Terça-feira, 23 de junho de 2020 - 09h08
Bagé,
23.06.2020
O Major Magalhães
Barata enviou ao Interventor do Amazonas o seguinte telegrama:
Dr. Waldemar Pedrosa
DD. Interventor
Interino Amazonas
Comunico Vossa Excelência
que fui cientificado ontem de um levante de soldados do 4° Grupo de Artilharia,
sediado em Óbidos neste Estado. O movimento, de que não participa nenhum
oficial, não tem grande importância, reduzindo-se a mero motim. Os soldados são
auxiliados por políticos decaídos e chefiados por um civil que se intitula
emissário do General Klinger. Apesar de terem sido presos pelos sediciosos,
todos os Oficiais e autoridades civis, o levante é sem finalidade objetiva e
assim não pode abalar a tranquilidade do espírito público, mesmo porque o 4°
GAC fora anteriormente desmuniciado e conta apenas com 70 homens, servindo o
gesto apenas para impressionar fora do Estado e, particularmente, no Sul do
País, fazendo-se crer na participação do Norte nas simpatias pela criminosa
sublevação de São Paulo. Imediatamente tomei necessárias providências e ontem
mesmo fiz seguir para ali o vapor “Tenente
Portella”, da flotilha do Estado, conduzindo uma força de desembarque de
300 homens devidamente armados e municiados e obtive do Governo Federal ordem
para que também o encouraçado “Floriano”
daqui seguisse esta madrugada, com aquele destino, tendo nele embarcado o
Capitão Tenente Rogério Coimbra, Interventor do Amazonas, ontem chegado do Sul.
Cordiais Saudações
[a] Major Magalhães Barata, Interventor Federal do Pará. (GUIMARÃES)
Continuando com Loureiro:
Temia-se a tomada,
pelos rebeldes, dos diversos navios navegando pelo Baixo Amazonas, entre os
quais se destacavam o “Ingá”, com
4.331 toneladas, e construído em 1900, incorporado ao Lloyd Brasileiro ([1])
[...]; o “Jaguaribe”, velho cargueiro
lançado na Inglaterra, em 1882, deslocando 1.120 toneladas e trazendo, para
Manaus, um carregamento de 42.000 sacos de sal e 100 barris de pólvoras e o
Andirá, de 235 toneladas, da Amazon River, terminado na Inglaterra em 1906.
No dia seguinte
soube-se, em Manaus, do destino desses navios: o “Ingá”, ancorado em Parintins, já retornava à capital; o “Baependy”, diante das notícias da tomada
daquela Cidade, voltara de Itacoatiara, estando estacionado no Porto da Manaus
Harbour, onde desembarcara seus passageiros e o contingente que levava para a
defesa de Parintins, e os navios Tejo e Sapucaia haviam voltado para Santarém.
Desconhecia-se o destino do “Jaguaribe”,
da Companhia de Comércio e Navegação, que zarpara de Santarém para Óbidos, a 17;
do Andirá, saído de Parintins, a 18 e a da lancha “Diana”, embora eles já estivessem nas mãos dos rebelados, desde o
dia anterior. (LOUREIRO)
Assim que tomou
conhecimento do motim em Óbidos, o Major Magalhães Barata decidiu ir
pessoalmente de avião até Óbidos, com o intuito de levar ele mesmo uma
intimação aos amotinados.
O Interventor aguardava
apenas a chegada do vapor “Tenente
Portella” e do encouraçado “Floriano”
a Santarém para partir de Belém. Barata, com esse propósito em vista, havia
mandado imprimir alguns folhetos para serem distribuídos aos cidadãos obidenses
com a seguinte proclamação, segundo Guimarães:
INTERVENTOR DIRIGE PROCLAMAÇÃO
AO POVO OBIDENSE
Obidenses! É vosso
amigo Major Magalhães Barata quem vos fala através deste Boletim, para vos
afirmar, antes de tudo, não crer na vossa solidariedade àqueles maus patrícios
que aí se amotinaram para saquear e depredar. Faço um apelo ao vosso coração e
a vossa consciência: tenho empenhado tudo quando posso para dar ao nosso Estado
paz e justiça, trabalhando com afinco e sem descanso no preparo do futuro pelo
seu desenvolvimento econômico, único meio de assegurar o vosso contínuo
bem-estar. Tenho fé que em breve colhereis o fruto do meu trabalho com a
abundância nos vossos lares. Por isso mesmo é que, testemunhas que sois do meu
esforço, estou certo negareis, inflexivelmente, o vosso apoio a esse movimento
impatriótico, infeliz e injustificável. Organizai o contramovimento; expulsai
da Cidade aqueles que roubaram a vossa tranquilidade! Avante, obidenses!
Todo aquele que vestir
a farda do glorioso Exército Brasileiro, que se retire de Óbidos e venha para
Santarém. Todo aquele que não tiver uma arma para expulsar daí os que estão
fazendo mal a todos, que fuja e venha a Santarém se armar. Aos nobres companheiros
de farda que tiverem permanecido fiéis ao meu Governo e ao Governo Provisório,
eu os concito à reação contra os Perrepistas ([2]) de
Óbidos, em nome do nosso querido Brasil, em nome do Norte glorioso.
Aos que
impatrioticamente se amotinaram, aconselho que se rendam, depondo as armas. Se
o fizerem, a todos garantirei a vida; se, entretanto, teimarem na loucura da
luta fratricida, declaro que tratarei com o merecido rigor.
Viva o Brasil! Viva o
Pará!
[a] Major Magalhães
Barata – Interventor Federal do Pará. (GUIMARÃES)
LOUREIRO: Ainda no dia
20, às dezessete horas, o “Baependy”
foi destacado para levar reforços a Itacoatiara, constituídos por 100 homens do
27° BC, sob o comando do 1° Tenente Álvaro Francisco de Souza, onde seria
organizado um ponto de resistência. No dia seguinte, domingo, 21 de agosto,
embarcavam, no navio “Curuçá”, os
reforços destinados a Parintins, 50 guardas civis e 30 praças da Comissão de
Limites, sob as ordens do Capitão Jônatas de Moraes Correia, estando o barco
sob o comando do Capitão Tenente Antônio Pojucan Cavalcante.
Em Manaus houvera uma
tentativa de rebelião do 27° BC, estando presos nesta unidade, por sublevação,
os Sargentos João Neves, Sandoval Amorim, Geminauá Medeiros e Nilo Barroso. Com
a volta do “Ingá”, ainda no dia 21,
procedente de Parintins, onde a tripulação recebera proposta para aderir ao
movimento, confirmou-se a tomada e o saque daquela Cidade, por uma tropa de 16
homens, às ordens do civil Arquimedes Lalor, comissionado no posto de Capitão.
Os invasores haviam
chegado pela lancha “Diana”, cujos
tripulantes, no momento do desembarque, cortaram as amarras e, acelerando as
máquinas, debandaram para Itacoatiara.
Lalor era figura
conhecida em Manaus, após seu retorno dos Estados Unidos, onde fora comediante,
em Hollywood, conforme informações da época. Confirmado o seu ultimato inicial,
embarcados no “Andirá” e no “Jaguaribe”, os rebeldes saíram de
Óbidos, com destino a Manaus, no dia 21. O “Andirá”
era comandado pelo Zoroastro Seroa Maia, tendo a sua disposição 21 homens
armados com fuzis. O “Jaguaribe” fora
artilhado com quatro canhões de 75 mm da Fortaleza de Óbidos. No caminho,
embarcaram lenha no Porto Desaperta, onde recrutaram alguns caboclos, que
estavam pescando nas margens.
O “Jaguaribe” ficou estacionado nas Ciganas, enquanto o “Andirá”, com as lanchas Remus e Santa
Cruz, iam a Parintins recolher o 2° Tenente Sotero José Pereira, Arquimedes
Lalor e os demais rebeldes ali isolados pela fuga da lancha “Diana”, onde recrutaram mais 6 homens. A
seguir, os três barcos juntaram-se ao “Jaguaribe”,
escalando ([3])
na fazenda S. Agostinho, onde requisitaram dois bois e deixaram o imediato do “Jaguaribe”, com sua esposa.
Mais tarde, fundearam
nas Ilhas Rasas, de onde o “Andirá”
foi ao Porto São Raimundo, ali recebendo lenha até o dia 24.08.1932. Enquanto a
frota rebelde se deslocava, no dia 22 de agosto retornavam a Manaus os navios “Baependy”, que deixara tropas em Itacoatiara
e o “Rio Curuçá”, com o reforço
destinado a Parintins, já ocupada.
Com a notícia de que os
amotinados já estavam a caminho de Manaus, formou-se, nesta Cidade, uma
flotilha para enfrentá-los, que saiu do Porto no dia 22 de agosto, ao meio-dia,
sob o comando do Capitão-de-Fragata Alberto de Lemos Bastos, composta pelos
navios “Baependy”, do
Capitão-de-Corveta Alfredo Miranda Rodrigues; “Ingá”, do Capitão-Tenente Jorge Ferreira Ladim; “Rio Curuçá”, do Capitão-Tenente Antônio
Pojucan Cavalcante e pelas embarcações auxiliares “Rio Jamari”, “Rio Aripiuanã”
e “Isis”. A bordo delas estavam 230
homens do 27° BC. O “Ingá” dispunha
de 122 soldados, além de metralhadoras pesadas, sob as ordens do 2° Tenente
Ananias Celestino de Almeida Júnior. Em Manaus, as defesas de terra estavam
sendo organizadas pelo Major Luís Tavares Guerreiro, Comandante do 27° BC. No
dia 24 de agosto, às 6 horas da manhã, navega pela praia da Ilha de Serpa a
flotilha rebelde, quando avistou o “Baependy”
e o “Rio Jamarí”, que vinham descendo
de Itacoatiara. (LOUREIRO)
Ildefonso Guimarães faz
uma fantástica narrativa da Batalha Naval de Itacoatiara contada pelos dois
lados – das Tropas Legalistas feita pelo chefe da 1ª peça da Companhia das
metralhadoras do navio “Ingá” e por
um soldado raso das fileiras dos Revoltosos de Óbidos. Ildefonso Guimarães
surpreende e encanta os leitores na forma de apresentar os eventos históricos.
Seus contos são carregados de muita energia, o comportamento e as emoções
humanas permeiam entre acontecimentos políticos e socioeconômicos.
Bibliografia:
GUIMARÃES, Ildefonso. Os Dias Recurvos: Anatomia de uma Rebelião – Brasil – Belém, PA –
Secretaria de Estado de Cultura, Desportos e Turismo, 1984.
LOUREIRO, Antônio. Tempos de Esperança – Brasil –
Manaus, AM – Gráfica Fenix, 1995.
Solicito Publicação
Hiram Reis e Silva é
Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante,
Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
· Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
· Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS);
· Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO);
· Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS);
· Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG);
· Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN);
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Lloyd Brasileiro: A Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro maior
e mais tradicional armadora brasileira foi fundada, em 19.02.1890, no Governo
do Marechal Hermes da Fonseca. Na segunda década do século XX, a Companhia já
era a maior do País, dispunha de excelentes navios de passageiros e de cargas
atuando em linhas para o Prata, para a América do Norte e Europa.
[2] Perrepistas: Partido Republicano Paulista – PRP.
[3] Escalando: fazendo escala.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H