Terça-feira, 29 de março de 2022 - 07h41
Bagé, 29.03.2022
O Coronel de
Engenharia Higino Veiga Macedo, meu Caro Amigo e Mentor (com letras maiúsculas
mesmo), enviou-me mais um texto de sua autoria que faço questão de compartilhar
com os eleitores.
Idiossincrasias
na Conquista de Terras...
Texto do Coronel Eng Higino Veiga Macedo
Como
hilária, registro coisa que mais parecem “causos”
de pescador.
Há um ditado
popular que narra ter a conquista de um pedaço de terra ou de uma propriedade
de terra, um fascínio inexplicável aos homens em geral. Há quem afirme que
perder a namorada ofende menos que perder a terra.
Trabalhei na
BR-364, com vigor em 1975. Entre Vilhena e Porto Velho eram 760 km. Estrada de
terra com melhoramento em revestimento primário, mas já muito desgastados.
Tinha uma frequência de mil veículos por dia. Por ela se alimentava também o
Acre e algumas passagens precárias para o Amazonas, pela BR-319. Nesta época já
mereceria ser asfaltada. Em Vilhena, pelo 5° BEC, era feito um dos controles de
registro de veículo, carga e destino. Em 1975 tinha pelo menos cem com
transporte de família. Fora os que vinham de ônibus, pela valente empresa União
Cascavel e seus incansáveis motoristas. Na época, na região do Rio Jaru e do
assentamento de Ouro Preto a malária fazia enormes estragos. Jaru era conhecido
como o Quartel General da malária. Ariquemes e Machadinho chegaram a ser as
rainhas da malária. Havia dois tipos: Vivax e Falciparum. Bom, segundo os
moradores a “Vivax”, maltratava, mas
não matava. A “Falciparum” sempre
matava.
Na boca
popular, corria a estória de que era comum encontra, no Jaru, macaco trocando
banana por aralen ([1]).
O Projeto do
governo era bom. Bem planejado, se tomado no todo, mas com enorme dificuldade
em implantar. A migração era muito grande. Ter um lote de terra na Amazônia era
o grande “eldorado” do Centro Sul do
Brasil. As coisas de governo tinham integração entre os Ministérios. Os ditos
PND, Plano Nacional de Desenvolvimento, continha a integração dos Ministérios.
Como os Ministérios eram técnicos, não havia favorecer um para aumentar a
importância do Partido premiado. Portanto, a abertura de uma BR implicava em
trazer o Ministério da Agricultura para avaliar os locais com potencialidades
agrícolas; o Ministério da Educação para formar as bases de implantação, nos
assentamentos, das escolas; o Ministério da Saúde, para implantar as unidades
básicas de atendimento médico.
Mas como
encontrar tantas empresas de terraplenagens para implantar assentamentos? Como
motivar médicos para enfrentar uma frente pioneira sem nenhuma infraestrutura
ainda. Aliás, era isso que seria a infraestrutura para atrair pessoas
qualificadas. E como formar professores? Mas o fluxo de pessoas era constante.
Os velhos planejamentos de uma casa construída, com ferramentas e um burro, não
tinham como serem feitos. Cada família queria apenas a delimitação do terreno.
À foice e facão fazia “tapiris”, “brocava” algum hectare e começava a
plantar. Aquilo era agricultura familiar: ou fazia ou morreria de fome.
Com já dito,
a malária grassava tanto nas margens da BR quanto nos assentamentos já instalados.
O governo dispunha da SUCAM – Superintendência de Campanhas de Saúde Pública –
Ministério da Saúde. O volume de funcionários era insuficiente para atender a
demanda. E também a experiência com a doença era pouca embora ela já existisse
na Europa desde a antiguidade.
O nome vem
do latim “MALE ARE”. E veio importada
com portugueses e outras etnias. O medicamento: aralén em comprimido e, nos
casos graves, injetável pelo soro. A toxidade no fígado era algo intolerável.
Acontece que
era impossível o acompanhamento no tratamento. As pessoas procuravam os postos,
faziam as lâminas, mas não havia médico. Eram enfermeiros sanitaristas. Médicos
não queriam se meter em aventuras. O infectado (por mosquito – anofelino)
infectava outros mosquitos de sua redondeza e assim o contágio era grande. A
pessoa recebia o remédio em função das leituras das lâminas: de uma a quatro
cruzes. Mas no terceiro ou quarto dia os sintomas desapareciam: febre,
indisposição, dor no corpo, dor na nuca... e ela a necessidade de trabalhar, o
cidadão deixava de tomar o medicamento até o final: seis meses. Bom, depois de
dois a três meses havia a “recindiva”
– a malária estacionada em alguma parte do corpo voltava para a circulação
sanguínea e voltava tudo de novo. Assim, as cepas, os “trofozoitos”, ficaram resistentes. Tivemos até médicos americanos
estagiando no 5° BEC, para, com médicos brasileiros, aprenderem mais sobre
malária. A resistência da “Falciparum”
foi preocupação até da Organização Mundial da Saúde.
Mas havia
muita trapaça. Trabalho de bandidos organizados, hoje o tão banalizado “crime organizado”. E como hoje envolvia
pessoas e autoridades ligadas ao crime. Algum infeliz comprava um seringal
todo, mas por inocência o visitava em voo de avião. Pela dificuldade de acesso,
depois de algum tempo ia tomar posse do patrimônio comprado. Ali verificava que
tinha cinco ou seis donos que também haviam comprado por voos de monomotor. E
encontrava até registro de imóveis. Outros recebem do INCRA seus lotes que em
geral eram de 500 m de frente por 2000 m de fundos. Aí agiam os grileiros com
parceria de agentes do INCRA e advogados desonestos. O cidadão de bem, se
passasse um ano sem ir ao fundo de sua propriedade poderia encontrar alguém já
morando lá com plantações, criação de gado e residência de madeira. Tudo
arranjado pelo grileiro. Seu advogado acionava o INCRA que retirava o lote do
coitado e dava para o bandido do grileiro. Vendiam posteriormente e repartiam o
dinheiro. E, dali, partiam para outra grilagem. Ou simplesmente contratavam
jagunços e expulsavam o proprietário... Com dois anos ausente o INCRA
redistribuía seu lote. O miserável ia para as margens de estradas na faixa de
domínio. Á medida que a tal abertura democrática crescia, aumentava a
participação de partidos marxistas. Penso que houve, na intenção de parecer
democrático (palavra com significado prostituído), estadistas, moderados,
deixaram o marxismo se infiltrar nesses órgãos que detinha forte valor
psicossocial.
Particularmente
ao longo da BR-364, havia vários povoados, hoje cidades, que inchavam do dia
para a noite. Em dois lugares que trabalhei em implantação de estradas
pioneiras, havia sempre incômodos com pessoas e mesmo famílias querendo entrar
e se instalar em algum lugar à espera das ações do INCRA cuja previsão nem
existia, pois não existia a estrada, cuja estrada estávamos começando a
implantar. Os sofrimentos eram grandes. Há história de famílias inteiras serem
dizimada pela malária.
Na
implantação do assentamento do Rio Juma, como dito, hoje pertence ao município
de APUÍ (nome de uma árvore), aconteceu algo interessante contado pelo Tenente
que fora destacado para lá. Estive lá já no final e apenas na sede do INCRA. O
assentamento era na passagem da BR-230 – Transamazônica, com o rio Juma. De
Porto Velho ia-se até Humaitá, atravessava de balsa o rio Madeira e caminhava
400 km. Tinham várias pontes de madeira. E lá, pela abertura da BR e sem as
fiscalizações como fazíamos, muitos locais foram invadidos. Invadidos por bem
intencionados e por mal intencionados que grilavam os terrenos melhores. Mas
no Rio Juma já havia presença de agricultores e grande produção de arroz, café
e feijão que, com dificuldade, escoavam para o lado de Humaitá. A estrada era
de chão. Mas os agricultores foram se acomodando conforme iam chegando.
Chegaram muito antes que o INCRA. Assim, tinha terreno de todo tamanho e com
acesso por todos os lados. O engraçado disso foi que o projeto do INCRA teve
que se adaptar ao que existia. Assim, as linhas saiam da BR e ia passando nos
terrenos: primeiro no seu “zé das coves”...
dali seguia para os do “João da cotia”...
e assim ia ligando as moradias e lavouras já bem produtivas e as moradias
consolidadas. Os projetos antecipados tudo era na linha reta e os terrenos com
mesma área.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas,
Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da Academia
de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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