Terça-feira, 3 de março de 2020 - 13h33
Bagé, RS, 04.03.2020
Tribuna
da Imprensa, n° 3057
Rio
de Janeiro, RJ ‒ Quarta-feira, 03.02.1960
Fronteira
Entre Brasil e Guiana se Resolve Hoje
Depois
de duzentos e sessenta e dois anos, será encerrado hoje, definitivamente, o
problema das fronteiras entre o Brasil e a Guiana Francesa. As 16h00, no
Itamarati, o Ministro Láfer recebera do embaixador Pio Correia o relatório
final da Comissão Franco-brasileira e o mapa que determina os limites entre o
nosso País e a Guiana.
As
negociações à respeito tiveram início no século XVII, no ano de 1698 e
culminaram no Tratado de Utrecht, em 1713. No início deste século, em questão
arbitrada pelo presidente da Suíça, o Barão do Rio Branco demonstrou que a
fronteira real era o Rio Oiapoque, como determinava o Tratado.
Os
franceses pretendiam estender a Guiana até o Rio Araguari. O Brasil, ao ganhar
a questão, aumentou o seu território em cerra de 260 quilômetros quadrados.
Os
mapas finais e diversos documentos históricos, inclusive uma cópia autêntica do
Tratado de Utrecht serão expostos, durante a cerimônia. A comissão brasileira
era composta pelo General Bandeira Coelho [presidente] e os Srs. Maurílio Cunha
e Leônidas de Oliveira. (TDI, N° 3057)
Jornal
do Commercio, n° 105
Rio
de Janeiro, quarta-feira, 03.02.1960
Demarcação
Final da Fronteira
com a Guiana Francesa
Relatório
e Mapas Serão Entregues
Hoje ao Ministro Lafer
Está
marcada para hoje, às 16H00, no Itamarati, a entrega ao ministro Horácio Lafer
do relatório e mapas referentes à definitiva demarcação das nossas fronteiras
com a Guiana Francesa.
A
propósito dessa solenidade, que é o coroamento de um trabalho que teve suas
origens no ano de 1695, o embaixador Manuel Pio Corrêa esteve na sala de
imprensa do Ministério, para uma palestra esclarecedora com os jornalistas.
Disse
o chefe do Departamento Político e Cultural do Itamarati que nomes dos mais
ilustres da diplomacia brasileira estiveram empenhados nesses estudos, como Rio
Branco e Duarte da Ponte Ribeiro, e os membros da Comissão Mista
Franco-Brasileira puderam chegar pacificamente a um acordo, agora, reconhecendo
os direitos do nosso País a uma faixa de quatrocentos quilômetros quadrados,
graças a esse espírito de continuidade, à documentação e ao carinho com que são
conservados tantos documentos e mapas nos arquivos da Casa de Rio Branco.
DÚVIDAS DIRIMIDAS
Acentuou
o Sr. Pio Corrêa que todas as dúvidas fora dirimidas, e, prevaleceu a realidade
do Tratado de Utretch de 1713, e que serviu de orientação para a decisão do
presidente da Confederação Helvética, favorável ao Brasil, no julgamento que
ele presidiu no ano de 1900. Agora, após tantas demandas e tão largo espaço de
tempo, no curso do qual chegamos a ficar sem essa faixa de terra [que é o
território do Amapá] a questão chegou a bom termo e serão reintegrados ao
território brasileiro esses 400 km2.
Na
entrega do relatório, o embaixador Pio Corrêa fará ao ministro de Estado um
histórico dessa centenária questão. O chefe da delegação brasileira, Gen
Bandeira Coelho, esclareceu, ainda, o embaixador Pio Corrêa, ficou sensibilizado
com a cordialidade e o espírito compreensivo dos delegados franceses. (JDC, N°
105)
O
Mundo Ilustrado, n° 181
Rio
de Janeiro, RJ - 10.06.1961
Em
Plena Mata, Longe do Mundo,
são as Fronteiras
O resto
era o infinito coberto de espessas nuvens que nos encobriam a clara visão da
longínqua serra Tamaquari, e por trás delas o objetivo a perlustrar e a
demarcar, embora as mais duras adversidades: demarcar a linha de fronteira
Setentrional do Brasil com a Venezuela pela cumeada do divisor dos tributários
do Rio Negro e das contravertentes do Rio Orenoco.
Éramos
nove, turma adiantada da expedição que reeditava toda a autenticidade das
heroicas bandeiras de Raposo e Anhanguera, Borba Gato e Palheta, Pedro Teixeira
e Lobo D’Almada. Eles alargaram do Sul e do Centro para o bruto Oeste e do
Leste para o Norte e Noroeste as fronteiras coloniais do Brasil, ganhando
imensas terras de Castela, mas sem demarcá-las, sem deixar nos seus confins a
presença física de marcos inequívocos de domínio territorial.
Esta
árdua tarefa caberia a homens de igual capacidade de sacrifícios, a homens que,
através de séculos e sucessivas gerações, legaram a outros da mesma têmpera a
épica intrepidez demarcatória.
Muitos
desses homens eu os conheço, com galões de General, teodolito às costas ou com
terçados à mão rude e no jamachi. Deixei-os no Rio Padauari, desmatando terra
firme para acampamentos, subindo o afluente Marari, puxando canoas com mãos
esfoladas, remando, abrindo picadas e superando dia a dia as piores condições
de sobrevivência para chegar ao sopé da íngreme Tapirapecó, vencer os alcantis
sem temor de fatalidades e cumprir, afinal, a tarefa anônima de demarcação de
limites. Éramos nove, os oito companheiros que de mim se despediram, cumprindo
o breve período de vanguarda da campanha, voltaram a reunir-se aos irmãos do
dever que o País ignora. Eu voltei do Marari.
A EXPEDIÇÃO EM MARCHA
Quando
cheguei a Belém na última semana de outubro de 1960, credenciado pela Divisão
de Fronteiras do Itamarati para integrar-me na campanha que a Comissão
Brasileira Demarcadora de Limites ia empreender, todos os preparativos já
estavam ultimados pelo Gen Bandeira Coelho. Meu saco de petrechos estava
pronto, com rede e mosquiteiro.
Partimos
às 23h00, do dia 31, com destino ao Sul de Marajó. Duas horas depois nosso
barco fundeou no Paraná do Arrozal. Ali acabaríamos o resto da madrugada sem
Lua; ao alvorecer continuaríamos na rota fluvial até o imenso Amazonas. Ao
quarto dia de navegação ancoramos em Óbidos. A antiga aldeinha dos índios
Pauxis estava adormecida na colina que olha a Foz do Trombetas.
No
porto sujo de fiapos de juta caboclos comerciavam peixe. “É aqui em Óbidos que recrutamos o pessoal para a campanha. Esses homens
são os mais duros da Amazônia, e só eles suportam os sacrifícios da expedição”,
falou-me o velho e calejado Leônidas Ponciano de Oliveira, mudando o cachimbo
de canto a canto da boca já ferida por muitas febres.
O
sertanista, com trinta anos de serviços demarcatórios, sabia, de certo, o que
dizia. Eu o saberia horas depois, vendo aqueles caboclos decididos disputando o
privilégio do engajamento. Ao todo, 86 armaram rede nos dois batelões amarrados
ao nosso barco como alvarengas.
E
seguimos no rumo de Manaus, no rumo do Rio Negro, pelo qual teríamos acesso ao
Rio Padauiri e seu tributário Marari. Por este, raso e pedrento, chegaríamos ao
afluente Madona e a Tapirapecó.
NA MEMÓRIA DOS TEMPOS
Há mais de dois séculos, daquele mesmo porto de Belém,
então escorregadio barranco onde a guarnição do Presépio se ajuntava na pesca
de tucunarés e tambaquis, partira a primeira expedição para demarcar a
fronteira selvagem do Noroeste do Brasil lusitano com os confins da Nueva
Andaluzia. E tantos e tantos decênios transcorridos, desde outubro de 1754, a
linha limítrofe, não mais dos domínios de Portugal e Espanha, mas do Brasil e
da Venezuela, ainda está por concluir-se em mais de 800 quilômetros, sobre
lombadas rochosas da cordilheiras Pacaraima, Parima e Tapirapecó.
Cumpria,
àquela época, atender instruções pertinentes ao Tratado de Madri; efetivamente
atender às disposições do Tratado para a necessária configuração jurídica e
física do nosso território, esquecida desde a “Capitulación de la Partición del Mar Oceano” [Tordesilhas,
07.06.1494], que estipulava o prazo de 10 meses, contados a partir do dia do
pacto, para a demarcação do Meridiano de 370 léguas a Oeste de Cabo Verde, Mas
foi tudo debalde: durante 5 anos a delegação luso-brasileira, chefiada por
Mendonça Furtado, esperou em Mariauá pela delegação espanhola chefiada por Don
José Iturriaga e que deveria chegar àquela região navegando pelo Orenoco,
Cassiquiare e Rio Negro. Desta vez, porém, não haveria espera demorada: o
delegado venezuelano Jorge Pantchenko nos alcançaria, com seus companheiros,
próximo da Foz do Rio Padaurí. E alcançou-nos, decidido a sofrer. A fronteira
de NE parte da Pedra de Cucuí, na margem esquerda do Rio Negro e segue por uma
linha geodésica rumo SE até o salto Huá. É um imenso Igapó essa fronteira
demarcada pelo Barão de Parima no período de 1879 a 1883 e confirmada pelo
Protocolo assinado Brasil e Venezuela em 09.02.1905.
A OESTE DO DESCONHECIDO
Planejara o Gen Bandeira Coelho chefe da CBDL, duas campanhas: uma,
fronteira com a Guiana Francesa, visava a fixação de marcos divisórios, dado
que o alinhamento do divisor já havia sido executado por outras campanhas: e
outra, fronteira com a Venezuela, no NO amazônico. Circunstâncias adversas,
porém, alteraram o plano de duas faces, reduzindo-a a um só objetivo ‒ ou seja,
marcação sobre Tapirapecó, numa extensão que alcança 200 km, desde a nascente
do Rio Madona, afluente do Marari na Latitude Norte de 01°12’16,5” e Longitude
de 64°55’35,8”, ao meio do salto Hutá na serra Cupí.
FOI TERRÍVEL OBSTÁCULO, MAS VENCIDO
Para
o Itamarati, responsável pela demarcação das fronteiras, o sertanista
demarcador, o caboclo auxiliar que abre caminho pela selva, pelos Rios e pelas
montanhas, são apenas homens a serviço da Pátria, e não lhes paga o merecido, o
mínimo devido. Dir-se-ia que o próprio governo ignora a soma de sacrifícios dos
homens da CBDL e a dedicação de quantos compõem a Divisão de Fronteiras,
orientada pelo diplomata e escritor Guimarães Rosa. Demais, o povo, as elites,
incluindo instituições culturais, ignoram que o Brasil, ainda hoje, tem quase
1.000 quilômetros de fronteira a demarcar.
Anonimamente,
o Gen Bandeira Coelho, que herdou do seu antecessor, Cmt Bráz de Aguiar, um
legado de penas e ideais, organiza e empreende expedições aos limites
Setentrionais, constituindo mérito da CBDL [1ª Divisão] o seguinte quadro de
demarcações concluídas: limites com a Guiana Inglesa ‒ 1.605 km; com o Suriname
([1])
‒ 598 km; com a Colômbia, 1.643 km; com Peru ‒ 1.956 km e com a Venezuela ‒
1.000 km. Com este país restam exatamente 838 km a demarcar. Cada quilômetro de
penetração, de estudo e de fixação de marcos representa uma soma enorme de
trabalhos vigorosos.
A VOLTA DO DESCONHECIDO
Longe,
embora, dos meus companheiros de jornada pelos Rios Amazonas, Negro, Padauiri e
Marari, sei que, turma por turma, estão de regresso a Manaus, Óbidos e Belém.
Uns vitimados pela malária, outros com lesões, e todos estropiados ‒ pois
tiveram de para galgar a cordilheira Tapirapecó, escavar degraus na rocha e
sofrer intempéries cruéis. Tapirapecó ainda verá os homens da CBDL, e depois a
medonha Parima, com suas escamas invioladas. As bandeiras continuarão,
sacrificando autênticos heróis na demarcação de limites. (OMI, N° 181)
Bibliografia:
JDC, N° 105. Demarcação
Final da Fronteira – Brasil – Rio de Janeiro – Jornal do Commercio, n° 105,
03.02.1960.
OMI, N° 181. Em
Plena Mata, Longe do Mundo, são as Fronteiras – Brasil – Rio de Janeiro – O
Mundo Ilustrado, n° 181, 10.06.1961.
TDI, N° 3057.
Fronteira Entre Brasil e Guiana se Resolve Hoje – Brasil – Rio de Janeiro –
Tribuna da Imprensa, n° 3057, 03.02.1960.
Solicito
Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia,
Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e
Colunista;
·
Campeão do II Circuito
de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
·
Ex-Professor do Colégio
Militar de Porto Alegre (CMPA);
·
Ex-Pesquisador do
Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
·
Ex-Presidente do
Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
·
Ex-Membro do 4°
Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
·
Presidente da Sociedade
de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
·
Membro da Academia de
História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
·
Membro do Instituto de
História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
·
Membro da Academia de
Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
·
Membro da Academia
Vilhenense de Letras (AVL – RO);
·
Comendador da Academia
Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
·
Colaborador Emérito da
Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
·
Colaborador Emérito da
Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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