior liberdade, usando nas suas canoas da mesma bandeira holandesa de sorte,
que se fazia terrível universalmente, e era o flagelo
dos índios, e dos brancos.
CCCLXXII.
Governava o Estado do Pará o General João da Maia da Gama, e chegando aos seus
ouvidos as repelidas queixas das calamidades, em que se achavam os povos,
causadas pelas violências do Ajuricaba, deu
necessário remédio àquelas desordens: mandando a Belchior Mendes de Moraes com
um Corpo de Infantaria guarnecer as Povoações invadidas, e informar-se
legalmente pelo meio de uma devassa das referidas violências, e crueldades,
trazendo para este fim a comissão do Ouvidor-Geral do Pará José Borges Valério.
CCCLXXIII. Quando
Belchior Mendes chegou às nossas Povoações, achou a infeliz notícia de que há
pouco tempo o Ajuricaba tinha invadido Carvoeiro, e apresado nele bastantes
índios. Foi logo em seu seguimento, e passados três dias encontrou a armada do
Ajuricaba composta de vinte e cinco canoas, com o qual não teve outro
procedimento, conforme as ordens que levava, do que repreendê-lo severa, e
asperamente, e fazer-lhe entregar os prisioneiros.
CCCLXXIV. Cuidou
Belchior Mendes em guarnecer as mais Povoações, e entrou logo a proceder à
devassa; concluída a remeteu ao General do Estado. Representou a Sua Majestade
o mesmo General as violências do Ajuricaba, provadas pela devassa, com que
instruiu a sua reapresentação, juntamente às de outros Principais facinorosos,
como eram as dos irmãos os Principais Bebari, e Bejari, matadores do Principal
Caranumá. Sobre esta justa reapresentação determinou Sua Majestade que se
fizesse guerra àqueles nomeados Principais. Entrou logo o General a executar
esta ordem, dispôs uma luzida tropa, de que elegeu Comandante o Capitão João
Paes de Amaral, com a ordem de se unir a Belchior Mendes. (SAMPAIO)
Frei Manoel Joseph de Souza
Eles foram tão injuriosamente e
infantilmente tratados e afastados de nós, que todos os esforços de entrarmos
em contato com eles se mostraram infrutíferos.
(Relatório de Storm Van’s Gravesand ‒ Governador holandês à Companhia das
Índias Ocidentais Holandesas)
O Frei Manoel Joseph de Souza tentou, neste ínterim,
cheio de esperanças, convencer Ajuricaba a ficar a serviço de Portugal.
Encontrou-o navegando em uma canoa onde tremulava o pavilhão holandês.
Infiel, orgulhoso e insolente
homem que se autoproclama Governador de todas as nações. (Frei Manoel)
Conseguiu, em sinal da “aliança” firmada, que este lhe entregasse a bandeira da Holanda que
foi substituída pela de Portugal, além da troca de cinquenta escravos por
outros tantos resgates. Pouco tempo depois, Ajuricaba voltou a atacar as
Missões e o Frei reclamou intervenção militar. Corria o ano de 1727, quatro
anos haviam se passado e, apesar das cartas do Governador, a Corte se mantinha
em silêncio. Reunindo todas as queixas, devassas, documentos legais solicitou,
perante a “Junta das Missões”, que
fosse autorizada a “Guerra Justa”.
Apenas o Reitor do Colégio dos Jesuítas votou contra.
O Líder Ajuricaba
Mesmo considerado como inimigo da Coroa Portuguesa,
todos, mesmo os portugueses, reconhecem a capacidade de liderança de Ajuricaba.
Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio assim se referiu ao líder nativo:
CCCLXXV. O que na verdade é mais célebre na história do Ajuricaba, é que todos os
seus vassalos, e os mais da sua nação, que lhe tributavam
o mais fiel amor e obediência, com a ilusão que fazem na fantasia estas
razões, parecendo-lhe quase impossível que ele morresse, pelo desejo que
conservavam, da sua vida, esperavam por ele, como pela vinda de El Rei D.
Sebastião esperam os nossos sebastianistas.
CCCLXXVI. O
Ajuricaba em todo o progresso da sua vida foi certamente um herói entre os índios: nome que muitas vezes merece pelas suas
ações, e que somente faz diversificar dos outros heróis, e homens famosos, a
diferença dos objetos, e não o princípio, e origem das mesmas ações. E por isso
disse bem Mr. de Maupertuis no seu ensaio de filosofia moral:
Se fores ao Norte da América achareis povos selvagens,
que vos farão ver que os Scevolas, os Cursios, e os Sócrates não eram mais que
mulheres junto deles, nos mais cruéis tormentos os vereis imóveis cantar e
morrer. Outros, que apenas nos parecem homens, e que trotamos como cavalos, e
bois, logo que lhe chega o aborrecimento da vida, eles sabem terminá-la.
(SAMPAIO)
Bibliografia:
SAMPAIO, Francisco Xavier Ribeiro Sampaio. Diário de Uma Viagem Que Em Visita, e
Correição das Povoações da Capitania de S. José do Rio Negro Fez o Ouvidor, e
Intendente Geral da Mesma Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio, no Ano de 1774 e
1775 ‒ Portugal ‒ Lisboa ‒ Tipografia da Academia, 1825.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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