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Gente de Opinião

Hiram Reis e Silva

Expedição Centenária R-R – 2ª Fase (VI Parte)


Expedição Centenária R-R – 2ª Fase (VI Parte) - Gente de Opinião

Hiram Reis e Silva, Bagé, RS, 09 de dezembro de 2015.

Não estranhes se, às vezes, sentires que os animais estão mais apegados a ti do que teus semelhantes. Eles também são teus irmãos. (Francisco de Assis)

Tapirapoã ‒ Pesqueiro do Lídio (26.10.2015)

Partimos de Tapirapoã, margem esquerda do Rio Tenente Lira, às 09h55 montados em nossos muares, dando início a uma jornada bastante diferente da navegação dos 194 km que percorrêramos desde Cáceres pelos Rios Paraguai e Tenente Lira e muito mais humana já que em vez do ruído e poluição provocados pelos motores de popa nos deslocaríamos no dorso de animais. O ritual, que se repetiria no início da manhã e da tarde das duas semanas seguintes, consistia em colocar os animais em forma orientados pelo cavalinho polaqueiro e pelo “Boi” – Chefe da Comitiva de muares. O “Boi” colocava o freio e o buçal nos animais e nos entregava os mesmos para que os arreássemos. Fazíamos rodízio dos animais substituindo a montaria usada na parte da manhã por uma descansada à tarde, de manhã eu montava a Bolita e à tarde o Roxinho.

Logo depois de partirmos de Tapirapoã, adentramos na MT-339. A comitiva seguia tranquilamente pela estrada de chão quando surgiu um pequeno contratempo provocado por um garanhão negro que provavelmente encantado com a formosura das mulas pulou uma cerca elétrica tumultuando o andamento da comitiva. O imprevisto foi sanado graças à intervenção rápida e um tiro de laço preciso de nosso amigo “Boi”. O fogoso corcel fujão foi levado, então, de volta ao cercado e continuamos nossa jornada.

Fizemos duas paradas para descanso, uma por volta do meio-dia no Sr. Valdomiro (14°45’13,2” S / 57°46’07,8” O) e outra às 16h00. Entre a primeira e segunda parada desmontei e puxei o Roxinho pelo cabresto com o intuito de descansar as pernas durante uma hora. Na última parada paramos em um bar (14°44’49,8” S / 57°46’08,6” O) para beber um refrigerante gelado – o calor era insuportável. Logo em seguida, entramos na MT-426 e depois de cavalgarmos por quarenta minutos caiu uma chuva torrencial forçando-nos a fazer uso das capas de chuva. A velha capa de lona dura que estava na garupa do Roxinho estava suja de sangue e fedia demais. Bastante contrariado usei-a não com o objetivo de me proteger da chuva, mas para preservar os arreios e os pelegos. Chegamos ao Pesqueiro do Lídio (14°42’14,3” S / 57°49’24,3” O) localizado na margem esquerda do Rio Tenente Lira depois de cavalgarmos 24 km. As mulas foram soltas em um terreno cercado e com muito capim. Para nós, infelizmente, foi disponibilizado apenas um celeiro cheio de sacas de milho sobre os quais dormimos.

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Pesqueiro do Lídio ‒ Distrito de São Jorge (27.10.2015)

Partimos às 08h20, depois da formatura matinal da comitiva. A cavalgada pela manhã transcorria sem alteração até que uma das mulas começou a apresentar sinais de estar sofrendo fortes cólicas ‒ estancando e rolando constantemente. O animal deve ter comido alguma erva para ela desconhecida e agora padecia de indigestão. No dia seguinte, felizmente já havia se recuperado do mal-estar. Fizemos, por volta das 12h00, uma parada no sítio da simpática família do Sr. Ciro. Deitamos à sombra de um babaçu (Orbignya phalerata) de quase vinte metros de altura asfixiado cruelmente por uma figueira. O tronco estava tão tomado pela trepadeira que só me dei conta de que se tratava da elegante palmeira depois de verificar uma grande quantidade de seus característicos cocos espalhados pelo chão. A maioria dos exemplares que avistamos na região estava tomada pelas figueiras que Theodore Roosevelt, em 1914, descrevera magistralmente.

Expedição Centenária R-R – 2ª Fase (VI Parte) - Gente de Opinião

Em um capão, as figueiras estavam asfixiando as palmeiras assim como na África matam os pés de sândalo. À sombra desse capão não havia flores nem arbustos. O ar era pesado, o solo escuro coberto de folhas secas. Cada palmeira servia de suporte a uma figueira que apresentava todos os estágios de desenvolvimento. As mais novas subiam pelos estípites (caules das palmeiras) como simples trepadeiras. No estágio seguinte, a trepadeira já encorpada estendia seus rebentos, envolvendo o tronco em um amplexo mortal; alguns destes abraçavam-no como tentáculos de enorme polvo. Outros pareciam garras, cravadas em cada fenda, em torno de qualquer saliência. No estágio que a este se sucedia, a palmeira já fora morta e seu esqueleto sem vida aparecia entre os fortes braços da grossa trepadeira nela enroscada; afinal, em outros casos, a palmeira já desapareceu e as grossas hastes se uniram para formar uma grande figueira. Havia negros poços d’água aos pés das árvores mortas e de suas assassinas. Algo de sinistro e diabólico pairava na penumbra silenciosa do capão, como se, naquele ermo, seres conscientes estivessem envolvendo e estrangulando outras criaturas conscientes. (ROOSEVELT)

Apuizeiro (phicos fagifolia)

Navegando e me deixando navegar pelo Rio-mar, penetrando suas entranhas, explorando igarapés, igapós, lagos, furos e paranás, numa intimidade ancestral, colhi impressões, focalizei paisagens, e interpretei os fenômenos da prodigiosa natureza que me acalentava no seu ritmo telúrico. Mergulhado na hiléia, vivenciei uma experiência singular, mista de encantamento, respeito e devoção. A selva guarda no seu seio imagens únicas de infinitos matizes. Os gigantes da floresta, sisudos, imponentes irradiam sua secular sabedoria. Sua diversidade tem impressionado ingênuos cronistas nos últimos 500 anos e seus segredos vêm sendo desvendados pelos obstinados desbravadores e apaixonados naturalistas, extasiados diante de sua exuberância. A imersão no útero da mãe terra estimula e amplia os sentidos mais sutis. Cada ente mineral, animal ou vegetal se transforma num catalisador desse processo mágico. Começamos a ter uma percepção maximizada e atemporal da realidade que nos envolve com o seu sagrado manto verde. Dentre as inúmeras formas que impressionaram minha retina e estimularam minha imaginação, uma delas marcou meu inconsciente não apenas por sua beleza, mas sobretudo pela energia e pela crueldade que se esconde por detrás de cada tentáculo do apuizeiro (phicos fagifolia), que sufoca progressivamente a árvore hospedeira até matá-la.

A descrição do autor Raymundo Moraes deste belo exemplar de fícus é a mais completa e a mais real que já tive, até hoje, a oportunidade de ler, repercuto alguns parágrafos:

(…) o apuizeiro, de tamanho reduzido, a brotar da entrecasca, da coroa, do nódulo, da forquilha, de qualquer parte enfim da árvore onde a terra, levada pelos alísios e pelos pássaros, tenha formado um pequenino vaso de madeira viva – assemelha-se a qualquer raminho inocente, obra ornamental e decorativa da jardinaria japonesa. Camuflado de arbusto, aparentemente fraco, sem a menor importância, o perigoso inimigo não deixa adivinhar a rijeza tremenda de suas antenas, a ação envolvente e compressora de seus fios maravilhosos, plásticos, estranguladores. (…) como no caso bíblico, de David de Golias, aqui o mais forte não é o maior, mas o mais ágil, do que tem na funda belicosa a pedra pronta e certeira. E o pequeno apuizeiro, quando joga, pela força dos ventos, o bago da sua semente ao peito abroquelado dos colossos da mata, não revive somente as santas escrituras, sintetiza também a verdade cientifica do “de natura rerum” (sobre a natureza das coisas), vagamente surpreendida, antes dos naturalistas do século XX, pelo olho poético de Lucrécio (poeta e filósofo latino). (MORAES)

Voltemos à nossa parada no sítio do Sr. Ciro. As pequeninas filhas do Sr. Ciro nos presentearam com saborosas mangas coração de boi. As frutas tinham pouca fibra, eram grandes e arredondadas, apresentavam uma casca de tonalidade vermelho escura e uma polpa tenra e aromática. A esposa do Ciro preparou-nos um delicioso almoço e o Ciro mostrou-se visivelmente indignado quando o Dr. Marc, parece que esquecido da generosa hospitalidade brasileira, ofereceu-lhe dinheiro em troca.

Depois de cavalgarmos vinte e cinco quilômetros, chegamos ao Distrito de São Jorge. Tentamos, sem sucesso, conseguir, com os moradores, um local cercado para as mulas e por fim resolvemos deixá-las nas proximidades do galpão paroquial que ficava atrás da Escola perto do “redondo” um local cercado ideal para abrigar os quatro burros fujões. Na secretaria da Escola a coordenadora Professora Ângela fez uma prece desejando sucesso à nossa empreitada. Por estes estranhos desígnios do destino, logo que desfizemos aquele simulacro de “Cadeia de União” vimos aproximar-se do Portão de entrada do Colégio o Sargento Matheus YURI Vicente Cândido (chefe da viatura) e o Soldado Paulo ÉDER Pereira Dias (motorista e cozinheiro) conduzindo a viatura Agrale Marruá do 2°BFron. Acantonamos, eu o Angonese e o Dr. Marc, na Escola Estadual Ministro Portella Nunes (14°39’41,7” S / 57°56’42,1” O) e o restante do pessoal pernoitou no Galpão Paroquial.

Cadeia de União: os termos cadeia e prisão são sinônimos e, portanto, “Cadeia de União” quer dizer “prisioneiros de um amor fraterno universal”, lembrando que os maçons encontram-se presos aos seus Irmãos na solidariedade do bem comum e do crescimento espiritual. Quando da formação da “Cadeia de União”, o contato mental é instantâneo, o que quer dizer: nenhum “elo” permanecerá isolado e fora do todo, tendo essa formação mental e a Palavra Semestral o dom mágico de unir elos esparsos. (www.revistauniversomaconico.com.br)


Expedição Centenária R-R – 2ª Fase (VI Parte) - Gente de Opinião
 

Distrito de São Jorge ‒ Aldeia Jatobá (28.10.2015)

Partimos por volta das 09h30, depois de participarmos de diversos eventos promovidos pelo Diretor da Escola Estadual Ministro Portella Nunes – Professor Antônio Carlos da Silva. A jornada, de 16 quilômetros, foi tranquila e chegamos à Aldeia Paresí Jatobá (14°36’04,0” S \ 58°02’00,5” O) por volta das 15h00. Uma hora antes de chegar à Aldeia eu havia desmontado e relizado o percurso a pé. Na chegada conheci a Srª Nair ‒ Cacique da Aldeia Jatobá, com quem fiquei conversando demoradamente. Permita-me uma pequena divagação.

Em 2004, eu adquirira o livro “Tesouro Descoberto no Máximo Rio Amazonas”, de autoria do Padre João Daniel (1758-1776), e ficara extasiado com a riqueza de detalhes daquela verdadeira Enciclopédia Amazônica considerada, pelos aficionados, como a “Bíblia Ecológica da Amazônia”. Um texto, em especial, despertou minha atenção considerando que sou fascinado pelos mitos da criação dos povos indígenas:

Entre os mais Rios e Ribeiras que recolhe o Tapajós é um o Rio Cupari, a pouca mais distância de três dias e meio de viagem da banda de Leste no alegre sítio chamado Santa Cruz; é célebre este Rio, mais que pelas suas riquezas, de muito cravo, por uma grande lapa feita, e talhada por modo de uma grande “Igreja”, ou “Templo”, que bem mostra foi obra de arte, ou prodígio da natureza. (...) A tradição, ou fábula, que de pais a filhos corre nos índios (Mundurukus), é que ali moraram, e viveram nossos primeiros pais, de quem todos descendem, brancos e índios; porém que os índios descendem dos que se serviam pela porta, que corresponde às suas Aldeias, e que por isso saíram diferentes na cor aos brancos, que descendem dos que tinham saído pela porta correspondente à Foz, ou Boca do Rio. (DANIEL)

Barbosa Rodrigues, Gonçalves Tocantins e Henri Coudreau mencionam nos seus relatos, sobre a Cosmogania Munduruku, uma certa Maloca Acupari (Cupari) e a raças que se originaram de suas cavernas ou fendas.

Um dia, diz a lenda Munduruku, os homens apareceram sobre a terra. Ora, os primeiros homens que os animais das florestas viram por entre as selvas e as savanas foram os que fundaram a Maloca de Acupari. Certo dia, entre os homens da Maloca de Acupari, surgiu Caru-Sacaebê, o Grande Ser. (...) Em seguida, olhando para as plumas que plantara em redor da Aldeia, ergueu a mão de um horizonte ao outro. A este apelo, moveram-se as montanhas, e o terreno onde se localizava a antiga Maloca tornou-se uma enorme caverna. (...) Aí, como Pompeu, bateu com o pé no chão. Uma larga fenda se abriu. O velho Caru dela tirou um casal de todas as raças: um de Munduruku, um de índios (porque os Munduruku não pertencem à mesma raça que os índios, mas são de uma essência superior), um casal de brancos e um de negros. (COUDREAU)

Depois de uma incursão fluvial e duas terrestres consegui finalmente, reconhecer e georeferenciar, aquele local como o Berço da Humanidade reportado pelo povo Munduruku. Baseado em sutis relatos de mais de dois séculos do Padre João Daniel e pretéritas lendas Munduruku consegui identificar, em primeira mão, um sítio que embora fosse conhecido pelos locais não era relacionado como o famoso Berço da Humanidade. O Padre e pesquisador Sidney Canto, que tinha participado de nossa malsucedida empreitada fluvial rumo ao Berço da Humanidade, emocionou-se muito chegando a verter lágrimas quando tomou conhecimento de nosso achado.

Artigo Redescobrindo o Berço da Humanidade:

http://www.gentedeopiniao.com.br/noticia/redescobrindo-o-berco-da-humanidade/118601

Filmete do Berço da Humanidade:

Voltemos agora à Aldeia Paresí Jatobá. A Cacique Nair fez um breve relato do Mito da Criação Paresí:

Nos tempos pretéritos só existiam Enorê (divindade máxima) e um casal de filhos. Um dia, quando os filhos tinham ido buscar água, ouviram um estranho rumor e sentiram a terra tremer. O ruído vinha de uma pequena fenda em uma rocha próxima a uma ponte natural de pedra sobre o Rio Sucuruiná, um dos afluentes do Rio do Sangue.

Rio do Sangue: Timalatiá, em Paresí, os índios o chamavam de Sacre, já que tinham dificuldade de verbalizar a palavra Sangue. (Hiram Reis)

Apenas um Paresí tinha saido, até então, da fenda e dançava embalado pelo som de flautas sagradas (jararacas), só depois de um beija-flor entrar pelo buraco e afirmar ser o mundo exterior muito bonito e agradável que Wazáre – o herói mítico (ou heroína mítica), determinou aos animais que aumentassem o buraco permitindo a saída de todos. Wazáre apresentou ao povo Paresí o novo mundo ensinando-lhes a arte da caça, da pesca e a identificar plantas e frutos comestíveis. Wazáre foi, também, quem batizou os corpos celestiais, os acidentes naturais e os elementos da fauna e da flora. Wazáre, depois de todas estas obras, realizou uma grande festa na qual apresentou aos Paresí um agradável jogo chamado o Xikunahity (Head-Boll, por Roosevelt ou Cabeçabol pelos locais) em que os atletas usam uma bola manufaturada com o látex de mangaba. (CACIQUE NAIR)

Outra característica marcante dos Paresí é o xikunahity, um jogo disputado pelos homens, que consiste em arremessar a bola de mangaba com um golpe de cabeça. É bem parecido com o futebol, porém a bola não pode ser tocada por outra parte do corpo a não ser pela cabeça. (FIGUEIREDO)

Bola de Mangaba

Relata Rondon (1909):

As bolas empregadas neste jogo são feitas pelos próprios índios: sobre um pedaço de madeira, ligeiramente côncava, estendem uma camada de leite de mangabeira. Quando esta ganha consistência, retiram a película que então se formou e, dobrando-a sobre si mesma, fazem aderir as duas folhas por meio de compressão digital, tendo o cuidado de deixar uma pequena abertura. Por esta sopram, até obter uma bola pouco menor que a de futebol. Vedam, depois, este furo, fazendo aderir os seus bordos e vão passando sobre a superfície da bola, já formada, camadas de latéx fresco, que, secando, aumentam a espessura da parede. (VIVEIROS)

Xikunahity

Relata Theodore Roosevelt (1914):

Pois o caso é que esses índios Paresí jogam animadamente “futebol” com a cabeça. O jogo é exclusivamente deles, pois nunca ouvi ou li que fosse usado por outra tribo ou povo. Usam uma bola oca e leve, de borracha, por eles mesmo fabricada. É esférica, com cerca de 30 centímetros de diâmetro. Os jogadores formam dois partidos, colocados de modo semelhante aos do rugby e a bola é colocada no solo, ao ser iniciado o jogo, como no futebol. Então um jogador se adianta a correr, atira-se de barriga ao solo e com uma cabeçada atira a bola para o outro grupo. Esta primeira batida, quando a bola está no solo, nunca a levanta muito, e ela rola e pula para o lado dos contrários. Um destes corre para a bola e, com uma marrada, devolve-a aos da parte adversa. Em geral esta segunda cabeçada levanta a bola, e ela volta em curva alta em pleno ar; um jogador do lado oposto então corre e apara a bola com tal impulso do pescoço musculoso, e tal precisão de destreza, que ela volta para o outro lado como a de couro quando é chutada muito alta. Se a bola vai para um lado, é trazida de novo e recomeça o jogo. Muitas vezes é rebatida de um para outro campo uma dúzia de vezes, até que seja impelida tão alto que passe sobre as cabeças dos adversários, caindo atrás deles. Ouve-se então a gritaria de alegre triunfo dos vencedores e o jogo recomeça com renovado prazer. É claro que não existem regras como num clássico jogo de bola dos nossos, mas não vi desavenças. Os jogadores podem ser oito ou dez, ou maior número, de cada lado. A bola não pode ser tocada com as mãos ou os pés, ou qualquer coisa, exceto o alto da cabeça. É difícil saber o que seja mais digno de admiração, se o vigor e destreza com que a bola é devolvida, quando vem alta, ou a rapidez e agilidade com que o jogador se projeta de cabeça no solo para rebater a bola que vem baixa. Não posso compreender como não esborracham o nariz. Alguns jogadores dificilmente falhavam a cabeçada para devolver a bola que chegava a seu alcance, e com forte impulso ela voava, numa grande curva, em distância realmente de admirar. (ROOSEVELT)

Mito da Criação Paresí

O mito da criação colhido por pesquisadores ao longo dos séculos apresentam, porém, diferentes versões. A tradição oral foi, sem dúvida, contaminada ao longo dos tempos por lendas de outras etnias e pela dinâmica imaginação de seus protagonistas. Karl Von Den STEINEN, médico e antropólogo alemão, pesquisador da Universidade de Berlim, na sua obra “Entre os Aborígenes do Brasil Central”, ao explorar a região no final do século XIX, fez o seguinte comentário sobre a cosmogonia Paresí:

O primeiro ser chamava-se Uazalê (Vazalé, Wazáre ou Uazaré) uma mulher sem marido. Embora se desconheça sua origem, sabe-se que era uma rocha com a forma humana. Naqueles remotos tempos não havia mananciais hídricos nem terra até que certo dia Uazalê tomou um pedaço de madeira e introduziu-o na vagina, dando origem a um Rio de águas muito barrentas – Rio Cuiabá, em seguida, mais adiante, surgiu um Rio de águas muito claras – Rio Paresí. Daí em diante foram surgindo todas as demais coisas no mundo – outros Rios, Lagos, terras, elementos da flora, da fauna e os seres humanos.

Os fragmentos míticos sobre a origem da humanidade Paresí colhidos pelo médico e antropólogo Edgard Roquette-Pinto durante a viagem científica da Comissão Rondon à Serra do Norte, de julho a setembro de 1912, e do  Major José de Lima FIGUEIREDO, oficial do Exército que participou de várias expedições comandadas por Rondon, na sua obra “Índios do Brasil”, por sua vez, apresentam versões diferentes da apresentada pelo etnólogo alemão. Assim relata FIGUEIREDO a origem Paresí:

Lendas da Gênesis do Homem ‒ O Sucuruiná, afluente do Rio do Sangue (Rio Sacre), é um dos tributários do Juruena que com o Teles Pires formam o caudaloso e majestoso Tapajós de águas azuladas. O ponto onde o picadão da Linha Telegráfica corta o Rio citado é conhecido por Ponte de Pedras. De fato há ali uma obra d’arte construída pelo Sublime Artista. O Rio exercendo o trabalho erosivo cavou na rocha artística arcada que, a guisa de ponte, abarca as duas margens do curso d’água. Em Ponte de Pedras os autóctones localizaram o cenário onde Enorê criou o homem. Pela sua bela lenda se depreende que Enorê cortou um tronco, deu-lhe a feição humana e plantou-o no sombrio solo da floresta, metamorfoseando-o em homem com o auxílio de uma varinha com a qual ele batia no lenho. Para que o homem não vivesse triste, pelo mesmo processo Enorê fez o sublime ser que todos adoram seja qual for a raça: a mulher. Deste casal inicial nasceram dois casais gêmeos: Zaloiá, homem, Hohólailê, mulher; Kamaiarê e Uhainariaú. Um dia Enorê chamou o primogênito Zaloiá e, num feixe luminoso projetado do céu, ele fez exibir uma casa de pedra, uma espingarda, um boi e um cavalo. Mudou o écran (ecrã – quadro) para outra direção e mostrou-lhe: um vastíssimo campo onde o veado e a ema experimentavam a velocidade de suas pernas; uma casinha de palha, o arco e as flechas. Dirigindo-se ao filho do Adão indígena indagou:

–  Qual preferes? A casa de pedra ou a de palha? Zaloiá preferiu viver no prado, morando na sua choça de palha, onde descansaria das fadigas adquiridas na caça da onça e do veado. Achou a espingarda muito pesada e não aceitou o boi e o cavalo, por sujarem muito o terreiro.

O que Zaloiá rejeitou, Enorê deu a Kainaihorê, seu irmão, dizendo-lhe:

–  “Tu serás branco”.

E levou-o para as nascentes do Jauru. Assim explicam os indígenas Paresí a formação das raças. (FIGUEIREDO)

O Paresí Ivânio Zekezokemae no TCC do Projeto Tucum ‒ Programa de Formação de Professores Índios para o Magistério faz um belo relato da origem do seu povo:

Deus vivia no mundo, apenas com dois filhos: Zokozokero e Emazahare. Deus mandou seus filhos para buscarem água no Rio. Quando os filhos de Deus chegaram no Rio, ouviram um barulho tremendo e ficaram com medo. E foram embora correndo. Não conseguiram pegar água. Quando chegaram na casa, o pai deles Deus lhe perguntou:

–  Por que não trouxeram água?

Aí responderam dizendo:

–  Ouvimos um barulho tremendo ficamos assustados de medo, por isso! Não existem outras gentes que vivem no mundo! Apenas somos nós que estamos vivendo no mundo.

Deus foi ouvir o barulho, aí acreditou que era verdade mesmo. Então, bateu na rocha e rachou. Daí as pessoas que estavam morando embaixo ele deixou desmaiadas. Aí sentiu que era uma multidão de inocentes. Deus as deixou e foi embora para casa.

Após isso, um passarinho saiu do buraquinho para fora. E viu um mundo muito lindo! Cheio de flores mais cheirosas e levou as flores para mostrar para as pessoas.

O passarinho voltou para embaixo da rocha e ficou muito triste. Então, perguntaram-lhe por que estava tão triste.

–  Conheci o mundo lindo, cheio de flores perfumadas. Portanto, gostaria que nós saíssemos daqui do fundo.

O grande líder, o homem da sabedoria, não acreditou e disse:

–  Eu tenho a sabedoria, imagino todas as coisas e nunca vi esse mundo que você conheceu.

O passarinho insistiu dizendo:

–  É verdade! Aqui estão as flores que tenho trazido de lá!

Expedição Centenária R-R – 2ª Fase (VI Parte) - Gente de Opinião

O Grande Líder mandou o pica-pau abrir mais o buraco para que pudessem sair. E assim começaram a caminhar por toda a região que os Paresi ocupam, colocando os nomes de rios, lagos, cabeceiras, localidades e nomes de animais. Fizeram os limites de cada espaço. Cada grupo Paresi: Waimare, Kaxiniti, Kozarini e Enomaniyere, sabe e conhece cada limite de seu território.

O nome do grande líder é Kamayhiye e Wamahaliti. O local de onde os grupos de Paresi saíram é Ponte de Pedra, região do Município de Campo Novo do Parecis. Até hoje existe o sinal. Lá é a história do Povo Paresi.

Pena que a exiguidade do tempo, mais uma vez, não nos permitisse reconhecer o importante sítio da Ponte de Pedras.

Mais tarde, depois do almoço, guiados pelo Márcio Carlos ‒ um simpático funcionário da FUNAI, fomos conhecer uma formosa nascente que brota de uma bela gruta que abastece uma das Aldeias através de uma roda d’água.
 

Expedição Centenária R-R – II Parte ‒ Fase I (Tapirapoã / Kamai)


Fontes:

COUDREAU, Henri Anatole. Viagem ao Tapajós– Brasil – Rio de Janeiro – Companhia Editora Nacional, 1940.

DANIEL, João. Tesouro Descoberto no Máximo Rio Amazonas– Brasil – Rio de Janeiro – Contraponto Editora, 2004.

FIGUEIREDO, Major José de Lima. índios do Brasil‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro ‒ Companhia Editora Nacional, 1939.

MAGALHÃES, Amílcar Armando Botelho de. Impressões da Comissão Rondon ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro ‒ Companhia Editora Nacional, 1942.

MORAES Raymundo – Na Planície Amazônica‒ Brasil ‒ São Paulo ‒ Livraria Itatiaia Editora Ltda ‒ Editora da Universidade de São Paulo, 1987.

ROOSEVELT, Theodore. Nas Selvas do Brasil‒ Brasil ‒ São Paulo ‒ Livraria Itatiaia Editora Ltda ‒ Editora da Universidade de São Paulo, 1976.

ROQUETTE-PINTO, Edgard. Rondônia‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro ‒ Companhia Editora Nacional, 1938.

STEINEN, Karl Von Den. Entre os aborígenes do Brasil Central‒ Brasil ‒ São Paulo ‒ Departamento de Cultura, 1940.

VIVEIROS, Esther de. Rondon Conta Sua Vida‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro ‒ Livraria São José, 1958.

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

Integrante do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM - RS);

Sócio Correspondente da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER)

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS);

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

E-mail: hiramrsilva@gmail.com;

Blog: desafiandooriomar.blogspot.com.br

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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