Domingo, 13 de setembro de 2015 - 08h59
Hiram Reis e Silva (*), Bagé, RS, 09 de setembro de 2015
O Novo Argonauta
(José Agostinho De Macedo)
[...] Então, toldado o líquido Horizonte
De acasteladas nuvens, brame o vento,
Soa o rouco trovão, lança a tormenta
Sobre um mar outro mar, sorvem-lhe as ondas
O convulso Baixel, de novo aos ares
As encruzadas ondas o vomitam:
Em hórrida peleja os Elementos
Em cada vaga a sepultura mostram. [...]
Já enfrentei, nas lagoas e lagunas litorâneas das minhas plagas gaúchas, águas procelosas, com ondas de até três metros de altura, arrostei chuvas torrenciais, furiosos vendavais, três ciclones extra-tropicais, com serenidade, sem pânico graças à minha espartana formação. A doutrina recebida de meu pai – meu primeiro Comandante – e de meus antigos mestres e instrutores militares tanto do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) como de minha excelsa Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) contemplava, em primeiro ligar, a Honra e o culto aos princípios fundamentais da Hierarquia, Abnegação, Determinação, Disciplina e, sobretudo, a manter o “Foco na Missão” sob as mais adversas condições.
Além deste viés guerreiro que me permite enfrentar longas jornadas dispensando o conforto e levando na bagagem apenas uma férrea autodisciplina e uma serenidade capaz de enfrentar a dor e os inúmeros desafios em viagens que ultrapassam nove horas de remo diárias existe outro mais importante ‒ o monástico, místico mesmo. Ao navegar “com meus” diletos mananciais em busca da “Terceira Margem do Rio”, por vezes ultrapasso o Portal do Conhecimento, volta e meia vejo muito além do Véu de Ísis, vez por outra acesso o Registro Akáshico, consigo desvendar o desconhecido do meu íntimo e a entrar em contato com o Criador.
Partindo solitariamente muito antes do amanhecer tenho a rara oportunidade de me embrenhar nos sutis meandros aquáticos, de imergir literalmente no momento mágico que é o alvorecer de um novo dia. A admirar a uniformidade da flora que vai aos poucos ganhando novos contrastes, novas cores, novas luzes, numa invulgar manifestação que apresenta progressivamente a pujança extrema desta biodiversidade única da “terra brasilis”. A fauna acorda preguiçosa e lentamente entoa uma ode maravilhosa sob a regência do astro rei, fantásticos e diversificados tons emitidos pelas mais distintas gargantas, irmanadas, porém, numa sinfonia ímpar acompanhada de longe pelo gutural e melancólico ronco dos bugios. Nestas horas, meu coração e minha mente seguem a par e passo as estrofes da “Litania das Horas Mortas” de Antonio Francisco da Costa e Silva, o Príncipe dos Poetas Piauienses e autor da letra do Hino do Piauí.
Litania das Horas Mortas
(Antonio Francisco da Costa e Silva)
Por estas horas de silêncio e solidão,
Eu gosto de ficar só com o meu coração
É nestas horas de prazer quase divino
Que eu me sinto feliz com o meu próprio destino.
Por estas horas é que a cisma me conduz
Por estradas de treva e caminhos de luz.
É nestas horas, quando em êxtase medito,
Que sinto em mim a nostalgia do infinito.
Por estas horas, quando a sombra estende os véus,
A fé me leva além dos mais remotos céus.
É nestas horas de tristeza e de saudade
Que desperta em meu ser a ânsia da Eternidade.
Por estas horas, minhas naus ousam partir
Para Istambul, para Golconda, para Ofir...
É nestas horas, Noite amiga, em teu regaço,
Que eu me difundo pelo Tempo e pelo Espaço.
Por estas horas eu somente aspiro ao Bem,
Que em vida se tornou minha Jerusalém.
É nestas horas, quando o espírito descansa,
Que me depões na fronte o teu beijo, Esperança!
Por estas horas é que eu sinto florescer,
Como os astros no céu, o jardim do meu ser,
É nestas horas de quietude que deponho,
Ó Noite! em teu altar, minha lâmpada — o Sonho.
Por estas horas é que eu gosto de sonhar,
Para ter ilusões brancas como o luar.
É nestas horas de mistério e beatitude
Que a Glória me fascina e a Poesia me ilude.
Por estas horas de tranqüila e doce paz,
Quanta serenidade o espírito me traz!
É nestas horas, quando a treva se constela,
Que ouço o teu canto nas estrelas, Filomela!
Por estas horas, a minh’alma anseia por
Teu encanto, Ventura! e teu engano, Amor!
É nestas horas de tristeza e esquecimento
Que eu gosto de ficar só com o meu pensamento.
Por estas horas eu me julgo Parsifal
Para ir pela renúncia à conquista do Graal.
É nestas horas que, como um eco profundo,
Repercute no meu o coração do mundo.
Por estas horas transitórias e imortais
Se desvanecem minhas dúvidas fatais.
É nestas horas de harmonia indefinida
Que eu tento decifrar o teu enigma, Vida!
Por estas horas, meu instinto morre, com
A intenção de ser justo, o anseio de ser bom.
É nestas horas de fantástico transporte
Que eu busco interrogar a tua esfinge, Morte!
Por estas horas, eu me enlevo assim, porque
Vela no lodo humano a luz que tudo vê...
Por tuas horas silenciosas, benfazejas,
Deusa da Solidão, Noite! bendita sejas!
Fonte: MACEDO, José Agostinho de. O Novo Argonauta‒ Portugal ‒ Lisboa ‒ Oficina de A. Rodrigues Galhardo, 1809.
Fonte: (*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
Assessor do Comando Militar do Sul (CMS);
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM - RS);
Sócio Correspondente da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER)
Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS);
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com;
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