Sexta-feira, 14 de junho de 2024 - 08h31
Bagé,
14.06.2024
Veja que simplesmente falando e
cruzando os braços eles não conseguiram me derrubar. Com muito mais razão digo
que o governo federal é forte, com seus dispositivos militar, sindical,
político, econômico, financeiro e outros. Seria uma ingenuidade, uma tolice,
por amor à bravata, a gente ignorar a força do poder federal.
Mas voltando ao meu apelo aos
candidatos. Se ele foi interpretado, como você diz, como uma prova de fraqueza
de minha parte, eu não estou me incomodando muito com a reação de quem interprete
a minha posição como fraqueza. Eu prefiro me incomodar com os que julgam que
alguém deve tomar uma decisão – e eu a tomo. É preciso que haja homens públicos
no Brasil decididos a assumir os riscos de parecer fracos para continuarem
fortes. Só os fortes se dão ao luxo de parecerem fracos.
Há tempos, li num jornal da ilha da
Madeira um pensamento do General Boche. Quando o Presidente da República tem ideias
napoleônicas, é natural que a gente cite um General de Napoleão Quando a espada
é curta – diz o tal pensamento – eu dou um passo à frente. Nós estamos com uma
espada curta, então é a hora de avançar. E fique certo de que nunca estivemos
tão longe da possibilidade de intervenção na Guanabara. O que o governo me
ofereceu agora, com esse comício da Central, foi a oportunidade de mostrar aos
meus competidores e a todos em geral, ao País, o caráter absolutamente impessoal
das minhas divergências.
Por outro lado, a iniciativa ou a
ofensiva do Dr. Goulart prestou um desserviço ao Dr. Juscelino: transferiu para
as minhas mãos a bandeira da legalidade. Não a tomei das mãos do Dr. Juscelino.
Encontrei-a na esquina, dando sopa. Achei natural que essa bandeira volte para
as nossas mãos, porque ela sempre foi nossa. Quando o Dr. Juscelino era
prefeito da ditadura, nós já lutávamos pela legalidade democrática. Durante o
Estado Novo, cheguei até, uma vez, a convidá-lo, num almoço em Belo Horizonte,
para conspirar ...
Voltando à sucessão: o governo pode
ter “marginalizado” a sucessão em
termos de candidatura Juscelino, ou em termos de Arrais, de quem quiser. Mas o
governo não comanda a minha candidatura. Esta continua. O governo que tome
conta dos candidatos dele. Mas eu não sou candidato do governo, não dependo
dele. O governo, o que fez foi substituir um candidato forte, chamado Juscelino
Kubitschek, por um candidato bastante comprometido, chamado João Goulart. Por
outras palavras, é muito mais fácil combater a candidatura João Goulart do que
a candidatura JK. Para combater a candidatura João Goulart, tenho a colaboração
de muita gente, inclusive, secretamente, as simpatias do Juscelino...
Agora, uma coisa é certa: não contem
comigo para representar o papel de boi de piranha. Não vou promover ou agravar
crise nenhuma, para assim abrir caminho aos outros e sacrificar-me a mim mesmo.
Nesta altura, eu só poderia substituir a minha candidatura por um candidato de
união nacional. O problema já não é mais apenas político. Nem é só militar. O
problema é de governo. Nós não podemos sair desta crise, se sairmos dela, eleitoralmente,
por uma solução morna, de incompetência.
Nós temos que sair desta crise – se
sairmos dela pacificamente, no que tenho as minhas dúvidas – com uma solução
de governo. É preciso urna plataforma de governo, um programa de governo, uma
equipe de governo – uma decisão de governar. Para resolver o problema, não
vamos colocar qualquer um no governo. O país não aguenta outro quinquênio nessa
base.
As
Reformas Serão Feitas e o Brasil
Encontrará Seu Caminho
Em termos de resultados imediatos,
acho que o comício foi bom para o governo. Mas ele vai pagar caro, muito caro,
essa provocação. A meu ver, daqui por diante, o problema está colocado em
termos de preservação do regime e das liberdades públicas ou comunismo. Não é
anticomunismo. É uma coisa agora mais geral, mais fundamental e mais
abrangente: a união dos democratas pode ser imperfeita, pode ser incompleta,
pode ser furada. Por exemplo: o Juscelino tem o problema de conquistar o
apoio do Jango. Mas a união dos democratas já se fez na base, na massa, e vai
se fazer cada vez mais solidamente. Incluindo todas as faixas de opinião, inclusive
aquelas que são partidárias de um intervencionismo mais decidido do estado. Eu
participo dessa faixa em larga medida. Apenas não dou a isso uma importância
ideológica. Dou-lhe uma importância pragmática. Há uma série de soluções nessa
linha que devem ser adotadas, e não tenho qualquer impedimento ou preconceito
para adotá-las. Aqui ou ali, poderá haver divergências. Quando depende de voto,
decide-se pelo voto, com a maioria. Quando se trata de problemas técnicos,
adota-se a melhor solução e pronto. É o que faço no governo da Guanabara todos
os dias.
O que acontece comigo é que, sendo um
democrata, não estou preso a amarras ideológicas. Se o sujeito, quando examina
uma solução a ser adotada, está vinculado de antemão a uma ideologia, pode
tomar a melhor ou a pior solução, segundo as circunstâncias. A ideologia leva o
público a ficar obnubilado, a perder a objetividade da decisão. O que caracteriza
uma administração democrática é a sua disponibilidade. É a possibilidade de
aproveitar o principal instrumento da democracia, que é a variedade. A
democracia não exige a discordância, ela tira partido dela. A democracia admite
a discordância porque muitas vezes vai concordar com o discordante. O sistema
de governo democrático se prevalece, assim, de uma riqueza enorme, que o
totalitário, coitado, não pode ter à sua disposição. O totalitário nunca pode
concordar com o adversário. A contradição do democrata não é contradição
nenhuma, é a sua lógica, a lógica interna, intrínseca, da democracia. Falando
em termos de arquiteto, a democracia adota o partido que a variedade lhe
oferece.
Agora, por exemplo, está o pobre do
Kruchev lá na Rússia na maior aflição, precisando adotar uma técnica de
exploração agrícola que ele chamaria capitalista. Está na maior dificuldade,
emaranhado numa contradição. Para aumentar a produção, tem que adotar fórmulas
que renega teoricamente. Se dispusesse da disponibilidade de um democrata, não
teria problema. Adotaria a melhor solução, fosse ela capitalista, cooperativista,
socializante ou solidarista. Quanto a nós, democratas, o que nos cabe é nos
unirmos, para defender as instituições e garantir as eleições. E através delas,
dar ao Brasil um Governo capaz de enfrentar os seus problemas. Capaz de
atualizar e modernizar o Brasil, na medida de suas necessidades.
Sem o pernosticismo ideológico e
simplificador que, de forma aguda, está a serviço de um descontentamento real.
O descontentamento existe e é justíssimo. Só um bom Governo, com um programa realista
e exequível, poderá restaurar a confiança do povo. Os problemas do Brasil não
resistem a um bom Governo. Um Governo disposto a trabalhar, a serviço realmente
do bem comum, e não a serviço de grupos ou facções, ocultos ou ostensivos. Eu
sei hoje, mais do que nunca, por estar no exercício de um cargo executivo que
as “Forças Ocultas” existem. Mas
podem e devem ser combatidas e vencidas. É o que pretendo fazer, assim que
chegar ao Governo. Apesar dos esforços do Sr. João Goulart e dos inimigos da
democracia, chegaremos às eleições. Não sou pessimista. Dependerá do Sr.
Goulart saber se chegaremos lá com ele ou sem ele. Eleições, porém, haverá. A
campanha vai ser dura, também não ignoro. O clima de exaltação não a impedirá.
Os ânimos estão exaltados aqui e ali, mas a campanha presidencial não será
detida. Você conhece a história da campanha civilista? O que o Rui sofreu!
Lembra-se de 1945, com o queremismo
nas ruas, e uma ditadura pretendendo perturbar o pleito? No que depender de
mim, só me encontrarão na defesa da legalidade, como a deseja o povo. Não estou
conspirando, nem conspirarei. Confio no sentimento legalista das Forças Armadas,
no seu poder moderador, na sua fidelidade à consciência nacional Depois das
eleições, não haverá força capaz de impedir a posse. Quem ficar contra a posse
estará falando sozinho e terá tanto poder de decisão quanto o falecido Cidadão
Pingô... ([1])
Até lá, temos de estar vigilantes e
atentos, para evitar um golpe de mão manipulado com a aliança dos comunistas,
que dividem o poder com o Sr. Goulart. O povo não quer o comunismo, o
coletivismo totalitário. Quer um governo progressista, que governe de fato. Não
tenho medo de adotar as medidas que se fizerem necessárias, de aproveitar as
experiências de outros povos e que deram certo, estejam onde estiverem.
Preconizo providências efetivas e pragmáticas. A visão do Brasil, de seus
problemas, está perturbada pela demagogia oficial e pela inflação. A inflação
deforma a ótica, é uma espécie de astigmatismo que impede o exame objetivo de
nossos problemas.
Por incapacidade, o governo fala em
reforma apenas para desviar a atenção do povo. Quando faz alguma coisa, como
esse tabelamento dos aluguéis, faz errado e de maneira incompleta. Ou, como no
caso da encampação das refinarias. Já há suspeita de que se prepara uma
oportunidade para a corrupção. A encampação poderia ser feita em condições
muito mais vantajosas para o País se tivesse sido executada na forma
preconizada pela lei que criou a Petrobrás. A honestidade, pois, custa mais
barato. É o que o povo já compreendeu. E porque o povo o compreendeu, os meus adversários
perdem a cabeça.
Com um governo democrático para valer,
os totalitários não têm chance. As reformas serão feitas, o Brasil encontrará
o caminho de seu progresso e será uma grande nação. Os inimigos da democracia
sabem que me encontrarão pela frente, se tentarem o golpe. Não desejo fazer
bravatas, estou tranquilo e não pretendo aprofundar a crise para dela tirar
partido. Na hipótese de uma subversão comunista, não creio na intervenção dos americanos.
Digo-o para responder à sua pergunta.
Se há gente confiando no Pentágono,
como você diz, não sou eu. Brigo por minha conta, quando tenho de brigar. Não
quero nada nem com o americano, nem com os Estados Unidos. O candidato dos “trustes” não sou eu, porque os trustes
temem um Governo realmente independente, como será o meu. O Sr. Johnson pode
dar o reescalonamento ao Sr. Goulart. Pode dar o que quiser. Não estou contando
senão com a confiança do povo. E esta, sei que a tenho e que a irei tendo cada
vez mais. Minha candidatura romperá o cordão sanitário com que os meus
adversários pretenderiam sufocá-la. Chega ao povo, aos operários.
Falo e falarei a todos, a todas as
classes. Veja hoje o exemplo das favelas cariocas. Os favelados, com os quais
estou em permanente contato, já não desconhecem o que o meu Governo faz por
eles. É isto que exaspera os meus adversários. Minha candidatura está posta e,
daqui para a frente, vai tornar-se cada vez mais forte. Vão fazer, e podem
fazer tudo o que quiserem para evitar a nossa vitória. Mas de nada adiantará.
Fique certo de uma coisa: sou candidato, haverá eleições e haverá posse.
(REVISTA MANCHETE N° 624, 04.04.1964)
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989);
Ex-Vice-Presidente da Federação de Canoagem de Mato
Grosso do Sul;
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Vice-Presidente da Federação de Canoagem de Mato
Grosso do Sul;
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS);
Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO);
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS);
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG);
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN);
Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós
(IHGTAP)
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Cidadão Pingô (João Batista do Espírito
Santo): não havia enterro de gente importante que não contasse com a sua
oratória torrencial, emotiva e agramatical. (Folha de São Paulo, 22.02.1996)
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – I
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