Sexta-feira, 21 de junho de 2024 - 08h07
Bagé,
21.06.2024
Tudo começou quando marinheiros e
fuzileiros navais resolveram comemorar o segundo aniversário de uma associação
da classe. O então ministro da Marinha, Almirante Silvio Mota, proibiu tal
reunião. Rebelando-se, os marujos foram abrigar-se na sede do Sindicato dos Metalúrgicos,
situado a Rua Ana Néri. A concentração reuniu 3.647 homens encabeçados pelo
Cabo José Anselmo, que é também acadêmico de Direito. Ao fim de 90 minutos de
debates, fizeram eles cinco reivindicações:
1) Não punição;
2) Reconhecimento da
associação;
3) Libertação de todos
os presos, inclusive os da Ilha das Cobras;
4) Humanização da
marinha, e
5) Melhoria da
alimentação nos navios e nos quartéis.
Com estes acontecimentos, criava-se na
Marinha, uma crise semelhante à da revolta dos marinheiros, com João Cândido à
frente, em 1910.
Durante
Quase Três Dias, os Marujos e Fuzileiros Rebelados Transformaram o Palácio do
Aço
num Grande Acampamento Militar
Quando os marujos o fuzileiros se
reuniram no Sindicato dos Metalúrgicos contra as determinações expressas do
Almirante Silvio Mota, uma tropa de segurança do Corpo do Fuzileiros Navais foi
enviada para desalojá-los e prendê-los.
Mas, ali chegando, em face dos apelos
dos rebeldes, que cantavam o Hino Nacional e os incitavam à adesão, metade do
contingente se despojou de suas armas e ingressou no sindicato, depois de abrir
as blusas, imitando os que ali se achavam reunidos. O restante do contingente
recebeu ordem de regresso e o então Ministro da Marinha pediu ao Exército que
enviasse uma força motomecanizada, para pôr cerco ao Sindicato dos
Metalúrgicos. O pedido foi prontamente atendido.
Enquanto
o Exército Isolava o Sindicato,
a Crise Abalava a Marinha e Levava
o seu Ministro a Demitir-se
Se alguns milhares de rebeldes se
reuniam no Palácio da Rua Ana Néri, outros viram-se impedidos de alcançar esse
local, por terem sido bloqueados, uns na Ilha das Cobras, outros no Arsenal de
Marinha. Alguns, que tentaram romper a prontidão ordenada pelas altas
autoridades navais, foram contidos por uma descarga de metralhadora. No auge da
crise, o Almirante Silvio Mota expediu ordem de prisão contra o Almirante
Aragão, comandante do Corpo de Fuzileiros Navais, acusando-o de ter abandonado
o cargo. E mais tarde, julgando-se desprestigiado, o titular da Marinha
apresentou por escrito ao chefe da Casa Civil da presidência da República o seu
pedido de demissão, posteriormente aceito pelo Sr. João Goulart.
Entre
as Vítimas da Rebelião Estavam as Intranquilas Famílias dos Marujos Rebelados
Os rebeldes foram retirados, por fim,
de seu reduto, da Rua Ana Néri, e levados para o quartel do Batalhão de
Guardas. Esposas, irmãs e noivas de marujos e fuzileiros, presentes à saída
destes, esperavam o pior e, por isso, não esconderam a forte emoção que as
possuía. Houve longos abraços silenciosos, beijos e lágrimas. Preparados para
deixar o Sindicato dos Metalúrgicos rumo ao Batalhão de Guardas, os marujos
tinham a fisionomia tensa, numa atitude que contrastava com a exaltação das
primeiras horas. No mesmo dia foram libertados. Serão agora submetidos a
inquérito militar.
O
Ministro do Trabalho, Senador Amauri foi ao Sindicato dos Metalúrgicos, a fim
de Parlamentar com os Rebeldes, mas ia Sendo Barrado
Enquanto durou a permanência dos
marujos rebeldes no Sindicato dos Metalúrgicos, não lhes faltou a visita e o
incentivo de deputados esquerdistas, bem como de associações femininas e de
estudantes, de igual tendência. Coletas de dinheiro foram feitas em benefício
dos marinheiros e fuzileiros, que receberam também donativos de mantimentos e
até diversões, proporcionadas pelo Centro Popular de Cultura, da UNE, que ali
fez representações. Durante dias, o País inteiro ficou preso aos
acontecimentos, cujas repercussões ainda se fazem sentir intensamente na Marinha
como em outros meios militares.
Libertados,
os Marinheiros Manifestaram a sua Alegria Numa Ruidosa Passeata. Ao Mesmo
Tempo, a Alta Oficialidade Naval se Reunia Para Exprimir Desagrado, em Face da
Solução Dada Pelo Governo da República ao Rumoroso Episódio
Enquanto eram grandes as expansões de
alegria dos rebeldes, um movimento de reação se verificava entre a oficialidade
naval, que não se conformava com a libertação, pura e simples, dos marinheiros.
Para ela, a Marinha tinha sofrido rude
golpe, com a quebra da disciplina e o rompimento da hierarquia, que é a base
das Instituições Militares. Reunidos no Clube Naval, órgão da classe, desde
logo, em manifesto, os oficiais tornaram pública a sua insatisfação ante a solução
dada ao episódio, que lhes parecia de natureza gravíssima e no qual identificavam
influências comunistas. Mais tarde, idêntico pronunciamento foi feito pelo
Marechal Augusto Magessi em nome do Clube Militar. Aliás o Marechal esteve numa
das reuniões do Clube Naval, onde falou, de improviso, exprimindo sua
solidariedade.
Um
Almirante Reformado foi Convocado Pelo Presidente João Goulart Para Ocupar o
Cargo Vago com a Demissão do Ministro Sílvio Mota
Primando pela franqueza, o novo
Ministro da Marinha declarou que a solução por ele dada à rebelião dos
marinheiros causara “péssima repercussão”
no almirantado. Mas parece disposto a contornar a crise, tendo, aliás,
manifestado que sua permanência no cargo será condicionada pelo êxito de suas
gestões no sentido de pacificar a Marinha. Ao mesmo tempo que ele era
empossado, o ex-ministro Pedro Paulo de Araújo Susano assumia as funções de
chefe do Estado-Maior da Armada.
A fim de tentar o apaziguamento, o
novo ministro ordenou a abertura de dois inquéritos militares: um sobre a
rebeldia dos marujos e outro para apurar as responsabilidades de quem comandou
a rajada de metralhadora, no Arsenal de Marinha, contra um grupo de marinheiros
rebeldes. (REVISTA MANCHETE N° 625, 11.04.1964)
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989);
Ex-Vice-Presidente da Federação de Canoagem de Mato
Grosso do Sul;
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Vice-Presidente da Federação de Canoagem de Mato
Grosso do Sul;
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS);
Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO);
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS);
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG);
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN);
Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós
(IHGTAP)
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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