Domingo, 24 de novembro de 2019 - 08h48
No livro Descendo
o Amazonas ‒ Tomo III comentei que os repórteres da “Revista Manchete”, n° 1.422, de 21.07.1979 encontraram, em um
pequeno cemitério no Jari, uma cruz tombada, com uma suástica, marcando o local
onde fora enterrado o alemão Joseph Greiner, membro de uma “Expedição Científica Germânica” à região
amazônica, que ali falecera em 02 de janeiro de 1936. Vamos reproduzir, atendendo
pedido de um dileto amigo, na íntegra, três interessantes artigos publicados
pela mídia nacional a respeito da reais intenções da expedição nazista que, na
década de 30, passou desapercebida pelos editores da “Gazeta de Notícias” e do “Correio
Paulistano”, mas que, anos mais tarde, mereceria especial atenção da
Revista Super Interessante apresentando-nos a manobra maquiavélica arquitetada
nos subterrâneos da cúpula nazista.
Gazeta de Notícias, n° 187
Rio de Janeiro, RJ –
Sexta-feira, 09.08.1935
Na Véspera
da sua Sensacional Expedição ao Jari
Fala à “Gazeta de Notícias” o Jovem Cientista
Alemão Sr. Schulz-Kampfhenkel, que Pretende Estudar as Nossas Florestas com o
Auxílio
de um Pequeno Avião
Uma Viagem
que Mereceu da Legação Brasileira em Berlim os mais Francos Aplausos e que
o Governo do Reich Oficializou
G |
azeta de Notícias teve ontem ensejo de
avistar senhor Schulz-Kampfhenkel, que em breve, em companhia dos srs. Gerd
Kahle e Krame pretende realizar uma excursão de estudos zoológicos à zona do
rio Jari, no Estado do Pará.
O sr. Schulz-Kampfhenkel é uma expressão
brilhante da moderna geração, essa geração que ora está surgindo cheia de vida
e de coragem, disposta a levar de roldão todos os obstáculos que ainda estão
entravando a marcha da civilização. Tem vinte e poucos anos, mas fala várias
línguas, possui uma biografia cheia de triunfos e já é um nome conhecido e
acatado nos meios científicos europeus. Logo que abandonou os bancos escolares,
a sua paixão pela zoologia levou-o aos mais afastados rincões da África, numa
viagem que ficou célebre.
Os resultados dos seus estudos no
hinterland africano deram-lhe tal prestígio que o governo do Reich resolveu
oficializar a sua, próxima viagem ao Jari, cujas derradeiras notícias
científicas datam de 1891 e cuja maior parte ainda permanece desconhecido da
humanidade.
Nas Vésperas da sua Arriscada Aventura
Palestrando com o repórter da “Gazeta de Notícias” o sr.
Schulz-Kampfhenkel disse o seguinte:
Dediquei-me,
desde há anos, à ciência, e com especialidade ao estudo da fauna das matas
virgens tropicais. Para esse fim, com a ajuda do Jardim Zoológico de Berlim
realizar uma viagem de estudos, que me levou para as grandes florestas virgens
da Libéria, na África, Ocidental. Viajando pelos grandes rios que percorrem
aquela região, veio-me a ideia de que o emprego de pequenos aviões em tais
viagens devia ser de real vantagem. Assim, de volta à Berlim, tratei de me
fazer piloto, ao mesmo tempo que estava ocupado com a verificação exata dos
resultados de minha primeira viagem. Não tardei em receber os diversos brevês
de aviador, depois de um treinamento intenso, e então achei chegado o momento
para iniciar os preparativos para uma nova viagem em que empregaria o avião,
podendo dessa maneira verificar a exatidão das minhas teorias sobre o valor da
aviação nas viagens científicas. Como a Amazônia conta entre as partes
cientificamente mais interessantes do globo, possuindo uma das mais ricas
faunas do mundo, resolvi experimentar as minhas teorias naquelas zonas, e dessa
maneira começaram os preparativos para a primeira viagem de estudos zoológicos
em que será empregado um pequeno avião com flutuadores.
A Miragem Sedutora da Amazônia
O nosso ilustre entrevistado prossegue:
Como já
frisei, o território da Amazônia constitui uma das zonas florestas mais ricas e
zoologicamente mais interessantes do mundo. Outra razão que me levou a escolher
a Amazônia para campo dos meus estudos foi o excelente acolhimento, e o real interesse
que encontrei em prol dos meus planos por parte da Legação brasileira em
Berlim.
Assim, não
hesitei em formular, por intermédio do Ministério das Relações Exteriores do
Reich, um pedido às autoridades brasileiras para a necessária licença, tanto
mais quando o governo do Reich, interessando-se igualmente por meus planos,
concedeu-me os auxílios financeiros que garantem a execução do empreendimento.
A época, favorável para os estudos zoológicos é a estival, que se estende até
janeiro. Assim, para não perder tempo, arrumei as malas e fiz-me de viagem para
Belém do Pará, onde deixei os meus companheiros Gerd Khale e Krause entregues à
arrumação da bagagem. Tomando passagem para o Rio, aqui estou a fim da
apresentar-me ao governo, e renovar-lhe pessoalmente, o pedido de licença, de
bom acolhimento de meus planos e de ajuda moral em favor desse importante
trabalho da cooperação científica teuto-brasileira. O sr. governador do Pará e
as autoridades daquele Estado nortista, bem como as daqui receberam-me com a
máxima gentileza e, assim espero, uma vez conseguida a licença aqui no Rio,
retomar à Belém dentro de poucos dias, por via aérea, para, iniciar as meus
trabalhos.
Os Objetivos Científicos da Sensacional Viagem
O jornalista faz várias perguntas ao sr. Schulz-Kampfhenkel,
curioso por saber detalhes acerca do seu avião e dos objetivos da viagem:
O meu avião é um pequeno aparelho desportivo, de dois lugares. O comprimento de 8 metros das asas classifica-o entre os menores aviões que existem. A máquina está provida de flutuadores e tem um raio de ação máximo de duas horas de voo. Esses característicos impedem que ele seja empregado para grandes voos de exploração, destinando-se, apenas, à verificação da via fluvial que a nossa canoa, com a bagagem terá de percorrer. Outrossim, pretendo empregar o avião para o reabastecimento com víveres e material científico de acordo com as necessidades de nossa caravana.
Quanto aos
objetivos científicos especiais da viagem, devo frisar que eu e os meus
companheiros somos zoologistas e auxiliares científicos de zoologia, com os
respectivos cursos especializados. Assim. pretendemos estudar a vida animal “In loco”, de preferência a dos
mamíferos, anfíbios e répteis. Os resultados desses estudos biológicos serão
publicados numa monografia científica, que certamente interessará os círculos
da ciência brasileira e alemã. Outrossim, pretendemos facilitar à imprensa de
ambos os países a publicação continua de nossos diários a fim de darmos conta
do nosso trabalho a um círculo mais vasto possível do público leigo. Não quero
concluir essa pequena exposição sem a declaração sincera, e faço-o com especial
satisfação, de que jamais em outras partes do mundo e nas minhas viagens de
estudos tive recepção tão amável e atenciosa como no Pará e aqui na linda
Capital do Brasil o que me enche de esperanças da que dessa íntima colaboração
com as autoridades brasileiras, resultem novos valores culturais apreciáveis
para ambas as nações. (GAZETA DE NOTÍCIAS, N° 187)
Correio Paulistano, n° 25.155
São Paulo, SP – Domingo,
13.03.1938
Uma
Expedição Alemã ao Jari
Como o
Chefe-Piloto Gerd Kahle Relata as Peripécias da Acidentada Viagem ‒ O Interesse
Demonstrado pelo Marechal Goering,
Ministro da Aeronáutica da Alemanha
BERLIM, 11 [Transocean] ‒ [Especial para o
“Correio Paulistano”] ‒ A expedição
alemã ao Jari é descrita na edição matutina do “Berliner Tageblatt”, de hoje, pelo chefe da organização, piloto
Gerd Kahle, que focalizou seus aspectos mais pitorescos.
Diz o sr. Gerd Kahle que se trata da
primeira penetração na direção norte-sul, pelo Jari. Eram membros da expedição
Schults-Krampfhenkel, Gerd Kahle, G. Krause e o jovem Joseph Greiner, a única
vítima que a febre não poupou. Os expedicionários permaneceram em plena
floresta amazônica durante 17 meses a fio.
Gerd Kahle e Kampfhenkel já eram amigos
antes de partir para a aventura da expedição ao Amazonas. Conheceram-se há
cerca de 5 anos, quando aprendiam a voar. O estudante de zoologia Schultz-Kampfhenkel
é um dedicado amador do esporte aviatório e o aviador profissional Gerd Kahle é
caçador apaixonado. Os dois juntos se completavam para a arrojada aventura. O
ministro da Aeronáutica da Alemanha, Marechal Goering, informado dos projetos tios
dois jovens audaciosos, pôs um hidroavião “Heinkel”
à disposição do piloto Gerd Kahle, avião esse que foi o principal elemento da
expedição.
O Relato do Chefe Piloto
O expedicionário-escritor conta: ‒ Nossa
primeira tarefa, de início, consistiu em buscar uma entrada para penetrar na
mata virgem do Jari, onde antes de nós nenhum homens branco jamais pisara. Essa
mata estava marcada no mapa que levávamos da região por uma mancha branca. A
penetração era praticamente impossível. Os rios que cortam a mata do Jari são
traiçoeiros e ninguém ao certo conhece seu curso de modo perfeito. As árvores,
os troncos, que descem ao sabor da corrente águas abaixo, impedem uma tentativa
de descida do nosso “Heinkel” com
grandes probabilidades de êxito.
Não obstante, tentamos e vencemos. Foi o
nosso aviãozinho, o mais moderno meio de locomoção, que apareceu naquelas
longínquas paragens, despertando a quietude da floresta brasileira ao ruído do
seu motor. Desembarcamos com todas as precauções requeridas pela situação. Iniciamos
desde logo a instalação na orla da floresta e nos preparamos para penetrar no
coração da grande mata virgem.
O serviço cartográfico que realizamos
tomou-nos meio ano de trabalho. Fixamos a posição de dois rios e localizamos
uma tribo de índios. Só então nos foi possível iniciar a “viagem” em um pequeno bote que nós mesmos construímos.
No Rio de Janeiro nos haviam afirmado que
naquela região do Jari não havia mais índios selvagens. Disseram-nos que as
tribos dali haviam desaparecido há muitos anos, dizimadas pelas epidemias
completamente. Assim, foi com surpresa que encontramos os primeiros entes
humanos tão distantes de qualquer aglomeração civilizada. E então se iniciou
uma das fases mais interessantes da expedição ‒ a vida ao lado desses
indígenas.
Participamos da sua existência, assistimos
às suas festas no mais autêntico colorido. Foi assim que conseguimos filmar
momentos do mais vívido interesse que ontem todo Berlim viu e apreciou na sua
primeira passagem pelos cinemas da nossa capital. Também fixamos cantos índios
em discos de gramofone, do mais curioso efeito musical. Esses índios
fizeram-nos compreender que éramos os primeiros homens brancos que haviam
penetrado naquela zona e os primeiros que eles viram.
Devo dizer que os selvícolas brasileiros
não nos receberam precisamente com manifestações de jubilo. Ficámos muito tempo
em observação, sob a aguçada desconfiança dos índios. A ligação entre nós e
eles se fez lentamente. Entretanto, devo dizer que se tratam de índios bem inteligentes.
Um feliz acaso nos favoreceu. O nosso
companheiro Joseph Greiner, que conosco partira do Rio, sabia falar
perfeitamente o português. Os índios que nos acompanharam como remadores do
nosso barquinho, compreendiam alguma coisa de português e nos fizemos
compreender sem grandes dificuldades por intermédio de Greiner. Mas, os índios
da mata eram outros, diferentes dos remadores e nada, absolutamente nada
entendiam de português.
Nunca tinham ouvido falar em homem branco.
Acontece, porém, que descobrimos um deles que deixara a tribo, há tempos
passados, para trabalhar numa fazenda distante, segundo nos disse mais tarde.
Ali, em contato com a família do
fazendeiro, aprendeu algumas palavras de português Esse pequeno cabedal
serviu-nos muito. Lembrava-se ele de certas expressões e palavras e fomos para
diante. Desse início partimos em conquista dos índios.
Conquista pacífica, já se vê. Pouco tempo
depois os principais da tribo conheciam palavras portuguesas e o entendimento
entre nós melhorou dia a dia. Foi mesmo ao ponto dos índios aprenderem palavras
alemãs!
É curioso notar que esses selvagens não têm
nenhuma vontade de se civilizar. Não se interessaram por nossos fuzis e nossos
aparelhos científicos. Não mostraram nem mesmo curiosidade de conhecê-los ou
possuí-los. Parece que preferem ficar afastados da civilização...
Gerd Kahle conta, em seguida, um episódio
que quase ia custando a vida nos expedicionários. Arrojadamente, ele e seus
companheiros quiseram realizar um voo no pequeno hidroavião que há tanto tempo
não se fazia ouvir no zumbido “civilizado”
do seu motor. Levantaram voo sobre a floresta. Mas, talvez empolgados pela
magnificência do espetáculo, esqueceram que a gasolina se consumia rapidamente.
Em dado momento o motor deu sinal. O combustível chegava ao fim. Em baixo era a
floresta enorme infindável, um imenso oceano verde. Nem o menor sinal de um
rio. Nenhum regato apontava entre as árvores. A situação era de quase
desespero.
Todos os tripulantes já haviam feito
mentalmente o testamento quando surgiu entre o verde da floresta um fio d’agua,
um pequeno riozinho cheio de troncos de árvores que desciam a corrente e
tornavam difícil a descida. Mas, não havia remédio. Era tentar ou cair na
floresta!
A tentativa foi realizada e o avião desceu
regularmente na água torrentosa. Mas, dali não passou. Os troncos não permitiam
qualquer movimento. Não sabiam como sair da situação. Estavam todos na angústia
da espera de algum “milagre” quando
surgiram na volta da corrente as canoas indígenas. Os selvícolas, atraídos pelo
ruído do “Heinkelzinho” se
aproximavam.
Um deles, que estava só na sua canoa, fez
sinal aos expedicionários que o seguissem. A pequena embarcação apenas coube
para tanta gente. Pouco depois, civilizados e selvícolas chegavam ao acampamento
indígena.
A expedição estava salva. Tratava-se agora
de voltar ao acampamento primitivo a fim de prover o avião de combustível. Foi
outro capítulo movimentado dessa aventura que terminou tão felizmente e que
hoje todo Berlim comenta com simpatia. (CORREIO PAULISTANO, N° 25.155)
Super Interessante
São Paulo, SP – Terça-feira, 21.11.2017
O Plano
Nazista para Roubar a Amazônia
[Emiliano Urbim]
Conheça o “Projeto Guiana”, o Plano Alemão de
Invadir a Maior Floresta do Mundo
que Incluía a Construção de Hidrelétricas
e a Exploração de Minerais
Em um cemitério de Laranjal do Jari, no Amapá, uma
sepultura se destaca. Trata-se de uma cruz de madeira com dois metros de
largura, três de altura e suástica no topo. Abaixo do símbolo nazista, palavras
em alemão informam:
Joseph
Greiner faleceu aqui em 2-1-36 de morte febril em serviço de exploração para a
Alemanha. Expedição Jari, 1935-1937.
Durante 17 meses, alemães exploraram o afluente do
Amazonas com fins científicos – entre eles, Greiner. E seu líder, Otto
Schulz-Kampfhenkel, foi além: elaborou um plano de invasão e colonização da
Amazônia pelo norte do Brasil, que foi apresentado aos comandantes do Terceiro
Reich. Se o seu Projeto Guiana tivesse vingado, o Amapá seria invadido por
soldados de Hitler.
Schulz-Kampfhenkel, nascido em 1910, era geógrafo,
explorador, escritor e produtor de filmes. Em 1931, aos 21 anos, liderou uma
expedição à Libéria, na África, de onde levou vários animais [vivos e mortos]
para o Zoológico de Berlim e colecionadores.
Seu livro sobre a empreitada fez sucesso, e o jovem
Otto ganhou moral entre os nazistas, recém-chegados ao poder e interessados em
mandar pesquisadores para os quatro cantos do planeta. Sim, aqueles vilões dos
filmes do Indiana Jones têm um fundo de verdade. Heinrich Himmler, chefe da SS,
a tropa de elite nazista, tinha predileção por excursões exóticas.
Principalmente se visse nelas relação com suas pirações
ocultistas: Himmler acreditava que, com os pesquisadores certos, provaria a
existência de Atlântida e do martelo de Thor e sua conexão com as origens da
tal “raça ariana”. O chefe da SS
bancou expedições para lugares como Tibete, Antártida e Cáucaso. Obedientes, os
pesquisadores sempre voltavam com supostos indícios que reescreviam a história
segundo as teorias nazistas.
Em 1935, Schulz-Kampfhenkel foi encarregado da
Expedição Jari: além de buscar indícios de arianos na América do Sul, mapearia
a região. O geógrafo, que nesse meio tempo havia se tornado aviador, veio com
outros dois pilotos: Gerd Kahle e Gerhard Krause.
Sem se preocupar com excesso de bagagem, o trio trouxe
11 toneladas de suprimentos, munição para 5 mil tiros e um avião. Os alemães
chegaram ao Rio de Janeiro em junho, mas perderam dois meses enredados em
labirintos burocráticos. Apoio oficial não faltava: naquela época, militares,
cientistas e membros do governo Vargas expressavam sua admiração pelos novos
rumos da Alemanha.
Os exploradores precisavam de alguém versado no
jeitinho brasileiro e chegaram ao marinheiro Joseph Greiner, um
Auslandsdeutscher [alemão criado no exterior]. Havia anos no Brasil, Greiner
ficou encarregado das bagagens, alimentação e contratação de mão de obra local.
A imprensa saudava a empreitada. Em 9 de agosto de
1935, o jornal carioca “Gazeta de
Notícias” publicou uma matéria em que “a
Sensacional Expedição ao Jari” recebia “os
mais francos aplausos”. Schulz-Kampfhenkel era descrito como “uma expressão brilhante da moderna geração
que ora está surgindo cheia de vida e coragem, disposta a derrubar os
obstáculos que entravam a marcha da civilização”. A voz contrária foi de
Curt Nimuendaju, alemão que vivia em Belém trabalhando para o Serviço de
Proteção aos Índios, atual Funai. Considerado por Darcy Ribeiro “o pai da antropologia brasileira”, ele foi convidado a se juntar aos pesquisadores,
mas recusou.
Motivo: odiava
nazistas.
Os alemães trouxeram o avião para fazer fotos aéreas.
Quando a aeronave pifou, o jeito foi exigir o máximo de seus caboclos para
percorrer longas distâncias a pé – o Jari, rio raso e com fundo repleto de
pedras, era de difícil navegação. Para chegar até a fronteira com a Guiana
Francesa, destino final dos alemães, foi preciso contar com o serviço de tribos
locais.
Os pesquisadores acabaram desenvolvendo uma relação
próxima com os índios Aparaí. Segundo algumas fontes, até próxima demais:
Schulz-Kampfhenkel teria engravidado uma índia.
Com o tempo, a selva foi cobrando seu preço. O calor
era imenso, a chuva, paralisante. Todos tiveram malária, Schulz-Kampfhenkel
desenvolveu difteria e uma febre misteriosa acabou matando Greiner,
posteriormente homenageado com a cruz.
Ao final da expedição, em 1937, os pesquisadores
enviaram para a Alemanha peles de 500 mamíferos diferentes, centenas de répteis
e anfíbios e 1.500 objetos “arqueológicos”
– aspas porque tratava-se de uma arqueologia fraudulenta que buscava reescrever
a história segundo os nazistas. Além disso, foram produzidas 2.500 fotografias
e 2.700 metros de filme 35 mm, que resultariam no documentário Rätsel der
Urwaldhölle [“Enigma da Selva Infernal”],
que Otto lançou em 1938 junto com um livro de mesmo nome. Com muitas imagens e
precisas descrições de paisagens, a obra vendeu incríveis 100 mil exemplares na
época.
Conquista e Colonização
A expedição científica, apesar de pouco conhecida,
nunca foi segredo. A revelação é que aquela empreitada inspirou um plano
nazista para ocupar parte da Amazônia – usando o Brasil como porta de entrada.
A estratégia concebida por Schulz-Kampfhenkel é detalhada no livro Das
Guayana-Projekt – Ein deutsches Abenteuer am Amazonas, [“O Projeto Guiana – Uma Aventura Alemã no Amazonas”, sem edição
brasileira], de Jens Glüsing, correspondente da revista alemã Der Spiegel no
Brasil.
O geógrafo best-seller, recém-filiado à SS, bolou o
plano de conquista ao voltar para a Alemanha. Com a 2ª Guerra estourando em
1939 e os nazistas empilhando vitórias, viu a oportunidade de voltar à
Amazônia. Desta vez, no entanto, como conquistador das três Guianas: a
Francesa, a Holandesa [hoje Suriname] e a Britânica [hoje simplesmente Guiana].
No documento, Schulz-Kampfhenkel afirmava: “a tomada das Guianas é uma questão de primeira
importância por razões políticoestratégicas e coloniais”. Os soldados
nazistas entrariam pela região que ele conhecia, onde hoje é o Amapá.
A conquista começaria sem alarde: uma tropa de 150
homens subiria o Rio Jari para chegar a Caiena, capital da Guiana Francesa. Ao
mesmo tempo, pequenas embarcações e dois submarinos atacariam a costa da Guiana
Britânica. Situada entre esses dois territórios, a Guiana Holandesa cairia na
sequência. Uma vez dominada, a região serviria como base para um futuro ataque
ao Japão via Canal do Panamá – curiosamente, os EUA não entravam na equação.
Na avaliação do pesquisador, nenhum dos países vizinhos
impediria a invasão – como argumento, citava o apoio que recebeu durante sua
primeira viagem no Brasil. Para ele, aquilo não era assunto de sul-americanos,
mas de europeus, uma simples troca de colonizadores.
O pesquisador ainda argumentava que a baixíssima
densidade demográfica e sua amizade com as tribos locais garantiria a conquista
germânica. “O plano parece romântico, mas
é factível”, defendeu Schulz-Kampfhenkel. No livro em que revela a
estratégia do compatriota, Glüsing escreve que o nazista não queria apenas
participar da invasão; ele sonhava em governar a futura Guiana Alemã.
O documento parece ter circulado dentro da SS. Em
03.04.1940, um oficial chamado Heinrich Peskoller escreveu uma carta para
Himmler dizendo que Adolf Hitler deveria tomar as Guianas por seu subsolo. “Na Guiana Britânica, a extração de ouro e
diamante é mantida em baixa para não atrapalhar o mercado sul-africano
[dominado também por ingleses].
Nas mãos do
Führer, cada metro quadrado de solo poderia ser em pouco tempo explorado pela
grande Alemanha”, escreveu o oficial.
“O empenho e a técnica alemã poderiam
domar as inúmeras cachoeiras na forma de usinas hidrelétricas colossais. Todo o
país teria bondes, navegação fluvial, produção de madeiras nobres, pontes,
aeroportos, escolas e hospitais. A comparação entre antes e depois da tomada
dos alemães contaria pontos para o Führer”.
Apesar de chegar até os altos escalões da SS, o Projeto
Guiana nunca saiu do papel. Naquele verão de 1940, os nazistas tinham todas as
suas atenções voltadas para a Europa Ocidental. Com Holanda e França ocupadas
pelos alemães, suas colônias [o que incluía Guiana Holandesa e Francesa]
estavam automaticamente sob domínio de Hitler.
Na visão triunfante dos alemães, assim que vencessem a
guerra na Europa, bastaria vir até a América tomar posse dos territórios. Como
sabemos, não foi assim. O fracasso no front soviético e o desembarque dos
americanos na França fez com que qualquer plano de soldados nazistas circulando
em nossas selvas fosse abortado. Já Otto Schulz-Kampfhenkel teve um final de
guerra agitado.
Com outros cientistas, formou uma tropa de elite de
pesquisadores a favor do nazismo. Fazendo fotos aéreas e analisando terrenos,
passou pelo Deserto do Saara, Itália, Grécia, Iugoslávia, Finlândia, Polônia e
Ucrânia. Em 1945, foi preso pelas forças americanas, sendo solto no ano
seguinte. Foi para Hamburgo, onde produziu filmes, escreveu livros e fundou o
Institut für Weltkunde in Bildung und Forschung [Instituto de Formação e
Pesquisa de Ciência do Mundo]. Funcionando até hoje, a instituição fornece
material de ensino de geografia para escolas alemãs.
O Projeto Guiana, Passo a Passo
1. Entrando discretamente pela Foz do Amazonas,
150 soldados alemães subiriam o Rio Jari para tomar a capital da Guiana
Francesa, Caiena.
2. Pequenos barcos e dois submarinos avançariam
pela costa da Guiana Britânica.
3. O passo seguinte seria o domínio da Guiana
Holandesa.
4. A região serviria como base para patrulhar o
Atlântico e atacar a Ásia. (SUPER INTERESSANTE, 21.11.2017)
Fontes:
CORREIO PAULISTANO, N°
25.155. Uma Expedição Alemã ao Jari –
Brasil – São Paulo, SP – Correio Paulistano, n° 25.155, 13.03.1938.
GAZETA DE NOTÍCIAS, N° 187. Na Véspera da sua Sensacional Expedição ao
Jari ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Gazeta de Notícias, n° 187,
09.08.1935.
MANCHETE, N° 1.422. Isto Está Acontecendo na Amazônia ‒ É o Projeto Jari ‒ Brasil ‒ Rio
de Janeiro ‒ Revista Manchete, n° 1.422, 21.07.1979.
SUPER INTERESSANTE,
21.11.2017. O Plano Nazista para Roubar
a Amazônia ‒ Brasil ‒ São Paulo, SP ‒ Super Interessante, 21.11.2017.
Solicito
Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel
de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador,
Escritor e Colunista;
·
Campeão do
II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
·
Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
·
Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
·
Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
·
Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
·
Presidente
da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
·
Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
·
Membro do Instituto
de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
·
Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
·
Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
·
Comendador
da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
·
Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
·
Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
·
E-mail:
hiramrsilva@gmail.com.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H