Terça-feira, 23 de abril de 2024 - 08h00
Bagé,
25.04.2024
Despedida
Caro amigo, meu eterno Comandante e Irmão
maçom General Padilha, queridos mestres e amigos.
Meus ex-alunos me perguntaram se eu estava
triste ao deixar o Velho Casarão da Várzea e eu respondi que não. Os laços da
família Reis e Silva com este augusto Casarão remontam oito décadas, são
eternos e transcendem quaisquer tipos de barreiras. O processo de transição, o
rompimento do cordão umbilical que me ligava a esta augusta casa foi
progressivamente se desfazendo aos poucos e culminou, em 2013, quando deixei a
cátedra para me dedicar totalmente à pesquisa das coisas e das gentes
amazônicas.
Ao empreender esta nova jornada eu levei
comigo o mesmo ardor e o mesmo desprendimento que dedicara aos meus alunos, mas
minha alma irrequieta buscava novos rumos, novos desafios, meu espírito ansiava
por desbravar novos horizontes e dar continuidade, ainda com mais afinco, ao
Projeto Desafiando o Rio-Mar que aqui nascera.
O Projeto apresentado, pela primeira vez,
neste mesmo salão, em 2008, e que contou com o apoio incondicional do corpo
docente não teve na época a sua importância reconhecida pelo DEP e pela DEPA.
Em 2013, porém, o “Vento xucro do meu
Pago” rompeu as fronteiras Rio-grandenses e resolveu arejar as instituições
de ensino da Força Terrestre mostrando a todos que apenas “Remexendo a cinza quente da nossa História distante” podemos
crescer como Nação e para isso temos de nos valer de pesquisadores. Nosso
projeto, finalmente, passou a ser tratado como de interesse da Força Terrestre
e, por isso mesmo, minha contratação como Prestador de Tarefa passou de “Professor”, para “Pesquisador”. Na época era Vice-Chefe do DECEx (antigo DEP) o meu
caro amigo, colega de turma, irmão maçom e ex-aluno desta casa, Gen Antônio
Hamilton Martins Mourão, hoje Comandante Militar do Sul.
Em março deste ano, ainda como membro desta
instituição de ensino, concluímos nossas amazônicas jornadas ao chegar a
Macapá, Capital plantada na formidável Foz do Mar Dulce. Jornada essa que, como
cada uma das anteriores, reverenciou mais um grandioso vulto de nossa história,
desta feita um quase desconhecido gaúcho de Jaguarão o Dr. Joaquim Caetano da
Silva, herói do Contestado Franco Brasileiro. Permitam-me, por favor, uma breve
consideração a respeito de meu homenageado. O Professor e Ministro Paulino José
Soares de Sousa Neto, na
primeira etapa do translado dos restos mortais de Joaquim Caetano, em
03.10.1953, antes dos mesmos serem enviados a Macapá,
assim se pronunciou:
“Não foi ele um poderoso do mundo, nem
soldado, nem desbravador de mares ou de selvas; nem capitão de indústria ou
senhor de engenhos e de escravos: não cortejou a popularidade, – ao contrário –, nem exerceu o poder e,
no entanto, se aqui e agora, oitenta anos depois de sua morte, de corpo
presente, diante da urna que guarda seus despojos, lhe reverenciamos a memória,
é que na mais pura acepção “carlyliana” do termo, ele foi um herói
representativo da nacionalidade, porque, no fundo, a história dos povos é a própria história dos grandes homens que,
num momento dado, neste ou naquele setor das atividades humanas, puseram a
vida, o coração e a inteligência a seu serviço. Deram de si à Pátria e nisto
reside toda diferença que separa os heróis dos falsos heróis, que da Pátria
retiram em vez de dar, que a título de exaltá-la, se exaltam a si mesmos e
fazem-na de trampolim vistoso a vaidades, cobiças e ambições”.
Cada uma de minhas amazônicas jornadas foram
de puro encantamento onde naveguei e deixei-me navegar na ciclópica Bacia do
Rio das Amazonas, mas como reza o velho adágio “santo de casa não faz milagre” e nosso trabalho, que sempre
procuramos vincular à Força Terrestre como um todo e ao CMPA em particular,
repercutiu e foi laureado, inclusive no exterior, não conseguiu conquistar o
coração e mentes de alguns empedernidos companheiros. O projeto
multidisciplinar que não teve maiores repercussões aqui no Velho Casarão foi
abraçado de corpo e alma por estabelecimentos de ensino da serra gaúcha; no Estado
do Amazonas (em Tefé, Coari e Manaus) e no Estado do Pará (em Santarém, Monte
Alegre e Prainha).
Desde o início de maio deste ano, graças aos
Generais Mourão e Etchegoyen integramos o Comando Militar do Sul e foi nesta
condição que concluímos, mês passado, nossas jornadas pelos Mares de Dentro
realizando a inédita Circunavegação da Laguna dos Patos.
Parto sem levar no convés a tristeza, mas
certamente o desalento, não carrego na bagagem a saudade, pois meus ex-alunos
são hoje meus amigos e alguns meus Mestres. Sigo, porém, minha nova rota
preocupado com as ondas de través que tem golpeado sem cessar o casco dessa
formidável instituição nas últimas décadas.
Sofri aqui alguns graves percalços, alguns
gestores da educação causaram-me sérios constrangimentos tornando esta
despedida menos traumática. O golpe derradeiro foi quando me proibiram de dar
aulas nos finais de semana e feriados para meus alunos. Nem eu, nem meus
discípulos, entendemos a irracionalidade da medida e parti para uma solução
alternativa, sem contrariar a execrável ordem recebida, ministrei aulas nas
residências de meus educandos. Senti, naquele momento, que estava no lugar
errado, que estava incomodando os acomodados de plantão. Os valores que eu
tanto cultuava estavam sendo sistematicamente olvidados e relegados a um
segundo plano.
Mês passado, felizmente eu já não exercia
mais nenhuma atividade no Colégio Militar, mais uma desagradável surpresa.
Publiquei uma série de 12 artigos retratando a biografia de Rondon que
completou seu sesquicentenário no dia 5 de maio próximo passado. Recebi dezenas
de e-mails de todo país solicitando uma cópia da série completa porque, neste
ou naquele estabelecimento de ensino, os verdadeiros e compromissados Mestres
estavam preocupados em homenagear o maior sertanista da história da humanidade.
Theodore Roosevelt que conviveu longo e angustiante período com o indômito
sertanista afirmou:
“O Coronel Rondon tem, como homem, todas
as virtudes de um sacerdote, é um puritano de uma perfeição inimaginável na
época moderna; e, como profissional, é tamanho cientista, tão grande é o seu
conjunto de conhecimentos, que se pode considerar um sábio. Quanto mais eu o
conhecia e o estudava, em meio da contemplação da grandeza do Brasil, mais me
firmava na ideia de que essa grandeza não era maior do que a do filho ilustre
desse recanto prodigioso da Natureza”.
A mídia nacional e mesmo internacional deu a relevância
merecida ao aniversário de nosso consagrado Marechal da Paz e, em consequência,
achei que isto, naturalmente, deveria estar sendo feito no meu amado Colégio −
descobri angustiado que não. Parece que o culto e o respeito pelos grandes
heróis de nossa nacionalidade não tem mais lugar no nosso Velho Casarão. Para
reforçar minha indignação posso afirmar que o próprio Rondon, um fervoroso
positivista, acreditava que devíamos cultuar os mortos pelo legado que deixaram
para o progresso da humanidade. O filósofo francês Augusto Comte, uma das
colunas mestras da Sociologia e pai do Positivismo afirmava categoricamente
que:
“Os vivos são cada vez mais
necessariamente governados pelos mortos”.
Desculpem meu desabafo.
Antes de encerrar gostaria de expressar minha
gratidão, primeiramente, a quatro grandes Comandantes que tive a honra e o
privilégio de servir nesta casa que foram os Generais Vasconcelos e Padilha e
os Coronéis Contieri e Piaggio. Cada um deles teve a compreensão, a sabedoria
e, sobretudo, a coragem de me apoiar mesmo quando os Escalões Superiores
obstaculizavam algumas de nossas atitudes ou iniciativas e o que é mais
importante tiveram a humildade de levar em consideração a opinião dos veteranos
Mestres. Como reza um provérbio chinês:
“Os sábios aprendem com os erros dos
outros, os tolos com os próprios erros e os idiotas não aprendem nunca.”
Obrigado meus velhos Mestres, cuja geada do
tempo já lhes branqueou o cerro, pelo exemplo de amor à causa da educação e
pelas belas lições de vida. Agradeço aos amigos e amigas com os quais tive a
honra e o privilégio de conviver prazerosamente nestes quinze anos.
Meus caríssimos alunos, cada lembrancinha,
foto ou mensagem enviada por vocês ocupa um lugar muito especial reservado aos
meus troféus. Lembro com regozijo das mensagens desesperadas pelo “Orkut” e depois pelo “Face” às vésperas das provas solicitando
a resolução de um problema, dos telefonemas me cumprimentando pelo aniversário
que acontece durante as férias escolares, das amáveis manifestações de
carinho... São gratas recordações que levo no meu cockpit junto aos meus kits
de sobrevivência. Digo a vocês que durante toda minha vida e, em especial, como
oficial de engenharia, tive de aprender a superar limites, improvisar, criar e
isso sempre causou irritação aos indolentes. Meus queridos alunos, jamais se
acomodem ‒ incomodem, não desistam de seus projetos, persistam, sejam
criativos, afastem-se da mesmice.
Tenham sempre em mente a frase “Navegar é preciso; viver não é preciso”
proferida por Pompeu, o Grande. Na oportunidade Pompeu incitava seus
amedrontados marinheiros a embarcar, partir para a guerra e enfrentar os
inúmeros desafios dos Mares em suas frágeis naves. Os amantes das águas e os
antigos argonautas tem consciência da profunda significação destas palavras.
Seu verdadeiro sentido transcende o cotidiano dos mortais comuns, navegar, mais
do que viver, é participar da construção da história da humanidade seja pelos
feitos, descobertas ou simplesmente pela capacidade de sobrepujar desafios.
Pompeu reporta que é necessário que cada um de nós, na esfera de suas
atribuições, seja um protagonista e não um mero coadjuvante.
Obrigado
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989);
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Vice-Presidente da Federação de Canoagem de Mato
Grosso do Sul;
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS);
Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO);
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS);
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola
Superior de Guerra (ADESG);
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN);
Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós
(IHGTAP)E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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