Segunda-feira, 8 de junho de 2020 - 11h16
Bagé,
08.06.2020
Cachimbos
Os cachimbos apresentam
diferenças fundamentais em relação à Cerâmica Santarém no que se refere à
forma, à confecção e aos motivos ornamentais. O aspecto mais curioso é que se trata
de cachimbos angulares.
Não há registros
etnográficos, até o ano de 1700, sobre o uso do tabaco pelos habitantes da
Bacia do Rio Amazonas, além disso, os cachimbos dos Índios da América do Sul
são, na sua maioria, de forma tubular.
Estes cachimbos
angulares foram, sem dúvida, introduzidos pelos europeus. Frederico Barata
argumenta que alguns desses cachimbos foram modelados pelos próprios jesuítas,
ou Índios sob sua orientação. Barata afirmou que “o barro empregado é muitas vezes o mesmo dos vasos típicos”.
Contrariando esta
afirmativa, a análise da Cerâmica de Santarém mostra que o antiplástico
utilizado era, predominantemente, o cauixi e o caco moído, ao passo que nos
cachimbos, grande parte não possuía nenhum aditivo ou, quando havia, era o
caripé.
A técnica utilizada na sua
confecção corrobora que a manufatura dos cachimbos é bem mais recente. Eles
eram manufaturados em duas partes iguais para depois serem unidas.
Como curiosidade, quase
metade dos cachimbos tubulares, do acervo do Museu Paraense Emilio Goeldi, tem
o formato do órgão sexual masculino. Os demais são antropomorfos ou zoomorfos.
Pesquisa
em curso
O
trabalho mais recente proposto para a área foi o de Roosevelt [1987]. Ela
começou discordando das teorias explicativas propostas para o desenvolvimento
cultural das terras baixas, que classificam a Amazônia como um ambiente de
floresta tropical chuvoso, pobre em recursos, uniforme sazonalmente, úmido e
de solo extremamente lixiviado, portanto não propício para o estabelecimento de
sociedades mais complexas. A descoberta de sociedades populosas e complexas,
nestas terras baixas, como é o caso de Santarém e Marajó, foi atribuída a
invasão e difusão de povos vindos dos Andes, local considerado como o “centro de inovação da América”.
Segundo
a autora, o problema com esta explicação do desenvolvimento cultural nas terras
baixas foi a caracterização imprecisa do meio-ambiente, que considerou a
Amazônia como uma floresta tropical chuvosa. Porém, a Amazônia não é uniforme e
possui em seu interior áreas com clima sazonal de savana, como é o caso de
Marajó e Santarém. Ela ressaltou que este também é o clima de algumas das mais
antigas e avançadas culturas nas terras baixas americanas, como os Maias e os
povos da região do Circumcaribe.
Roosevelt
descreveu a região de Santarém como situada na Boca do Rio Tapajós em ambiente
de savana e possuindo solo de terra firme junto à várzea.
Considerou-a
diferente das outras várzeas do Amazonas, porque conserva antigas superfícies
de terra que datam do Pleistoceno e até mais antigas. Para começar sua pesquisa
na área, Roosevelt estabeleceu uma sequência hipotética, baseada na análise
tipológica das coleções e comparações com sequências, também hipotéticas de
outras regiões.
Embora
faça a descrição, a autora não apresenta as características e tipos cerâmicos
considerados para sua elaboração. Roosevelt tentou:
usar esta sequência para seriar os componentes das
coleções dos levantamentos de superfície de Nimuendaju e Bezerra de Menezes
para construir estágios sequenciais de assentamentos na região, porém estas
coleções são principalmente de Cerâmica simples impossíveis de seriar sem dados
estratigráficos da escavação.
A
sequência hipotética constitui-se das seguintes fases:
‒ Santarém, Igarapé-Açu, Aldeia, Lago Grande,
Taperinha, Ayaya e Rhome.
Roosevelt
identificou a fase Santarém com a chefia ou cacicado dos Tapajó datando
do primeiro milênio A.C.. Seus numerosos sítios de terra preta, localizados nas
terras firmes, indicam uma enorme população multiétnica. A Cerâmica tem como
aditivo cauixi e possui uma decoração extremamente trabalhada com aplique,
incisão e pintura, sendo filiada ao horizonte-estilo Inciso Ponteado.
Suas
formas mais comuns são as garrafas, tigelas, pratos e efígies. Além dessas,
inclui cachimbos, apitos e alguns pequenos vasilhames perfurados, possivelmente
para tomar drogas.
A fase Igarapé-Açu
é datada relativamente em torno de A.D. 500-1000, filiada às tradições Borda
Incisa e Policroma e possui, como aditivo da Cerâmica, o cauxi.
Segundo
Roosevelt, da Cerâmica conhecem-se apenas amostras de superfície, cujos motivos
característicos são os grandes entalhes nas paredes dos vasilhames e nas bordas
flangeadas e entalhadas.
Roosevelt
relacionou a fase Aldeia, localizada em Santarém, com os horizontes estilo
Saladoíde-Barrancoíde do Orenoco e considerou-a mais antiga que a anterior.
Segundo sua descrição, a Cerâmica possui uma pasta avermelhada, com tempero de
cauixi ou caripé, pintura vermelha e branca, asas zoomorfas e entalhe
curvilíneo. Sua datação é estimada em cerca de 2100 A.C. a A.D. 500 no Orenoco.
A fase Lago
Grande que aparece no local de mesma denominação e em Santarém, é ainda
mais antiga. É caracterizada por uma Cerâmica de paredes espessas, temperada
com cascalho e cauixi. As formas dos vasilhames são hemisféricas de cor
vermelho-amarronzado, com decoração simples, incisa e ponteada.
A Cerâmica
da fase Taperinha é proveniente de um sambaqui na região de mesmo nome, localizado
aproximadamente a 40 km de Santarém. Roosevelt, baseada na hipótese de Hartt,
supôs que o sambaqui possa representar um período de transição entre as
ocupações pré-cerâmicas e as primeiras ocupações cerâmicas. Os vasilhames são
hemisféricos e não decorados, tendo a pasta temperada com cascalho e conchas.
Ainda
neste sambaqui, definiu a fase hipotética pré-Cerâmica Ayaya, com base
no material lítico toscamente lascado, como pontas, raspadores, quebra-coquinhos
e batedores.
E além
desta fase pré-Cerâmica, sugeriu a possibilidade de uma mais antiga no mesmo
local, chamada Rhome. O material característico desta seriam grandes
pontas finamente entalhadas, com base côncava ou pedúnculo, filiadas morfologiacamente
ao Protoarcaico.
Roosevelt
afirmou que se sua reconstituição hipotética do sambaqui de Taperinha estiver
correta, as três últimas fases descritas seriam os primeiros componentes
conhecidos das primeiras ocupações cerâmicas e do pré-cerâmico registrados nas
várzeas do Amazonas.
Com o
objetivo de testar sua sequência hipotética criada, a autora planejou
escavações em Santarém, Taperinha e Lago Grande.
O
projeto iniciou-se em 1987, realizando corte-testes em Taperinha e Aldeia. As
escavações em Taperinha revelaram um:
sambaqui bastante
extenso apresentando 6,5m de profundidade e diversos hectares de terra. Os
líticos lascados do sítio compõem-se de toscos artefatos de sílex local
laminados por percussão, incluindo ainda lascas utilizadas, raspadores, gumes,
cinzéis, machados, pedras de quebrar nozes, moedores, alisadores e utensílios
de ossos e chifres.
A Cerâmica
encontrada em Taperinha possui como aditivo areia. [...] Baseada em datações
radiocarbônicas de carvão, conchas e carbono proveniente da Cerâmica, a idade
deste sambaqui foi estabelecida entre 5000 e 4000 A. C..
Roosevelt
afirma que, embora a Cerâmica de Taperinha seja semelhante a algumas outras
cerâmicas antigas, é no mínimo 1.000 anos mais antiga de que a do Norte da
América do Sul e 3.000 anos mais antiga que a Cerâmica dos Andes e Mesoamérica.
Isso prova
portanto, que a Cerâmica de Taperinha não pode ser derivada delas, porém é
possível que as outras sejam derivadas da Cerâmica amazônica ou que tenham
origens independentes. As escavações em Santarém não produziram material
possível de ser datado. Porém com base nos estilos horizontes cerâmicos da
Amazônia, Roosevelt estabeleceu que:
em algum momento após
cerca de 3000 anos A.C., surgiu ao longo das várzeas dos Rios, em diversas
partes da Grande Amazônia, um modo de vida que parece ter sido bastante similar
àquele dos atuais Índios amazônicos.
Isto é,
eram:
culturas de Aldeias de
agricultores sedentários, embora estas culturas aparentem ter sido totalmente
agrícolas na Amazônia. Elas parecem representar o estabelecimento generalizado
nas terras baixas de horticultores de raízes.
Sua
subsistência, além do cultivo de raízes, incluía a caça e a pesca. Embora os
sítios da região Santarém e Lago Grande ainda não tenham produzido datações [o
primeiro provavelmente por falta de material adequado, uma vez que o sítio fica
no centro da Cidade de Santarém, e o segundo porque ainda não foi escavado], a
análise do material cerâmico com base nos estilos horizontes confirma a
sequência hipotética da autora.
Ao
contrário dos outros, Taperinha produziu datações inquestionáveis, provando
assim sua antiguidade como a estabelecida na sequência hipotética.
Os
resultados do projeto desenvolvido por Roosevelt vêm fornecendo importantes
contribuições para arqueologia amazônica, pois derrubou a suposição que o solo
amazônico não suportaria ser habitado por longos anos, estabelece o surgimento
da Cerâmica como mais antiga na Amazônia do que em outras regiões do Norte da
América do Sul e muda as teorias sobre a ocupação Pré-histórica da América.
(GUAPINDAIA)
Fases
Santarém
Temperada com “cauixi”, é ricamente elaborada e suas
formas mais comuns são as garrafas, tigelas, pratos, efígies, cachimbos, apitos
e pequenos vasilhames perfurados.
Temperada com “cauixi”, seus motivos característicos
são os grandes entalhes nas paredes dos vasilhames e nas bordas flangeadas e
entalhadas.
Aldeia
(2100 A.C.)
Temperada com “cauixi” ou “cariapé”, localizada em Santarém e considerada a mais antiga que a
anterior. A Cerâmica possui pintura vermelha e branca, asas zoomorfas e entalhe
curvilíneo.
Lago Grande
Temperada com “cascalho” e “cauixi”. Oriunda do Lago Grande e de Santarém, é ainda mais antiga.
Possui paredes espessas, os vasilhames são hemisféricos de cor vermelho-amarronzado
com decoração simples, incisa e ponteada.
Taperinha
(A.C. 5000-4000)
Temperada com “cascalho” e “conchas”. Proveniente de um sambaqui na região de Taperinha, a uns 40
km de Santarém. Vasilhames hemisféricos e sem decoração, embora semelhante a
algumas outras cerâmicas é, no mínimo, mil anos mais antiga do que a do Norte
da América do Sul e 3.000 anos mais velha que a Cerâmica dos Andes e
Mesoamérica.
Ayaya
No mesmo sambaqui de
Taperinha, definiu esta fase com base no material lítico toscamente lascado,
como pontas, raspadores, quebra-coquinhos e batedores.
Rhome
O material
característico desta seriam grandes pontas finamente entalhadas, com base
côncava ou pedúnculo filiadas morfologicamente ao Protoarcaico.
Bibliografia:
GUAPINDAIA,
Vera Lúcia Calandrini. Os Tapajó:
Arqueologia e História ‒ www.historiaehistoria.com.br, 2004.
Solicito
Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS);
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO);
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS);
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG);
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN);
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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