Quinta-feira, 5 de março de 2020 - 09h17
Bagé, RS, 06.03.2020
O
Cruzeiro, n° 10
Rio
de Janeiro, RJ – 16.12.1961
Brasil
Cresce na fronteira
Graças
ao perfil e orientação do talvegue do Rio Oiapoque, resultante dos condições do
leito do seu formador ocidental, rio Kiriniutu, uma área de 400 km2
foi incorporado ao nosso território.
Pretendia
a França que a fronteira brasileira com a sua Guiana corresse desde o Cabo
Orange pelo Oiapoque e continuasse pelo rio Uaissipein [formador Oriental],
seguindo pela serra Tumucumaque até o marco de divisa com a Guiana Holandesa.
Aceitaram,
porém, os seus geógrafos, os estudos e pesquisas dos demarcadores de fronteira
do Itamarati, os quais provaram ser o Kiriniutu o Rio de primazia e o
Uaissipein o ramal secundário.
Há
dias regressaram daquelas lonjuras setentrionais os homens da CBDL- 1ª Divisão,
chefiados pelo Gen Bandeira Coelho. Plantaram eles, na serrania de Tumucumaque,
os marcos da soberania brasileira. Sem agressão e sem geofagia o Brasil cresce.
Se qualquer mapa da América do Sul estiver à sua mão neste momento, ponha-o
diante dos olhos e observe bem o contorno físico do Brasil. Assinale os seus pontos
extremos de limites: o mais Oriental, debruçado no Atlântico, fica na Ponta do
Seixas, no Cabo Branco, litoral da Paraíba, à Longitude de 34°47’38”; o
Ocidental situa-se no divisor das águas dos Rios Ucayali e Juruá, representado
pela serra de Contamana, sobre a linha divisória com o Peru, na definida
coordenada geográfica de 73°59’32” de Longitude; o extremo limite Meridional
está lá embaixo, na “curva do Sul” ([1])
do Arroio Chuí, à Latitude sul de 33°45”10”; e o mais longínquo ponto
Setentrional repousa na cumeada da serra Caburaí, fronteira com a Guiana
Inglesa, Latitude Norte de 05°16’19”.
Veja, agora, as linhas que ligam esses pontos extremos e completam o
nosso contorno territorial: tem-se a impressão de que todas as fronteiras estão
definitivamente marcadas e que o Brasil não tem problemas de limites. Pois tem,
e muitos, politicamente complicados até. Uma parte complicada, aliás, foi
vencida no dia 30 de outubro último, quando a Comissão Mista de Limites
Brasil-Bolívia encerrou, no Território do Acre, o programa de demarcação fixado
na XV Conferência de Limites [22.07.1961], e o Major Salval Pinheiro, pelo
Brasil, e o Cel Rafael Sainz Céspedes, pela Bolívia, assinaram a planta dos
trabalhos realizados desde a Foz do Igarapé Bahia, no Rio Acre, até Porto Real,
no rio Chipamano, formador do Abunã, por onde corre a fronteira fluvial.
Desde
1928, em decorrência do Tratado de Natal, Brasil e Bolívia comprometeram-se a
demarcar aquele trecho, só há pouco executado. Com uma fronteira de cerca de 3
mil quilômetros com a Bolívia, o Brasil falta completar todo o limite fluvial e
mais o limite seco do setor Quatro Irmãos ‒ Rio Verde. O assunto, porém, é
complexo. Somente com a solução do “caso
Roboré”, que implica, também, em limites, a Comissão Brasileira Demarcadora
de Limites ‒ 2ª Divisão poderá realizar campanhas naquelas inóspitas regiões de
Noroeste.
FRONTEIRAS DEMARCADAS
Como
assunto encerrado de limites temos as Guianas, Colômbia, Peru, Argentina e
Uruguai. Podemos considerar, também, como demarcada a nossa fronteira com o
Paraguai, pois com este pais só falta a colocação de marcos no trecho que vai
da serra do Maracaju à cachoeira de Sete Quedas, numa pequena extensão de 20
km, e ainda o levantamento hidrográfico e a distribuição das Ilhas do Rio Paraguai,
no trecho entre a Foz do Rio Apa e o desaguadouro da Baía Negra. A Comissão
Mista de Limites Brasil-Paraguai tratou do problema na semana passada, no
Itamarati, tendo o Embaixador Guimarães Rosa, chefe da Divisão de Fronteiras,
conduzido a questão com sabedoria e habilidade diplomática.
BANDEIRANTES SEM GLÓRIA
É na extensa fronteira com a Venezuela que os demarcadores brasileiros
revelam-se autênticos bandeirantes, mas sem glórias e anônimos. Ano a ano,
porém, marcos são plantados nas brutas cumeadas das serras que separam as
bacias do Amazonas e do Orenoco, desde o Meridiano de 61° à pedra de Cucuí, na
Longitude de 67°O de Greenwich, por cima de Pacaraima, Parima e Tapirapecó.
Cada
campanha exige, dos homens da CBDL ‒ 1ª Divisão, arrojo, audácia e extrema
temeridade, pois só tem eles duas vias de acesso à fronteira ‒ Rio e selva;
quase sempre Rio nunca antes navegado e sempre mato fechado e úmido, habitat de
silvícolas hostis. Muitos acampamentos já foram destroçados por indígenas e
muitas vidas perderam-se entre cipós atingidas por flechas. Nada, contudo,
impede o trabalho de demarcação; nada, nem selvagens, nem penhascos íngremes,
nem medonhas cachoeiras que atemorizariam qualquer sujeito de bom senso. Pois
não obstante as vicissitudes, o Gen Bandeira Coelho leva a sua tropa aos
confins em canoas, ubás, jangadas, e a pé, selva adentro, com jamachi às
costas. Dos 1.838 km de fronteira com a Venezuela, os demarcadores já
conseguiram demarcar mais de mil.
No
ano passado ‒ a cuja campanha nos incorporamos ‒ a penetração fez-se pelos Rios
Negro, Padauiri e Marari por onde, pelo Igarapé Madona, se alcançaram os sopés
da cordilheira Tapirapecó. Lá em cima, vencendo despenhadeiros, muitas posições
astronômicas foram tomadas para a demarcação dos limites. Dentro em breve outra
campanha será empreendida naquela região, no rumo de Oeste, visando a
caracterização da linha até Cucuí.
E
depois de completado todo esse trecho de mais de 200 km, restará a desafiante e
incógnita cordilheira Parima, secular objeto de sonho de aventureiros do
fantástico “El Dorado”.
Sabem
os demarcadores que fatalmente encontrarão nos seus roteiros os ferozes índios
Waiká, senhores da imensa região dos Rios Urariquera, Mucajaí, Catrimani e
Demeni, e que o acesso aos topos da Parima será uma sequência de provas de
sobrevivência. Mas nenhum deles se recusará à luta; ao contrário, naseiam pelos
600 km de desafio.
HISTÓRIA DAS FRONTEIRAS
Começa
muito antes de Cabral fundear caravelas em Porto Seguro. Remonta às últimas
décadas do século XV, e seus primeiros delineamentos tiveram traços mais
acentuados, em 1749, quando Portugal e Espanha celebraram, em Alcaçovas, o
Tratado de Descobrimentos e Explorações de Terras ao Ocidente.
Depois,
o Meridiano de Tordesilhas fixou aos portugueses uma faixa de terra litorânea,
do Maranhão à foz do Rio da Prata. Desde então, a terra brasileira cresceu para
o Norte e para Oeste, ganhando imensas áreas com os Tratados de Madrid e de
Santo Ildefonso.
E
ganhou mais nos Tratados, convenções e laudos arbitrais em que tomaram parte a
França, Inglaterra, Colômbia, Peru, Bolívia, Argentina e Paraguai. No capítulo
das demarcações, a história ganha dimensões de epopeia e coloridos épicos. E
até que todo o nosso contorno físico seja demarcado, muitas penas e sacrifícios
sofrerão esses arrolados herdeiros do bandeirantismo. (O CRUZEIRO, N° 10)
Bibliografia:
O CRUZEIRO, N° 10. Brasil
Cresce na Fronteira – Brasil ‒ Rio de Janeiro ‒ O Cruzeiro, n° 10,
16.12.1961.
Solicito
Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia,
Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e
Colunista;
·
Campeão do II Circuito
de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
·
Ex-Professor do Colégio
Militar de Porto Alegre (CMPA);
·
Ex-Pesquisador do
Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
·
Ex-Presidente do
Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
·
Ex-Membro do 4°
Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
·
Presidente da Sociedade
de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
·
Membro da Academia de
História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
·
Membro do Instituto de
História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
·
Membro da Academia de
Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
·
Membro da Academia
Vilhenense de Letras (AVL – RO);
·
Comendador da Academia
Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
·
Colaborador Emérito da
Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
·
Colaborador Emérito da
Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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