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Hiram Reis e Silva

Francisco Solano López – Parte III


Francisco Solano López – Parte III  - Gente de Opinião

Bagé, 25.05.2020

 

V

 

Penetrando no alojamento do Marechal, Diaz veio interromper uma profunda meditação que já durava horas.

 

Depois da entrevista em que se malograram todas as suas perspectivas, López tinha inexoravelmente tomado a resolução desesperada de lutar até o último instante e sucumbir por fim, mas depois de aniquilados completamente os seus Exércitos, morto o último soldado, postas em ruína todas as cidades e aldeias de sua pobre terra, refugiado com todos os habitantes que lhe restassem, mulheres e crianças, nos mais longínquos páramos ([1]) desertos onde não houvesse ainda pisado a planta humana.

 

Com Diaz conversou por longo tempo e sobre tudo lastimava que Mitre houvesse entrado em acordo com o Imperador em relação à política internacional.

 

Nada mais pois, havia a se esperar dele, a cujo respeito, verificava agora, quanto se tinha iludido. Sentia profundamente que o General argentino o privasse da glória de levar a termo o grande ideal do Libertador Simão Bolívar, expelindo para o outro lado do Atlântico a única testa coroada que maculava a democracia americana e o que o General Alvear não tinha conseguido fazer na memorável ação de Ituzaingó.

 

Por fim, López referiu a Diaz que Mitre lhe havia anunciado para antes do fim da semana como ele já havia previsto ([2]), um ataque decisivo por terra combinado com as Forças Navais, e o encarregou de ativar e dirigir pessoalmente as fortificações de Curupaití. Não se havia enganado López. As Forças Aliadas, a 22 de setembro, dez dias após a conferencia do Yataity-Corá, ofereceram a formidável Batalha a que as fortificações do Diaz conseguiram opor uma resistência invencível.

 

Foi uma ação sanguinolenta desastrada em que o estoico heroísmo das nossas Forças valorosamente sucumbiu nas muralhas de Curupaití que vomitavam fogo incessante.

 

As valentes hostes aliadas chegavam por entre a metralha mortífera até os fossos principais das Fortificações para serem exterminadas pela intensa linha de fuzilaria das trincheiras, e era horrível de se ver a loucura sagrada dos oficiais e simples soldados disputando à porfia os postos de maior perigo com ostentação sublime de valor inexcedível e de desprezo pela vida.

 

Se no espírito do Marechal houvesse a compreensão perfeita do patriotismo, após a vitória que suas Forças tinham alcançado a 22 de setembro, ele, por certo, iria tentar a Paz, talvez possível dentro dos termos esboçados por Mitre. Mas López proferia o extermínio da Pátria, o sacrifício infecundo de todos os seus concidadãos, a despir-se do poder absoluto que usurpava à nação, abandonando o governo e retirando-se para o estrangeiro como um simples mortal.

 

Continuou a luta desesperada e sangrenta até que a morte o alcançou também nos areais inóspitos de Aquidaban.

 

VI

 

Depois da funesta ação de Curupaití, quatro meses decorreram sem que nenhum novo ataque fosse tentado de parte a parte. Apenas a Esquadra Brasileira não cessava os formidáveis bombardeios, tendo havido dias em que laçou mais de quatro mil projetis sobre as fortificações paraguaias.

 

O General Diaz costumava galhofar desse fogo contínuo, e, apregoando a inocuidade do divertimento dos brasileiros, afrontava, sentado nas muralhas das fortificações bombardeadas, a chuva das mortíferas granadas que caiam por toda a pane e que ele dizia inofensivas e imprestáveis mesmo para dar lume ao seu cigarro.

 

Na manhã de 20.01.1867, em companhia de alguns ajudantes embarcou o arrogante oficial em uma pequena canoa e foi pescar no Rio Paraguai nas proximidades de Curupaití que a esquadra bombardeava. Logo que a canoa foi vista, de bordo de um dos navios brasileiros rebentou a fumarada de tiro e um projétil enorme explodiu sobre a embarcação que espedaçou, ferindo gravemente a dois oficiais e arrojando Diaz no meio da corrente.

 

Salvo pelo seu ordenança José Cuti, foi o General, tendo na perna direita grave ferimento, levado à sua barraca. López, logo que teve ciência do desastrado sucesso, fez cercar o amigo de todos os cuidados médicos, entregando-o ao Dr. Skiner, o melhor cirurgião do país, que procedeu à amputação da perna ferida.

 

Logo que se tornou possível foi Diaz trasladado em carruagem para o Quartel General, em Passo Pocú, onde foi tratado com especial atenção, aos olhos de López que velava horas inteiras junto do seu leito. Duas semanas se passaram na alternativa da esperança e da dúvida. Ao fim desse tempo porém, graves sintomas sobrevieram e a morte tornou-se inevitável.

 

Aos 7 de fevereiro, pediu o moribundo que o deixassem só com o fiel Cuti, que ainda lhe não havia abandonado a cabeceira um só instante. Ao velho ordenança comunicou suas disposições de última vontade, recomendando que no caixão fúnebre colocasse, no lugar próprio, a perna amputada que havia sido convenientemente embalsamada.

 

Dadas todas as instruções ao caboclo, pediu que o vestisse todo com a farda de General e logo que foi satisfeito esse desejo mandou chamar o Marechal. López compareceu imediatamente e, alguns minutos depois, Diaz expirava, tendo comunicado ao seu amigo e senhor que ordenara ao Sargento Cuti que depois dos seus funerais lhe fizesse entrega da espada que ele ainda trazia à cinta.

 

Havia sido presente de López, após a batalha de Corrales e ele a tinha desembainhado em 2 e 24 de maio, em Sauce, em Curupaití. Era tudo o que possuía.

 

Seu último desejo foi despedir-se do Exército que devia desfilar ante seu corpo, logo em seguida à sua morte. López porém, contrariou essa póstuma vontade, com o intuito, talvez, de ocultar o desaparecimento do prestimoso guerreiro, como sistematicamente costumava fazer em relação aos mais notáveis sucessos da Campanha.

 

Às duas horas da madrugada, foi o corpo do General transportado a ombro até Humaitá, seguindo pelo Rio para Assunção, onde lhe foram feitos os mais solenes e opulentos funerais que jamais se realizaram naquela terra. Nem igual os haviam tido o ditador Francia e o presidente Carlos Antonio López. Conta-se que as Forças Aliadas quando entraram triunfantes em Assunção, após cinco anos de um pelejar sem tréguas, entregaram-se aos mais condenáveis excessos, não respeitando mesmo o sagrado retiro em que repousam os mortos.

 

O mausoléu que recolhia o corpo do legendário caudilho foi porém, religiosamente respeitado. A soldadesca embriagada pela vitória, na sua infrene ([3]) destruição, não ousou tocar no sarcófago do valente inimigo. Posteriormente porém, esse monumento fúnebre que havia merecido o respeito de adversários triunfadores, foi profanado irreverentemente pelo próprio governo do Paraguai. D. Candido Barreiro, quando Presidente, fez abrir o mausoléu sagrado e nele colocou, junto ao corpo do morto batalhador, o cadáver de Francisco Lino Cabriza, um sicofanta ([4])...

 

Rodrigo Octavio (REVISTA BRASILEIRA, 1896)

 

Quarta Carta à Tia Chica

(João Nicodemos)

(Semana Illustrada n° 257)

 

Maldito mil vezes seja

Solano López Francisco!

Danado o perro se veja

Até morrer sobre o cisco

Ou em fogo de carqueja!

 

Seja seu nome notado

Como o de febre maligna,

Como o de lobo esfaimado.

Como o de ave de rapina,

Como o de tigre assanhado!

 

Cego de negra ambição

Quis ostentar de valente,

Perdido em tanta ilusão,

Julgou-se, pobre demente! ‒

Igual a Napoleão.

 

Não lhe bastou ter atado

Ao equileo ([5]) da tortura

O peso seu desgraçado;

Na sua feroz loucura

Inda mas quis o malvado.

 

Seu futuro é um presente

Jogando ao azar da sorte,

Mandou a mesquinha gente

A certeira crua morte

Da guerra na luta ardente.

 

Ah! minha tia e senhora,

É lei de verdade eterna –

Que do mau chegando a hora

O sizo mais não governa:

Mais que nunca vê-se agora.

 

López no mal, que sofrer,

De si se queixe somente

Se na forca padecer,

Foi sua mão imprudente,

Que quis a corda tecer.

 

Não pode encontrar piedade

Quem tem gosto em ser cruel

Indulgência, humanidade,

Mercê, guarida, quartel

Pode esperar, na verdade?

 

Com Solano, compassivo

Não pode ser o Brasil:

Provém dele o nosso dano;

Os nossos desgostos mil

Provém do feroz tirano.

 

Ai! minha tia, esta guerra

É penosa provação,

Se a minha razão não erra,

Em tão crua entalação ([6])

Nunca se viu nossa terra.

 

Já o País caminhando,

A passo lento, é verdade

De um Rei justo sob o mando,

Podia a prosperidade

Ir pouco a pouco alcançando.

 

Dos anos no rodear,

Não muito longo, podia

Os altos cimos galgar,

Onde as nações, minha tia,

Mais possantes tem lugar.

 

Dessa vereda formosa

Foi de súbito afastado:

Na porfia gloriosa

Infelizmente estorvado,

Cessa-lhe a ação poderosa.

 

As forças, que ele aplicava

Da paz às belas feituras;

O vigor, com que arrostava

Revezes e desventuras

E, vencedor, os domava:

 

De seu destino fecundo

Transviados de repente

Se vão sorver no profundo

Abismo, que a mão furente ([7])

Abriu de López Segundo.

 

Eu bem sei, tia e senhora,

Que em breve da punição

Soará tremenda hora

Para o tigre de Assunção,

Por quem tanto a forca chora;

 

Eu bem sei que a Pátria nossa

Possui recursos bastantes

Para que de novo possa

Tornar ao que era de antes,

Sem dos golpes ficar mossa.

 

 

O Equileo

 

Retiramos esta explicação de “O Jardim Litterario”:

 

A estampa que hoje apresentamos dá uma sucinta ideia do horroroso suplício que em Roma-pagã se infligia aos considerados criminosos, especialmente sectários da sólida e verdadeira doutrina cristã. Era uma espécie de cavalete de pau, a que os romanos bárbaros, adoradores das falsas divindades, deram o nome de Equileo.

 

Só em o imaginar concebemos terror.

 

Ao padecente, deitado sobre duas traves unidas, com a cara voltada para cima, e as pernas cruzadas, eram ligados os braços e pernas com cordas, a que chamavam Fidiculœ, e puxando-as por meio de roldanas, ou serilhos, as apertavam de sorte que lhe torciam ou deslocavam os membros, esmagavam-lhe os pés e mãos, e pelo cruel apertão, até lhes saltavam muitas vezes fora as unhas dos dedos; para depois lhes rasgarem os lados com ganchos do ferro, e curarem suas feridas com fachos acesos. (O JARDIM LITTERARIO, 1949)

 

 

Bibliografia:

 

O JARDIM LITTERARIO, 1949. Equileo – Portugal – Lisboa – O Jardim Litterario, 2° Semestre de 1949.

 

REVISTA BRASILEIRA, 1896. Homens e Coisas do Paraguai – Solano Lopez e José Diaz – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista Brasileira – Sociedade Revista Brasileira – Segundo Ano – Tomo VI, 1896.

 

SEMANA ILLUSTRADA N° 257. Quarta Carta à Tia Chica – João Nicodemos – Brasil – Rio de Janeiro, RJ ‒ Semana Illustrada n° 257, 12.11.1865.

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

·    Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·    Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

·    Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·    Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·    Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·    Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·    Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·    Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);



[1]   Páramos: campo situado nas terras altas dos Andes, na América do Sul, não queria se referir, certamente, ao local onde habitam os espíritos puros.

[2]   Sabemos que o Sr. General Mitre contestou esse tópico do livro do Sr. Dr. Godoy, pela Imprensa platina. (Rodrigo Octavio)

[3]   Infrene: descontrolada.

[4]   Sicofanta: mentiroso, patife, velhaco.

[5]   Imagem 34.

[6]   Entalação: situação crítica, embaraço.

[7]   Furente: enfurecida.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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