Quinta-feira, 21 de maio de 2020 - 06h00
Bagé, 21.05.2020
Vamos apresentar,
agora, uma série de artigos apresentando aos leitores a controvertida figura de
Solano López, considerado, pelos irmãos o paraguaios, como um “herói”. Novamente nos valemos de
escritores e jornalistas da época, como fontes primárias.
O advogado, professor,
magistrado, contista, cronista, poeta e memorialista Rodrigo Octavio de
Langgaard Meneses, nasceu em Campinas, SP, em 11.10.1866, e faleceu no Rio de
Janeiro, RJ, em 28.02.1944. Participou do grupo de escritores fundadores da
Academia Brasileira de Letras (ABL).
Estudou Direito na
Faculdade de São Paulo, formando-se aos 20 anos, em 1886. Foi nomeado, em 1894,
secretário da Presidência da República no governo de Prudente de Morais
(1894-1896) e, posteriormente, advogou até 1929, quando foi nomeado, pelo
Presidente Washington Luís, Ministro do Supremo Tribunal Federal, cargo em que
se aposentou em 1934.
Rodrigo Octavio
publicou na Revista Brasileira, em 1896, uma interessante biografia do tresloucado
líder paraguaio baseado na obra “Monografias
Históricas”, publicada em 1893, pelo Sr. D. Juan Silvano Godoy que fazemos
questão de repercutir.
O introvertido e antipático
Déspota tinha no carismático General José Eduvigis Díaz Vera um de seus
raríssimos amigos e confidentes.
TTTTTTTTTT
Revista Brasileira – Segundo Ano – Tomo
VI
Rio de Janeiro, RJ – 1896
TTTTTTTTTT
Sociedade Revista Brasileira
Homens e Coisas do Paraguai
TTTTTTTTTT
Solano Lopez e José Diaz
TTTTTTTTTT
Um ilustre literato e
homem público do Paraguai, que ultimamente esteve entre nós, o Sr.,
retirando-se para a sua terra, teve a gentileza de me oferecer o interessante
livro das “Monografias Históricas”
que publicou em 1893 na cidade de Buenos Aires. É um farto volume belamente
impresso e intercalado de fototipias, em que o autor reuniu vários capítulos do
história escritos em épocas diversas. É escusado dizer que a maior parte das
páginas do livro se ocupa da grande campanha Sul-americana em que a pequena e
valorosa república se empenhou com heroísmo impetuoso e fanático.
Não foi pois, sem
receio que tomei do livro para o ler. Era natural que fosse pouco agradável ao
amor próprio brasileiro, a leitura de episódios de nossa Guerra narrados por um
patriota paraguaio. É bem conhecida a “História”
de Thompson que mereceu a valente e vitoriosa contradita do bravo e malogrado
Senna Madureira. Breve, porém, se me dissipou tal expectativa. O autor, dotado
de notável espírito de justiça, soube reconhecer a bravura dos nossos soldados
e a tática dos nossos Capitães, como não deixou de assinalar os erros do seu
General e mesmo as culpas de seus oficiais, aliás de não contestado valor.
E muitas coisas
interessantes se respiga ([1])
no livro de D. Silvano Godoy. Especialmente, sobre as figuras proeminentes de
López e Diaz, encontrei pelas páginas das “Monografias
Históricas” informações e notas que oferecem bastante curiosidade ao leitor
brasileiro. Essas notas e informações forneceram os elementos para o estudo que
se vai ler.
I
Francisco Solano López,
Marechal do Exército do Paraguai, foi investido do supremo e absoluto poder em
sua terra natal por verba testamentaria manifestada em artigo de morte por seu
pai, Carlos Antonio López, que durante vinte anos exercera o poder
discricionário, conquistado após as perturbações que se seguiram, em 1841, à
morte do ditador José Gaspar Francia, cujo Governo, singular, retrógrado e
sanguinolento durara desde 1814...
A autoridade do
Marechal-Presidente era constituída pela soma dos poderes públicos que ele
enfeixava autoritariamente em sua vontade omnímoda ([2]),
prestigiada pela submissão incondicional e unânime de súbditos que cinquenta
anos de tirania haviam acostumado a obedecer. Nem o povo, nem a nação, nem
Deus, nesse país de religião, estavam acima dela.
López era o todo
poderoso. Nos quarenta templos espalhados pelo território da república o
sacerdote católico todos os dias pronunciava humilde, no momento santo do
sacrifício da missa, o nome augusto do moderno César, pedindo à providência
divina graças, honras e uma existência venturosa e longa para o General e
Senhor.
Assim, no espírito
inculto, quase selvagem do povo cuja educação primitiva foi obra exclusiva do
jesuíta, López não era somente o chefe temporal, visível, mas também elemento
necessário do culto religioso. Não havia, pois, receio de que conjurações e
shismas ([3])
pudessem vir perturbar essa tranquilidade onipotente contra a qual ninguém se
atrevia a revoltar-se mesmo em pensamento.
Ele era um autocrata
que governava sem parlamento, nem tribunais de justiça; por si só ditava as
leis e decidia os pleitos judiciários; era senhor da vida dos seus súditos e da
fortuna pública e particular, e os seus patrícios pagavam-lhe tudo isso com uma
confiança absoluta, uma sujeição sem limites; tendo todos a vida e os bens
pendentes dos lábios do ditador, estavam dispostos entretanto a sacrifícios sem
nome, não desejando senão penetrar em seu oculto pensamento, para correr à
morte com a impávida e serena vontade do estoico se assim ele quisesse.
López era a todos os
respeitos a primeira figura de sua terra. Em ilustração só lhe excedia D. José
Bergés, Ministro das Relações Exteriores no início da Guerra e que havia sido
plenipotenciário junto ao Governo Brasileiro.
O Paraguai nesse tempo
jazia no mais completo atraso cultural; não tinha um só estabelecimento de
ensino superior, apenas possuindo escolas de primeiras letras. Pode dar uma ideia
do seu deplorável estado a circunstância extraordinária de não haver a esse
tempo um só paraguaio advogado, médico ou engenheiro, nem um só homem de
ciência com título universitário.
A Solano López,
entretanto, não haviam faltado os elementos precisos para a cultura da nativa e
exuberante vivacidade intelectual.
Desde a mais tenra
idade, criado entre as adulações, as homenagens dos que formavam a Corte do
severo pai, não lhe faltaram carinhos e cuidados de todo o gênero.
Aos 18 anos, em 1846,
era General de Brigada e comandava um Exército de sete mil homens sob as ordens
superiores do General Paz.
Em 1853, na qualidade
de enviado extraordinário e Ministro Plenipotenciário acreditado junto às
cortes europeias, percorreu, dispondo de recursos ilimitados, as principais
capitais do velho mundo, acompanhado de numerosa comitiva.
Em Paris, sobretudo,
achou-se bem em meio das suntuosas festas da Corte imperial que o acolhia
festivamente nos esplêndidos salões das Tulherias.
Assim, em contato com
as sumidades da política europeia, e viajando com o espírito instintivamente
observador, López, sem dedicar-se com seriedade a estudos e práticas
universitárias adquiriu boa cópia de conhecimentos convenientes para o homem
que se destina ao Governo autoritário de uma nação.
No velho mundo, cercado
da atmosfera oficial que lhe criava a sua posição singular, em meio dos
cortejos e pompas das festas dos paços de reis e imperadores, avolumou-se nele
o desmarcado orgulho, a ambição desarrazoada que constituíam os predicados
principais do seu espírito.
Sobre todos os vultos
da humanidade o vulto de Napoleão I impressionava-o principalmente.
Perdia-se durante
longas horas, esquecido sob o dourado Zimbório ([1])
dos Inválidos ([2]),
na contemplação absorta do túmulo marmóreo do grande capitão. Era nessas
contemplações místicas que a imaginação doentia se desdobrava nas perspectivas
incoerentes de grandezas e poderio que lhe atormentavam o espírito febril. Ora
via-se ele o fator da homogeneidade republicana em todo o solo da livre
América; ora não se contentava já com ser um Cônsul vitalício, absoluto e todo
poderoso; ambicionava mais... Bonaparte, também Cônsul e poderoso, ambicionou
mais e fez-se imperador; Luiz Napoleão, príncipe e presidente de um grande
pais, também ambicionou mais e fez-se imperador... Por que não faria ele outro
tanto?...
II
Em 16 de outubro de
1862 assumiu a presidência da República.
Entrava nos planos da
acentuação de sua autoridade ante o mundo civilizado uma grande Guerra. O
Império do Brasil tinha a hegemonia da América do Sul. O Brasil era pois o
inimigo, natural. Desde os primeiros dias do seu Governo a preocupação da
Guerra o dominou; mandou desde logo construir na Europa três encouraçados e
adquirir cinquenta canhões modernos. Tudo serviria de pretexto.
O “ultimatum” do plenipotenciário brasileiro, Conselheiro Saraiva, ao
Governo da República Oriental do Uruguai motivou do Governo do Marechal López o
protesto de 30.08.1864. Estava lançada a luva, e a 12.11.1864, deu-se o
apresamento, no porto de Assunção, do “Marquês
de Olinda” a cujo bordo seguia o Coronel Carneiro de Campos, novo
Presidente do Mato Grosso que morreu prisioneiro tendo sofrido as mais duras
provações.
Após esse ato de
hostilidade que nenhum princípio autorizava, o Marechal rompeu as relações
diplomáticas com o Império, com fundamento na ocupação por forças imperiais da
cidade do Mello capital do Departamento Oriental de Cerro-Largo, conforme reza
a nota do Ministro de Estrangeiros D. José Bérges ao Sr. Vianna de Lima,
plenipotenciário do Brasil.
Dois dias antes,
10.11.1864, López havia reunido no acampamento do Cerro Leon os notáveis de
Assunção, entre os quais figuravam os personagens mais importantes da
hierarquia civil, militar o eclesiástica, e submetera à consideração da
assembleia, pela última vez, a grave questão do momento.
Pela undécima vez a
seleta reunião manifestara unanimemente a afirmação de que a Guerra era
necessária e imprescindível.
De entre todos, um
homem apenas conservara-se reservado e silencioso, sem proferir uma palavra, se
bem que houvesse aderido à resolução final da assembleia. Esse homem era o
Ministro das Relações Exteriores, D. José Bérges, ilustrado cidadão e o
personagem de mais respeito e competência nos negócios do Estado; era dotado de
apreciáveis qualidades pessoais que lhe haviam granjeado a maior consideração
no conceito de todos.
Esse homem ilustre que
não se deixara arrastar pela vertigem sanguinolenta que transviava todos os
espíritos nessa época sombria de sua terra, calava, profundamente comovido, no
fundo da alma desolada de patriota, a certeza do desastrado insucesso da
temerária empresa em que a nação ia ser caprichosa e cegamente empenhada.
D. José Bérges havia
sido plenipotenciário no Rio de Janeiro e conhecia perfeitamente os
extraordinários recursos de que poderia dispor o Império na eventualidade de um
conflito internacional, e não duvidava do resultado inevitável da campanha.
Calou, porém, dentro do
peito tudo o que o conhecimento real das coisas lhe ditava; conhecia tão bem a
tenebrosa situação histórica da sua terra que compreendia que a manifestação
sincera do seu pensamento, a externação franca de seu conselho privaria por
certo a nação de serviços que ele estoicamente considerava que lhe seriam muito
precisos no período difícil em que ela ia entrar, para que os fosse comprometer
sem proveito opondo-se a uma resolução a que fatalmente arrastaria a desvairada
exaltação dos ânimos.
López porém, conhecia o
modo de pensar do seu ilustre Ministro.
E é curioso saber-se
agora que no correr da campanha o ditador processou e fuzilou todos os
principais funcionários que lhe aconselharam a declaração da Guerra e cujos
nomes guardava cuidadosamente em uma lista, não excluindo mesmo seus dois
irmãos e cunhados e o que é mais, o próprio D. José Bérges.
Dissolvida a reunião,
López até alta noite indeciso e preocupado passeou, completamente só pelos
sombrios corredores do Quartel General. Nessas longas horas de tenebrosa
meditação a cabeça febril do Presidente deveria ter sido teatro de uma luta
desesperadamente travada entre a razão serena, calma e vidente e a ambição
impetuosa, sôfrega e desvairada. Uma circunstância ocasional determinou talvez
a resolução desastrada de López. A madrugada o veio surpreender na terrível
insônia. O clarim da casa da ordem ressoou estridente e musical, levando os
acordes matutinos ao dormido acampamento. Logo outros clarins responderam, e
outros e outros ainda, e os tambores vieram juntar ao concerto original o
acompanhamento monótono dos seus rufos marciais.
Em pouco, no meio dessa
música desencontrada, que sucedeu ao longo silêncio mortal daquela noite sem
fim, o Corpo de Exército formava-se em frente à casa em que, ignorado, velava o
Presidente e as fanfarras marciais estrugiram em meio dos vivas e aclamações
entusiásticas levantados ao General e que se foram repetindo, como o
desdobramento de um eco fantástico, de Divisão em Divisão, de Corpo em Corpo,
às derradeiras linhas dos últimos Batalhões. López, nesse momento conteve com
as mãos ambas no peito o coração palpitante. O inesperado espetáculo acabava de
lhe transviar a exaltação ambiciosa. A Guerra estava resolvida. (REVISTA
BRASILEIRA, 1896)
Bibliografia:
REVISTA
BRASILEIRA, 1896. Homens e Coisas do
Paraguai – Solano Lopez e José Diaz – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista
Brasileira – Sociedade Revista Brasileira – Segundo Ano – Tomo VI, 1896.
Solicito
Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Zimbório:
espaço onde se alojam os astros.
[2] Carta 253 –
Hotel dos Inválidos.
Paris. Fui hoje visitar o Hotel Real dos
Inválidos. Este magnifico edifício foi levantado por Luiz XIV, para os antigos
militares. Mais de dois mil velhos guerreiros ai gozam de um retiro honroso e
de um tratamento conforme a seus postos respectivos. O Zimbório dos Inválidos é
considerado como uma obra prima, e também a igreja é belíssima. Cada soldado
tem no jardim uma porção sua de terreno de que ele mesmo trata, ai é que ele
vai fumar seu cachimbo e beber sua garrafa de cerveja. É um espetáculo
grandioso ver esses velhos guerreiros rabugentos, mutilados a maior parte
deles, cobertos todos de cãs, com o rosto sulcado de cicatrizes, gozando enfim
de um descanso comprado tão caro.
De ordinário, é um Marechal da França que é
o governador dos Inválidos. Os doentes são tratados pelos médicos os mais
hábeis.
A entrada dos Inválidos é defendida por um
largo fosso e guarnecida de peças. Os velhos soldados é que estão encarregados
de dar as salvas de alegria, e experimentam uma espécie de felicidade ao cheiro
dessa pólvora que ainda lhes lembra seus anos de juventude. Adeus, (NOVO
SECRETÁRIO, 1874)
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H