Quarta-feira, 1 de janeiro de 2014 - 10h08
Hiram Reis e Silva, Santarém
O Tapajós que eu vi
(Eimar Franco)
Uma das belas características do Tapajós são as nuances de cor que apresenta durante os dias e as noites. Algumas vezes ele tem a cor de esmeralda; outras, a de chumbo; outras, o dourado – como se caprichasse para nos extasiar com sua beleza…
- Partida de Aveiro
Partimos de Aveiro ao alvorecer e programamos a primeira parada no Sítio dos Sonhos do Sr. Júlio. Tínhamos acabado de aportar quando ele apareceu, com sua simpática esposa, e aproveitamos, mais uma vez, para nos despedir deste caro e empreendedor amigo.
No Tapajós as enormes Barreiras de arenito, conhecidas com “Barreiras Vermelhas”, na margem direita, são características das praias a partir da Ponta da Fortaleza, a ESE de Aveiro, até as proximidades da Comunidade de Itapuama onde pernoitamos. Na margem esquerda encontramos formações similares que se estendem desde a meia distância entre a Comunidade de Paú e Escrivão para ESE até os limites entre Pinhel e Cametá. As Grandes Barreiras, portanto, estão confinadas, “curiosamente”, às longitudes de 55º37’17,30”O e 55º37’17,20”O, em ambas as margens – em um alinhamento perfeito. Alguns destes ciclópicos paredões exibiam feias cicatrizes de recentes erosões. Algumas provocadas pela ação dos elementos outras pela camada vegetal que se empoleira nas fissuras do arenito ou ainda pela combinação de ambos. A rústica vegetação se desenvolve lentamente equilibrando-se instável e perigosamente nos abismos verticais entranhando suas delicadas raízes nas pequenas frestas da rocha e pouco a pouco como garras vulturinas vão ganhando corpo até que provocam a fratura irreversível do frágil arenito despencando com ele num suicídio deliberado.
Decidimos pernoitar, em uma pequena enseada, a um quilometro após a Comunidade de Itapuama. Estava ajudando o Cb Eng Mário Élder a colocar a “malhadeira” quando um cardume de jaraquis aproximou-se, agitando a superfície d’água, quatro deles emaranharam-se na rede antes mesmo de termos concluído sua colocação. Era muito bom variar o cardápio de enlatados com arroz ou enlatados e massa para uma caldeirada de peixes frescos.
- Falha Geológica
A simples observação da dilatada foz do Tapajós à jusante de Aveiro, a “curiosa” semelhança da ocorrência das Barreiras Vermelhas nas duas margens em um alinhamento longitudinal perfeito e a verificação de que o desenho destas margens se encaixam quase que perfeitamente me levaram a considerar a possibilidade da ocorrência de uma falha geológica na região. Considera-se falha geológica uma descontinuidade formada pela fratura das rochas superficiais da Terra (algumas dezenas de quilômetros) pela ação das forças tectônicas.
Como leigo no assunto resolvi consultar minha querida e muito especial ex-aluna do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) Raquel Gewehr de Mello estudante de Geologia da UFRGS e Bolsista de Iniciação Cientifica (PIBIC/CNPq). Disse a ela que a maior parte das formações era de arenito e a minha amada bruxinha foi taxativa:
São arenitos do final do cretáceo, com estratificação cruzada, pelitos e conglomerados. Faziam parte de um sistema lacustrino deltáico com influência marinha e algumas bordas possuem cobertura laterítica e depósitos aluviais recentes.
A Raquel enviou-me mapas e estudos que confirmaram minhas expectativas. Em um deles, intitulado “Neotectônica da Região Amazônica: Aspectos Tectônicos, Geomorfológicos e Deposicionais” de João Batista Sena Costa e outros os autores fazem a seguinte consideração:
Oeste do Pará
Na região Oeste do Pará as estruturas compõem dois conjuntos principais atribuídos ao Terciário Superior e ao Quaternário (J.B.S. Costa et al. 1994, 1995). (...)
b) O segmento distensivo NNE-SSW tem extensão em torno de 200 km, é marcado por falhas normais que controlam o baixo curso do Rio Tapajós, e seu desenvolvimento deve ter relação com reativação das falhas normais do Mesozóico.
- Partida de Itapuama
Partimos mais cedo e fizemos a segunda parada na Ponta Macau. A fotografia aérea do Google Earth mostrava que tínhamos uma ilha à nossa frente e decidi navegar pela parte interna, entre ela e a terra firme, para fugir dos fortes ventos de NE que travavam nosso deslocamento. Ledo engano fomos forçados a voltar. Ainda bem que o erro foi de apenas uns 3,5 km, o grande problema de remar a favor do vento, porém, é que se neutraliza, em parte, a sensação de frescor provocada por ele. Antes de consultar as datas dos mapas do Google Earth e da Carta Náutica da Marinha eu achava que a diferença entre a fotografia e o terreno tinha como justificativa o período em que a fotografia foi tirada. A imagem poderia ter sido obtida durante uma das grandes cheias do Rio Tapajós e agora nos encontrávamos em plena vazante.
O episódio do frustrado atalho fez-me “engarupar na anca da história” e voltar ao caso da superprodução de tartaruguinhas, em 2009, no Tabuleiro Monte Cristo administrado pelo IBAMA. A produção que sempre girava em torno de 500.000 animaizinhos pulou, em 2009, para mais de um milhão. Logicamente as mamães tartarugas, tracajás e pitius acompanharam atentamente os resultados catastróficos provocados pela cheia de 2009 e precavidas procuraram, no final do mesmo ano, um local mais propício para a desova. Os quelônios trocaram as praias em que normalmente desovavam pela segurança oferecida pelo Tabuleiro Monte Cristo, a única praia cuja cota garantia que ficaria fora do alcance das águas durante as grandes cheias na região.
Voltando ao nosso frustrado atalho. Depois de verificar que a fotografia, de baixa resolução do Google Earth, tirada em 31.12.1969, mostrava um acesso ao Rio que estava agora totalmente bloqueado inferi que aconteceu um assoreamento provocado pelos sedimentos carreados pelo Igarapé em consequência do desmatamento sem controle de suas margens. A Carta Náutica, de 30.12.1984, que mais tarde tive acesso, mostrava que na época em que foi confeccionada esta boca já não mais existia.
Continuando com a nossa jornada, acampamos em um enorme Banco de Areia na altura da Ponta Jaguarari onde depois aportou o simpático e festivo pessoal do Hospital Barco Avaré.
- Partida de Jaguarari
Como no dia anterior os ventos fortes e a canícula foram nossos maiores adversários. Procuramos contornar o problema realizando diversas paradas para refrescarmo-nos e hidratarmo-nos. Fizemos as duas últimas antes de Alter do Chão nas proximidades de duas belas Pousadas para poder degustar um bem-vindo refrigerante gelado bem mais barato do que o vendido na Praia de Alter.
Ao ultrapassamos o extenso Banco de Areia do Cururu ouvi um grito de “Selva” vindo da embarcação M. M. Vieira, ao que respondi imediatamente, e só então, ao olhar rapidamente para trás, identifiquei meu caro Amigo o TCel Eng Artur Clécio Aragão de Miranda à bordo. Mais tarde soube, por ele, que havia uma comitiva com diversos Generais à bordo conhecendo as belezas do Rio Tapajós. Dentre eles estava o Comandante Militar do Norte (CMN) – General-de-Exército Osvaldo de Jesus Ferreira – da minha turma de engenharia da AMAN. O Gen Ferreira foi o primeiro dos formandos de 1975 à acender ao mais alto posto da hierarquia militar. Teria sido interessante cumprimentar, na oportunidade, um camarada que não vemos há 38 anos. Aportamos na Praia da Moça às 15h40, dez horas depois de iniciarmos nossa exaustiva jornada.
- Praia da Moça (Ponta do Cururu)
Era visível a diferença da paisagem da região que observáramos quando por aqui passamos, no dia 10.10.2013, e a de hoje. As praias, que antes recém começavam a despontar, agora exibiam majestosamente suas imaculadas areias brancas. Uma das belas pedras da Praia ostenta uma pequena cruz que segundo o “Magnata” – guia turístico de Alter do Chão – foi onde o corpo de uma jovem foi encontrado após o naufrágio da embarcação que a transportava. Debaixo de uma das árvores, onde acampamos, sob a areia, encontram-se vestígios desta embarcação.
Fiquei encantado com as inúmeras formações rochosas confeccionadas pelas mãos do Grande Arquiteto do Universo. À primeira vista nos parece um caótico e desarranjado amontoado de grandes monólitos, mas, um olhar mais atento, faz-nos descartar esta possibilidade. Há uma estranha e magnífica harmonia por trás desta aparente desordem. Cada formação apresenta um desenho único, uma inclinação, uma composição geológica, uma posição na linda praia que mais parece um museu de arte.
- Ponta do Cururu – um Pedacinho do Céu Engastado no Tapajós
Travessos e atabalhoados Querubins provocaram a cisão de parte do Paraíso Celeste. Os atentos Arcanjos tentaram prontamente remediar o desastroso acontecimento procurando na terra um local onde o fragmento pudesse pousar suavemente e permanecer camuflado, oculto, despercebido pelo menos da grande maioria dos mortais.
Depois de vasculharem os ermos sem fim do Planeta Terra, encontraram um local apropriado na margem direita de um amazônico Rio cor de esmeralda, cuja paisagem compunha um cenário idílico compatível com aquela pequena fração do Éden.
Três belas enseadas foram então encravadas na ponta do Cururu, à NO de Alter do Chão, permanecendo ocultas aos olhos da maioria dos humanos que trafegam por aquela área, mais preocupados em desviar suas embarcações dos grandes bancos de areia ali existentes do que apreciar a paisagem ímpar daquelas plagas.
– Amigos Investidores
Nossa jornada tapajônica só foi possível graças ao apoio incondicional do Exército Brasileiro por intermédio do Departamento de Cultura e Ensino do Exército (DCEx), do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA), do 2º Grupamento de Engenharia (2º Gpt E), do 8º Batalhão de Engenharia de Construção (8º BEC) e do 53º Batalhão de Infantaria de Selva (53º BIS) além do necessário aporte financeiro patrocinado por 33 fiéis amigos investidores.
– Parceiros de Fé
Nossa jornada tornou-se mais fácil graças à colaboração sempre pronta de dois grandes amigos expedicionários – o Cabo Eng Mário Elder Guimarães Marinho responsável pela segurança, apoio logístico e imagens da Expedição e o Soldado Eng Marçal Washington Barbosa Santos, parceiro de remadas e nosso caro “mestre cuca”.
– Próxima Jornada
Ano que vem encerrarei minhas amazônicas expedições realizando a descida de Santarém a Belém pelo Amazonas com o apoio do 2º Gpt E e 8º BEC. Júbilo e tristeza são sentimentos que amalgamados não consigo, por mais que queira, dissociar. Foram jornadas de superação, improvisação, deslumbramento e muito aprendizado mas, também, de etapas não cumpridas como a Descida dos Rios Acre/Purus, AM, e do Rio Branco, RR.
As dificuldades encontradas na Descida do Rio Juruá estão gravadas indelevelmente em minha memória e não pretendo correr os mesmos riscos novamente, dependendo da boa vontade das autoridades de cada cidade para continuar nosso desiderato. A falta de apoio das autoridades municipais de Itaituba mostrou como isso pode ser comprometedor se nos encontrarmos nos ermos sem fim de um Rio Acre, Purus ou Branco.
– Vídeos
01 - Santarém / Lago Maripá (10.10.2013)
02 - Lago Maripá / Igarapé Moratuba (11 a 12.10.2013)
http://www.youtube.com/watch?v=-FyZHOZKlAA
03 - Igarapé Moratuba / Praia do Escrivão (13 a 14.10.2013)
04 - Praia do Escrivão / Itaituba (15 a 17.10.2013)
05 - Itaituba / Aveiro (21 a 23.10.2013)
06 - Aveiro / Ponta do Cururu (24 a 26.10.2013)
07 - Ponta do Cururu / Santarém (27 a 28.10.2013)
– Livro do Autor
O livro “Desafiando o Rio-Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS. Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:
http://books.google.com.br/books?id=6UV4DpCy_VYC&printsec=frontcover#v=onepage&q&f=false
Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
Pesquisador do Departamento de Cultura e Ensino do Exército (DCEx);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS);
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional;
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com
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