Quarta-feira, 22 de julho de 2015 - 05h33
Hiram Reis e Silva (*), Porto Alegre, RS,
O Haver
(Vinícius de Moraes)
Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo,
e esse medo Infantil de ter pequenas coragens.
Parto amanhã para Santarém, a magnífica pérola do Tapajós, de onde darei início àquela que deverá, talvez, ser a minha derradeira jornada pela Bacia do maior caudal do planeta Terra. Desde dezembro de 2008, percorri, de caiaque, 10.689 km pelas amenas águas do Rio-mar e seus principais afluentes, envolvido pelas fantásticas paisagens e literalmente imerso nas lendas, histórias e exemplos de determinação de uma raça que foi capaz de sobrepujar as vicissitudes do ambiente hostil da Hileia. Fui discípulo e Mestre, aprendi, porém, muito mais do que ensinei e humildemente colhi os ensinamentos que as águas, a floresta, os ribeirinhos e os silvícolas solicitamente me ofertaram e procurei repassar através de meus artigos.
Meu Adeus ao “Santa María del Mar Dulce”
O Delta que os geógrafos alarmados julgam diluído e flutuante a caminho da Geórgia e das Carolinas, está ali, em bilhões de camadas, plasmando a gleba das futuras várzeas e das futuras campinas equinociais. Só a Ilha de Marajó, quase toda aumentada pela sedimentação nas fímbrias de sotavento, onde a tranquilidade potâmica e a suavidade das brisas permitem o depósito aluvial das toalhas barrentas, vale por um país. Portugal, por exemplo, equipara-se-lhe mais ou menos em superfície. Outras Ilhas, do porte da Grande de Gurupá, ainda representam espaços enormes, sem meter os numerosos arquipélagos, levantados aqui, acolá, e, o que é tudo, o fundo do Golfo que se alteia e seca. Labor estupendo, despercebido em conjunto, mas apreendido em minúcias, provoca esta interrogação: donde vem tanta terra? Quem o autor desse trabalho ingente? A terra vem dos Andes, das pálias estrangeiras, dos parapeitos da portentosa Cordilheira que se arqueia em muralha no Ocidente do vale. A tarefa ciclópica é do Amazonas, seus afluentes, confluentes e defluentes. Bancos, baixios, praias, restingas, além do que já foi balanceado, são as resultantes da faina perene daquele fabuloso dragão, que vomita dia e noite, anos e anos, a matéria sorvida nos cimos. (DE MORAES)
Tem um significado especial esta despedida ser realizada na Foz do Amazonas. O magnífico Delta Amazônico é perene em superlativos predicados. Sua imensa teia formada por infindáveis Rios, Igarapés e Furos recordam o lendário labirinto de Cnossos. O arrojado navegante hodierno, como o Teseu de outrora, conhece-lhes cada meandro, cada banco de areia, cada embocadura, cada praia, graças a uma mágica, singular e sutil trilha gravada indelevelmente no Inconsciente Coletivo.
Este fantástico Arquivo Ancestral onde são armazenadas as opções manifestadas por pensamentos, emoções e ações geradas por atos ou palavras de toda a humanidade e que a Escritora, Filósofa e Teóloga russa Helena Petrovna Blavatsky (HPB) denominava de Registro Akhasico.
Pela última vez absorverei, inebriado, a energia destas águas que ofegantes arquejam acompanhando o ritmo das marés, águas ora doces, ora salinizadas, placentas mornas plenas de vida, águas que choram e que cantam, que embalam ternamente ou assombram audazes Argonautas, águas que descem rudes, ruidosa e tumultuariamente desde o Nevado Mismi na longínqua Cordilheira Andina e se amansam progressiva e inexoravelmente ao adentrar nas dolentes planuras de nossa adorada “Terra Brasilis” embrenhando-se lenta e silentemente nos serenos Lagos, Igapós e Várzeas sem fim.
Ao navegar nestas míticas águas, mergulhei meu remo no útero fecundo do Rio das Amazonas, artéria inesgotável que pulsa possante no coração da mãe Terra, sentindo estimularem-se as percepções sensoriais de cada um de meus sentidos. Deixo-me embalar pelo ritmo da natureza e sigo encantado observando cada paisagem, cada elemento que me cerca, desde os colossais gigantes arbóreos aos ínfimos representantes da mais heterogênea flora e fauna do Planeta. Emocionar-me-ei, por demais, nesta derradeira jornada em que me despeço do Rio-mar e minha memória, engarupada no longínquo pretérito, vagara, certamente, pelos curiosos vestígios da raça extinta, revendo antigos aborígenes manufaturando sofisticadas cerâmicas e participando de misteriosos rituais funerários.
Fontes:
DE MORAIS, Raimundo. Na Planície Amazônica Brasil – Brasil – São Paulo– Companhia Editora Nacional, 1936.
MORAES,Vinícius de.O Haver – Brasil – http://www.releituras.com/viniciusm_haver.asp.
Fonte: (*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM - RS);
Sócio Correspondente da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER)
Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS);
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com;
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