Segunda-feira, 29 de junho de 2020 - 08h46
Bagé, 29.06.2020
Segue Ildefonso Guimarães:
Tropas Legalistas
Bem,
depois que o “Andirá” foi afundado e
eliminados os últimos focos de resistência que vinham dos dois escaleres,
cessaram os tiros. A luta terminara.
– Aí, eu recebi ordem de
guarnecer um dos botes com o meu pessoal e fazer uma batida nas redondezas para
recolher sobreviventes e capturar fugitivos.
De
bordo do “Baependy”, também saíram
baleeiras para apanhar os remanescentes do “Andirá”.
Então, nós descemos, eu e a minha tropa, e fomos por ali a fora, remando em
círculos, procurando, observando, mas nada achamos na nossa área. Até que
chegamos perto da margem e demos com uma das lanchas que acompanhavam os
rebeldes.
Estava
encalhada sobre o tijuco, no meio de um balseiro de canarana e já sem o pessoal
de bordo, que tinha caído fora. A bordo, só restava o foguista, e a caldeira já
estava sem pressão. Segurei o camarada – um preto cego de um olho – mas ele foi
logo dizendo que era civil e estava ali porque era foguista da embarcação, mas
que durante os acontecimentos apenas cumprira ordens.
Dos
demais, só sabia que tinham se jogado n’água e ganhado a beira no rumo da mata,
mal o papouco entre os navios tinha começado; ele ficara a bordo porque sofria
de estupor e tinha medo de ter o ataque quando caísse n’água.
Deixamos
o pobre-diabo e demos uma volta pra ver se havia mais alguém escondido por ali
e foi então que avistamos, já do outro lado do balseiro, a ponta duma valise
aparecendo no meio da canarana. Chegamos mais perto e escutamos uns gemidos que
vinham de dentro do capinzal.
Com a
pá da faia, um dos meus homens baixou o capim e vimos um senhor gordo, bastante
exausto e que mal podia falar quando nós, afinal, conseguimos recolhê-lo para o
escaler.
Depois,
já mais confortado, ele nos informou que era náufrago do “Jaguaribe”, onde viajava como representante comercial da firma
armadora do navio. Salvou-se, disse ele, por verdadeiro milagre. Contou que se
fechara no camarote durante o combate para não assistir àquela luta sem glórias
que ele tinha feito tudo para evitar, procurando convencer os chefes revoltosos
a desistirem daquela loucura; mas, disse ele, ninguém lhe deu ouvidos.
Quando
escutou o tremendo choque causado pelo abalroamento, percebeu que o “Jaguaribe” ia afundar e tratou de sair
do camarote e atirar-se à água, invocando a proteção de Deus e de Nossa Senhora
do Carmo, de quem disse ser devoto, tanto que trazia no pescoço um escapulário
da santa todo ensopado.
Aí, ele
falou que sentiu uma energia sobre-humana para enfrentar a morte, o que lhe
valeu para nadar em direção à margem sem perder os sentidos. A valise, trouxera
consigo quando caiu n’água – sempre previra o pior desde que aquela gente tinha
tomado conta do navio – e foi o que o ajudou a flutuar até alcançar o balseiro,
pois, além do seu salva-vidas, tinha colocado dentro dela um outro, desde que
saíram de Óbidos.
Já no
balseiro, livre de morrer afogado, seu tormento, porém, duplicou, devido às
formigas-de-fogo que o perseguiram todo tempo, enquanto rezava para que alguém
o encontrasse. Levei o náufrago para bordo do “Ingá”, onde foi logo atendido pelo médico, pois seu estado de saúde
não era dos melhores, por causa das ferroadas que levara.
Voltamos
ao escaler e continuamos percorrendo a margem à procura de fugitivos. Um pouco
abaixo, encontramos uma barraca em que morava um casal de velhos e ali pegamos
escondidos cinco Soldados rebeldes que aprisionamos. Por eles, fomos informados
de que os dois chefes civis da revolta, Aristides Lavor e Heráclito Borges, e
mais o Sargento Silvério Rocha [comissionado Capitão], estavam mais adiante,
escondidos num porto de lenha.
Fomos à
procura deles e conseguimos prendê-los juntos com alguns Soldados e conduzimos
todos para bordo do “Ingá”, de onde
depois foram transferidos para o “Baependy”
com o resto dos prisioneiros.
A
propósito desse Sargento Silvério Rocha, eu soube, muito tempo depois, que ele
conseguiu escapar de bordo do navio “Paconé”
[que conduzia os prisioneiros para Belém], atirando-se à água por uma das
vigias da 3ª classe.
Foi uma
fuga meio misteriosa, tendo corrido boato de que alguém da escolta facilitou as
coisas. Mas isso, afinal, nunca foi apurado e assim, dos cabeças do levante de
Óbidos, ele foi o único que escapou à prisão. Os prisioneiros recolhidos pelas
patrulhas do “Ingá” que saíram nos
escaleres [inclusive a nossa] não chegavam a trinta e foram alojados na proa do
navio antes de irem para o “Baependy”.
Dos
rebeldes que conseguiram fugir, alcançando a margem e se embrenhando na mata,
esses foram poucos.
A
maioria morreu: uns afogados, outros levados para o fundo nas carcaças dos
navios piqueados; mas a maior parte foi mesmo liquidada pelas balas. Dos
nossos, morreu apenas um marinheiro, que enterramos no dia seguinte, em
Itacoatiara. Do “Baependy”, ao que eu
soube, morreram três; de forma que as nossas baixas foram – se assim se pode
dizer – insignificantes, diante da enorme perda de vidas do lado dos revoltosos,
sacrificadas praticamente por nada. Hoje, quando recordo aquele combate,
confesso que até me constrange a condição de “vencedor”, diante do sangue de tantos inocentes, derramado, afinal,
por um efeito sem causa. (GUIMARÃES)
A “Folha do Norte” noticiou em letras garrafais o fim da revolta de
Óbidos e a deletéria ação dos sediciosos que, percebendo a aproximação das
forças legalistas, agiram com violência contra a pacata população local,
saquearam o comércio e fugiram covardemente.
Os rebeldes deram demonstração
explícita, desde o início da insurreição, de que estavam menos preocupados com
os propósitos ou ideais revolucionários e mais interessados se beneficiar
pessoalmente com o conflito.
A história viria a se
repetir, pouco tempo depois, na Intentona Comunista de 35, quando poltrões
amotinados, travestidos de amigos até a véspera do conflito, feriram e mataram
covardemente seus companheiros que ainda dormiam.
Pompa
na Mídia!!!
Folha do Norte
Belém, PA, Quarta-feira,
24.08.1932
Notícia da Fuga de Pompa
Do Prefeito de Santarém
o Interventor do Pará recebeu a seguinte comunicação:
Acabo de receber de
Óbidos, enviado pelo viajante Jayme Carvalho, que era prisioneiro dos
revoltosos, o seguinte telegrama: “Revolta
dominada. O chefe dos bandoleiros fugiu saqueando antes o comércio”.
Cordiais saudações.
[a] Ildefonso Almeida,
Prefeito Santarém.
Folha do Norte
Belém, PA, Quinta-feira,
25.08.1932
Abel Chermont Comunica a Barata as Primeiras
Providências Tomadas
O “Aquiry” acaba de chegar aqui com as forças paraenses. O Tenente
Emanuel Moraes prosseguiu viagem bordo “Floriano”.
Ciente da autorização de auxílio à pobreza, lançarei proclamação seu nome hoje
à tarde em comício público. Aqui não houve revolução. Houve assalto, roubo,
banditismo. O prejuízo no comércio e particulares é enorme em virtude dos
assaltos que sofreram.
Nomeei o Tenente
reformado Arthur Clemente dos Santos para o cargo de Delegado de Polícia, com
jurisdição em todo o Município, tendo o mesmo seguido Oriximiná em perseguição
Pompa. O procedimento de todos os oficiais do Exército foi absolutamente
correto, com exceção do Tenente Cunha que aderiu ao levante. Há aqui falta de
gêneros de toda a espécie.
Folha do Norte
Belém, PA, Sexta-feira,
26.08.1932
Do Comandante do 4°
GACos o Major Barata recebeu o seguinte despacho:
Depois monstruoso saque
praticado aqui com conivência dos Sargentos e Cabos desta Guarnição conseguiu,
após fuga dos mesmos, mandar abrir o xadrez onde nos achávamos e tomar providências
para normalizar situação.
Esta Unidade continua,
assim, desde ontem às 20 horas, aguardando “Floriano”,
como já foi avisado.
[a] Arruda da Silva, 1°
Tenente Comandante Interino 4° GACos.
Folha do Norte
Belém, PA, Sexta-feira, 26.08.1932
Notícia do Abandono da Cidade
de Óbidos Pelos Revoltosos
Pelas 12 horas de
ontem, a Folha recebeu e estampou em “placard”
o seguinte telegrama, cuja cópia nos foi enviada pelo Major Magalhães Barata,
Interventor federal:
Os revoltosos, à
notícia da aproximação das nossas forças, saquearam com violência a Cidade e
fugiram desabaladamente. A oficialidade do 4° Grupo que estava presa arrombou
os cárceres está agora dominando a Cidade que se acha em plena calma. As nossas
forças quando chegarem a esta Cidade irão em perseguição aos fugitivos.
Folha do Norte
Belém, PA, Sábado,
28.08.1932
Notícia da Prisão de Pompa
O Comandante do 4°
GACos dirigiu ao Major Magalhães Barata o seguinte telegrama:
Acaba de regressar a
escolta chefiada pelo Tenente Clemente, vinda do Trombetas, conduzindo presos o
Coronel Pompa e Sargentos Almir, Sarraf, e Marialva, revoltosos deste Grupo. Ao
Comandante da Região solicitei destino para eles. Cordiais saudações. José
Arruda da Silva, Comandante Interino do 4°GACos.
Correio da Manhã, n° 11.573
Rio de Janeiro, RJ –
Quarta-feira, 31.08.1932
O Levante de Óbidos – Declarações
Feitas pelo Interventor Federal no Pará
Belém,
30 [Do correspondente] ‒ O Major Magalhães Barata, Interventor Federal neste
Estado, concedeu uma entrevista à “Folha
da Noite”, sobre o movimento verificado em Óbidos:
– A minha impressão ‒ disse o Major Barata ‒ é a
mais desoladora possível, embora não me causasse surpresa, ante o que vai
acontecendo no Sul.
– O tal coronel Pompa, depois que arrancou, ao
comércio e aos particulares, dinheiro, bastante, abandonou os pobres soldados,
fugindo miseravelmente, antes de mostrarem quanto foram imbecis o oficial do
quarto e os civis que nele acreditaram, empurrando os navios, até o resultado
do “Itaquatiá”.
Nós, os revolucionários de 1922 e 1924, nunca
procedemos assim.
Solicitado
a fazer um confronto entre os revolucionários do Amazonas de então e os de
agora, o Major Magalhães Barata respondeu:
– Confrontando o proceder em 1924 dos
revolucionários do Amazonas com o desse aventureiro e ladrão, que surpreendeu
Óbidos, não há como desconhecer que fomos corretos, pois demoramos 21 dias em
Óbidos, e a cidade não foi perturbada.
A 26 de agosto vi-me tomado a entregar a cidade
a Menna Barreto Filho, com orgulho não menor que o da parte da população. Ao
comércio não ficamos devendo nem um tostão. Mal sucedidos, resolvemos
capitular. Mandamos pelo Tenente Euclydes Lins e Albuquerque devolver ao Banco
do Brasil, em Manaus, quinhentos e noventa e tantos contos de réis em papel que
sobraram da requisição de mil e duzentos que fizemos e mais os comprovantes das
despesas feitas.
Indagado
sobre o objetivo do atual movimento de Óbidos, retrucou:
– O roubo, mais de cem contos em dinheiro e outro
tanto em mercadorias.
Assim
concluiu o Major Barata:
– Os torcedores do tal Pompa devem estar de cara
à banda, com o sucesso do mesmo Pompa.
Quem vai Presidir o
Inquérito Policial Militar
Belém,
30 [Do correspondente] – O comando da Região Militar neste Estado nomeou o
Capitão Alberto da Silva Pereira, para presidir o inquérito em torno do movimento
fracassado de Óbidos.
Para
secretário foi designado o 1° Tenente José Manoel Coelho. Estes dois oficiais
seguirão para Óbidos, no próximo domingo, a bordo do “Victoria”. (CDM, n° 11.753)
Bibliografia:
CDM, N° 11.753. O
Levante de Óbidos ‒ Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Correio da Manhã, n°
11.573, 31.08.1932.
GUIMARÃES, Ildefonso. Os Dias Recurvos: Anatomia de uma Rebelião – Brasil – Belém, PA –
Secretaria de Estado de Cultura, Desportos e Turismo, 1984.
Solicito Publicação
Hiram Reis e Silva é
Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador,
Escritor e Colunista;
· Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
· Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
· Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS);
· Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO);
· Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS);
· Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG);
· Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN);
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H