Quinta-feira, 11 de junho de 2020 - 11h22
Bagé, 11.06.2020
Em 1839, o Major
Antônio Ladislau Monteiro Baena, no seu Ensaio Corográfico Sobre a Província do
Pará, faz um pequeno relato sobre a preparação do curare:
O
veneno vegetal, de que se servem para peçonhentar as ponta das flechas dos
Murucuas e dos Curabis, é extraído de um cipó chamado “uirari”, grosso, escabroso e guarnecido de folhas parecidas com as
da maniva. A sua manipulação consiste em mascotar a casca, borrifá-la com água
fria, destilá-la e fervê-la ao lume até ficar o sumo espessado em ponto de
linimento.
Para
aumentar a energia do tóxico, adicionam-lhe sucos espremidos de outros cipós e
vegetais que sejam de natureza venenosos. (BAENA, 2004)
Marcelo Coutinho Vargas
(Professor adjunto do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Ciências
Sociais da UFSCar) e Marcelo Fetz de Almeida (Mestrando do PPGCSo/UFSCar)
escreveram um interessante artigo a respeito do “curare” denominado “Biodiversidade,
Conhecimento Tradicional e Direitos de Propriedade Intelectual no Brasil: por
uma abordagem transcultural compartilhada”.
O artigo, reproduzido
abaixo, deixa claro que a ingestão oral do curare não gera efeitos nocivos
embora alguns pesquisadores defendam que pode ocorrer intoxicação quando se
ingere quantidades muito grandes e que a paralisia é sua principal
manifestação:
A presa
envenenada por curare tem sua morte causada por asfixia, uma vez que este
provoca o relaxamento e a paralisia dos músculos esqueléticos associados à
respiração. Contudo, o veneno somente funciona se inoculado diretamente no sangue, não
gerando efeitos nocivos ao ser ingerido por via oral.
Durante
o envenenamento por curare, conforme observado por Benjamin Brodie, em 1811, o
coração da presa continua a bater, mesmo quando a respiração cessa, o que
significa que a função cardíaca não é bloqueada pelo curare. O horror do
envenenamento por curare estaria no fato de a vítima permanecer consciente,
sentindo a paralisia tomar-lhe conta progressivamente de todo o corpo.
Os
principais elementos químicos do curare são alcaloides que afetam a
transmissão neuromuscular. Entre estes alcalóides, o mais comum é a curarina e
a tubocurarina. Isolada em 1897, sua forma cristalina só foi obtida a partir de
1935, passando a ser comercializada com os nomes de Tubarine, Metubine Iodine,
Tubadil, Mecostrin, Atracurium e Vecuronium, indicados como relaxante
muscular. Sua utilização como anestésico teria início apenas em 1943, quatro
anos depois que o princípio ativo da d-tubocurarine foi isolado. As drogas
derivadas desta substância são utilizadas como um poderoso relaxante de
músculos esqueléticos durante cirurgias “de
peito aberto”, especialmente as cardíacas, para controlar possíveis convulsões.
(VARGAS & ALMEIDA)
Nimuendaju afirmou
categoricamente que o veneno usado nas flechas dos Tapajós não era o curare,
pois os efeitos registrados eram muito diversos dos provocados por ele.
O Padre Bettendorf
confirmava esta teoria informando que os Tapajó adicionavam veneno aos alimentos para eliminar pessoas
indesejáveis.
Como já citamos
anteriormente, a ingestão oral de curare não gera nenhum efeito nocivo, qual
seria, portanto, o veneno usado pelos temidos Tapajó?
LIVRO IV
Levantamento do povo do Maranhão e Pará contra os
padres da Companhia de Jesus, enquanto se instituiu a missão do Rio das
Amazonas com missionários e residência em os Tapajó
CAPÍTULO III
Breve relação do que obrei pelos Tapajó, antes do
levantamento do Pará chegar até lá
Os
vassalos do Principal foram se casando à imitação do exemplo que lhes dera; um
só Sargento-Mor havia por nome Tuxiapó, o qual estando amancebado com uma
gentia, a não queria largar e ia ameaçando feramente a quem se atrevesse de lha
querer tirar.
João
Corrêa, ainda que esforçado português, tinha medo dele, e já não queria comer
as pacovas ([1])
que vinham de sua casa pelo medo que tinha de
ser morto com peçonha, muito usada entre os
Tapajó; zombei disso, e vindo me falar nisso lhe disse que se não queria
comer as pacovas as mandasse a mim e a meu rapaz: e fiz tanto com o
Sargento-Mor que finalmente tocado de uma especial graça do Senhor se rendeu
ao que se lhe pedia.
Com
isso instruí a manceba em os artigos de nossa Santa Fé e batizei-a, dando-lhe
por nome Luzia o finalmente a casei com o dito Sargento-Mor ([2])
Tuxiapó. (BETTENDORF)
Garcia Soria, da equipe
de Orellana, morreu quase um dia depois de ser atingido por uma flecha Tapajó. Este
veneno, utilizado por diversas tribos amazônicas, advinha da secreção de
pequenas rãs venenosas. Algumas delas, com o passar do tempo e privadas de seus
alimentos altamente tóxicos perdem, pouco a pouco, sua letalidade e isto
justificaria a longa agonia de Garcia de Soria.
A preparação do curare,
por sua vez, obedecia a um processo secular, rígido e uniforme perfeitamente
dominado pelos Pajés e de eficácia comprovada quando em contato com o sangue.
No
final das contas, escapamos quase sem problemas, ainda que tenha sido morto
outro companheiro nosso chamado Garcia de Soria, natural de Logronho. Na
verdade não lhe entrou a flecha meio dedo, mas como estava já com peçonha, não
suportou nem vinte e quatro horas e rendeu a alma a Nosso senhor. (CARVAJAL)
Muiraquitãs
Desde a colonização,
foram encontrados objetos manufaturados com pedras verdes no Norte do Brasil.
Estes pequenos pingentes imitando, na sua maioria, batráquios fascinaram os
pesquisadores nacionais e estrangeiros.
Osvaldo
Orico (1937)
É uma
das crendices mais interessantes da planície este pequeno amuleto de jade, que
Barbosa Rodrigues celebrou em uma de suas obras, com um pouco de fantasia,
talvez, mas com edificante e curiosa contribuição. Em torno do maravilhoso
artefato que a paciência de naturalistas ilustres andou catando pelo Baixo
Amazonas e localizou nas praias de Óbidos e na embocadura do Nhamundá e
Tapajós, correm as lendas mais desencontradas e as revelações mais
contraditórias. De todas elas, porém, a que mais caracteriza a pedra verde da
Amazônia é a que apresenta como lembrança das Icamiabas, mulheres sem marido,
aos homens que lhes fazia uma visita anual.
A
tradição adornou esse ato de galas e de festas, vestiu essa visitação de
romantismo e de enlevo. Graças a isso, convencionou-se que as tribos de
mulheres, nas noites de luar, colhiam no fundo do Lago as pedras ainda
umedecidas e moles, lavrando-as sob diversas formas e dando-lhe feitios de
batráquios, serpentes, quelônios, bicos, chifres, focinhos, conforme nos
apresentam os estudos de Ladislau Neto e Barbosa Rodrigues. Tempo houve em que
era fácil o comércio desse amuleto. As pedras foram, porém, escasseando,
constituindo hoje uma raridade tanto mais desejada, quanto se lhes atribui a
virtude de favorecer ao seu possuidor a aquisição de coisas imponderáveis como
a felicidade, o bem-estar, o amor e outras prendas furtivas. Ainda hoje, para
muitos, o Muiraquitã é uma pedra sagrada – escreve Barbosa Rodrigues, – tanto
que o indivíduo que o traz no pescoço, entrando em casa de algum tapuio, se
disser: “muyrakitan katu”, é logo
muito bem recebido, respeitado e consegue tudo o que quer. (ORICO)
Charles-Marie
de La Condamine (1743)
É entre
os Tapajó que se acham hoje, mais facilmente, dessas pedras verdes, conhecidas
pelo nome de pedras das Amazonas, cuja origem se ignora, e que foram tão
procuradas outrora, por causa da virtude que se lhes atribuía para curar a “pedra” a cólica nefrítica e a epilepsia.
Houve um tratado impresso sob a denominação de Pedra Divina.
A
verdade é que elas não diferem, nem na cor nem na dureza, do jade Oriental:
resistem à lima, e ninguém imagina por qual artifício os antigos americanos a
talhavam, e lhes davam diversas configurações de animais. Foi, sem dúvida, o
que deu lugar a uma fábula digna de refutar-se.
Acreditou-se
muito a sério que tal pedra não era mais que o limo do Rio, ao qual se dava a
forma requerida, petrificando-o quando era tirado ainda fresco, e que adquiria
ao ar esta dureza extrema. Quando se concordasse gratuitamente com semelhante
maravilha, de que alguns crédulos não se desenganaram senão depois de ter
experimentado inutilmente um processo tão simples, restaria outro problema da
mesma espécie a propor aos lapidários.
São as
esmeraldas arredondadas, polidas e furadas por dois buracos cônicos,
diametralmente opostos num eixo comum, tais como ainda hoje se encontram no
Peru, nas margens do Rio de Santiago, na Província das Esmeraldas, a quarenta
léguas de Quito, com diversos outros monumentos da indústria de seus antigos
habitantes. Quanto às pedras verdes, elas se tornam cada vez mais raras, já
porque os Índios, que lhes dão grande importância, delas se não desfazem de boa
vontade, já porque grande número delas foi enviado à Europa. (CONDAMINE)
Os Muiraquitãs foram
encontrados nas Bacias dos Rios Tapajós, Trombetas e Nhamundá, mas a maior
parte foi encontrada na Bacia do Rio Tapajós onde habitavam os Tapajó. A
maioria dos artefatos representava pequenos batráquios o que nos leva a
acreditar que os Tapajó ou outros povos antes deles estavam homenageando o
animal que garantia sua supremacia guerreira, a rã venenosa.
A secreção era usada
nas pontas das flechas e lanças e, provavelmente, como ainda hoje o fazem
algumas etnias em rituais místicos e de cura. A espécie responsável pela
hegemonia bélica dos Tapajó jamais será descoberta. Novas espécies são
descobertas e catalogadas enquanto outras são levadas à extinção por diversos
fatores.
Vacina
do Sapo – Aplicação Medicinal
A aplicação das
secreções produzidas pela Phyllomedusa bicolor (rã Kambo) é conhecida
popularmente como Vacina do Sapo. O paciente é queimado com um cipó nos braços
ou nas pernas, sobre estes pontos se aplica o veneno que desta maneira atinge a
corrente sanguínea. Os indígenas acham que a “vacina” possa acabar com a má sorte na caça ou na pesca e afastar
os espíritos que causam doenças. As substâncias contidas na secreção da rã
Kambo não são venenosas, causando, porém, diarreia, vômitos e taquicardia. A
vacina fazia parte do conhecimento ancestral dos katukinas, do Acre. O
seringueiro Francisco Gomes Muniz que convivera muito tempo com os katukinas
aprendeu a aplicar a vacina e a identificar a rã.
Ao regressar para a
Cidade, na década de sessenta (1960-1969), foi o precursor da aplicação da
vacina entre os não-Índios. Desde então o “remédio”
ganhou os centros urbanos do país.
Terribilis
Phyllobates
Nem sempre estas
secreções são inócuas ou benéficas como é o caso da mais mortífera de todas as
rãs. A rã-flecha amarela ou rã amarela venenosa (Terribilis Phyllobates) é
endêmica da costa do Pacífico da Colômbia e é considerada como um dos animais
mais venenosos do planeta. O veneno da rã-flecha, batraquiotoxinas, bloqueia a
transmissão dos impulsos nervosos podendo levar à insuficiência cardíaca ou
fibrilação. O veneno, alojado em glândulas sob a pele dessa rã, pode ser
armazenado durante anos, mesmo que ela seja privada do alimento que seja fonte
dessas toxinas. Alguns pesquisadores acham que a criatura que transmite os
alcaloides assassinos para a rã é um besouro da família Melyridae.
Os indígenas Emberá
Choco, da Colômbia, usam seu veneno nas flechas para caçar. Os Emberá prendem a
rã pelas patas e aproximam, cuidadosamente, uma fonte de calor até que ela
exale seu líquido venenoso. As pontas das flechas embebidas no líquido mantêm o
seu efeito mortífero por mais de dois anos.
Bibliografia:
BAENA, Antônio Ladislau
Monteiro. Ensaio Chorographico do Pará
(1839) – Brasil – Brasília – Editora do Senado Federal, 2004.
BETTENDORF, Padre
João Filipe. Crônica dos Padres da
Companhia de Jesus no Estado do Maranhão – Brasil – Brasília – Edições do
Senado Federal, 2010.
CARVAJAL, Gaspar de.
Relatório do Novo Descobrimento do
Famoso Rio Grande Descoberto pelo Capitão Francisco de Orellana – Brasil –
São Paulo – Consejería de Educación – Embajada de España – Editorial Scritta,
1992.
CONDAMINE,
Charles-Marie de La. Viagem na América
Meridional Descendo o Rio das Amazonas – Brasil – Brasília – Editora do
Senado Federal, 2000.
ORICO, Osvaldo. Vocabulário de Crendices Amazônicas – Brasil
– Rio de Janeiro – Companhia Editora Nacional, 1937.
VARGAS & ALMEIDA
- Marcelo Coutinho Vargas & Marcelo Fetz de Almeida. Biodiversidade, Conhecimento Tradicional e Direitos de Propriedade
Intelectual no Brasil: Por uma Abordagem Transcultural Compartilhada –
Brasil – Revista de Ciência Política (digital), 2006.
Solicito
Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS);
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO);
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS);
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG);
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN);
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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