Sábado, 23 de maio de 2020 - 07h53
Bagé, 25.05.2020
V
Penetrando no
alojamento do Marechal, Diaz veio interromper uma profunda meditação que já
durava horas.
Depois da entrevista em
que se malograram todas as suas perspectivas, López tinha inexoravelmente
tomado a resolução desesperada de lutar até o último instante e sucumbir por
fim, mas depois de aniquilados completamente os seus Exércitos, morto o último soldado,
postas em ruína todas as cidades e aldeias de sua pobre terra, refugiado com
todos os habitantes que lhe restassem, mulheres e crianças, nos mais longínquos
páramos ([1])
desertos onde não houvesse ainda pisado a planta humana.
Com Diaz conversou por
longo tempo e sobre tudo lastimava que Mitre houvesse entrado em acordo com o
Imperador em relação à política internacional.
Nada mais pois, havia a
se esperar dele, a cujo respeito, verificava agora, quanto se tinha iludido.
Sentia profundamente que o General argentino o privasse da glória de levar a
termo o grande ideal do Libertador Simão Bolívar, expelindo para o outro lado
do Atlântico a única testa coroada que maculava a democracia americana e o que
o General Alvear não tinha conseguido fazer na memorável ação de Ituzaingó.
Por fim, López referiu
a Diaz que Mitre lhe havia anunciado para antes do fim da semana como ele já
havia previsto ([2]),
um ataque decisivo por terra combinado com as Forças Navais, e o encarregou de
ativar e dirigir pessoalmente as fortificações de Curupaití. Não se havia
enganado López. As Forças Aliadas, a 22 de setembro, dez dias após a
conferencia do Yataity-Corá, ofereceram a formidável Batalha a que as
fortificações do Diaz conseguiram opor uma resistência invencível.
Foi uma ação
sanguinolenta desastrada em que o estoico heroísmo das nossas Forças
valorosamente sucumbiu nas muralhas de Curupaití que vomitavam fogo incessante.
As valentes hostes
aliadas chegavam por entre a metralha mortífera até os fossos principais das Fortificações
para serem exterminadas pela intensa linha de fuzilaria das trincheiras, e era
horrível de se ver a loucura sagrada dos oficiais e simples soldados disputando
à porfia os postos de maior perigo com ostentação sublime de valor inexcedível
e de desprezo pela vida.
Se no espírito do
Marechal houvesse a compreensão perfeita do patriotismo, após a vitória que
suas Forças tinham alcançado a 22 de setembro, ele, por certo, iria tentar a
Paz, talvez possível dentro dos termos esboçados por Mitre. Mas López proferia
o extermínio da Pátria, o sacrifício infecundo de todos os seus concidadãos, a
despir-se do poder absoluto que usurpava à nação, abandonando o governo e
retirando-se para o estrangeiro como um simples mortal.
Continuou a luta
desesperada e sangrenta até que a morte o alcançou também nos areais inóspitos
de Aquidaban.
VI
Depois da funesta ação
de Curupaití, quatro meses decorreram sem que nenhum novo ataque fosse tentado
de parte a parte. Apenas a Esquadra Brasileira não cessava os formidáveis
bombardeios, tendo havido dias em que laçou mais de quatro mil projetis sobre
as fortificações paraguaias.
O General Diaz
costumava galhofar desse fogo contínuo, e, apregoando a inocuidade do
divertimento dos brasileiros, afrontava, sentado nas muralhas das fortificações
bombardeadas, a chuva das mortíferas granadas que caiam por toda a pane e que
ele dizia inofensivas e imprestáveis mesmo para dar lume ao seu cigarro.
Na manhã de 20.01.1867,
em companhia de alguns ajudantes embarcou o arrogante oficial em uma pequena
canoa e foi pescar no Rio Paraguai nas proximidades de Curupaití que a esquadra
bombardeava. Logo que a canoa foi vista, de bordo de um dos navios brasileiros
rebentou a fumarada de tiro e um projétil enorme explodiu sobre a embarcação
que espedaçou, ferindo gravemente a dois oficiais e arrojando Diaz no meio da
corrente.
Salvo pelo seu
ordenança José Cuti, foi o General, tendo na perna direita grave ferimento,
levado à sua barraca. López, logo que teve ciência do desastrado sucesso, fez
cercar o amigo de todos os cuidados médicos, entregando-o ao Dr. Skiner, o
melhor cirurgião do país, que procedeu à amputação da perna ferida.
Logo que se tornou
possível foi Diaz trasladado em carruagem para o Quartel General, em Passo
Pocú, onde foi tratado com especial atenção, aos olhos de López que velava
horas inteiras junto do seu leito. Duas semanas se passaram na alternativa da
esperança e da dúvida. Ao fim desse tempo porém, graves sintomas sobrevieram e a
morte tornou-se inevitável.
Aos 7 de fevereiro,
pediu o moribundo que o deixassem só com o fiel Cuti, que ainda lhe não havia
abandonado a cabeceira um só instante. Ao velho ordenança comunicou suas
disposições de última vontade, recomendando que no caixão fúnebre colocasse, no
lugar próprio, a perna amputada que havia sido convenientemente embalsamada.
Dadas todas as
instruções ao caboclo, pediu que o vestisse todo com a farda de General e logo
que foi satisfeito esse desejo mandou chamar o Marechal. López compareceu
imediatamente e, alguns minutos depois, Diaz expirava, tendo comunicado ao seu
amigo e senhor que ordenara ao Sargento Cuti que depois dos seus funerais lhe
fizesse entrega da espada que ele ainda trazia à cinta.
Havia sido presente de
López, após a batalha de Corrales e ele a tinha desembainhado em 2 e 24 de
maio, em Sauce, em Curupaití. Era tudo o que possuía.
Seu último desejo foi
despedir-se do Exército que devia desfilar ante seu corpo, logo em seguida à
sua morte. López porém, contrariou essa póstuma vontade, com o intuito, talvez,
de ocultar o desaparecimento do prestimoso guerreiro, como sistematicamente
costumava fazer em relação aos mais notáveis sucessos da Campanha.
Às duas horas da
madrugada, foi o corpo do General transportado a ombro até Humaitá, seguindo
pelo Rio para Assunção, onde lhe foram feitos os mais solenes e opulentos
funerais que jamais se realizaram naquela terra. Nem igual os haviam tido o
ditador Francia e o presidente Carlos Antonio López. Conta-se que as Forças
Aliadas quando entraram triunfantes em Assunção, após cinco anos de um pelejar
sem tréguas, entregaram-se aos mais condenáveis excessos, não respeitando mesmo
o sagrado retiro em que repousam os mortos.
O mausoléu que recolhia
o corpo do legendário caudilho foi porém, religiosamente respeitado. A
soldadesca embriagada pela vitória, na sua infrene ([3])
destruição, não ousou tocar no sarcófago do valente inimigo. Posteriormente
porém, esse monumento fúnebre que havia merecido o respeito de adversários
triunfadores, foi profanado irreverentemente pelo próprio governo do Paraguai. D.
Candido Barreiro, quando Presidente, fez abrir o mausoléu sagrado e nele
colocou, junto ao corpo do morto batalhador, o cadáver de Francisco Lino
Cabriza, um sicofanta ([4])...
Rodrigo Octavio
(REVISTA BRASILEIRA, 1896)
(João Nicodemos)
(Semana Illustrada n° 257)
Maldito mil
vezes seja
Solano López
Francisco!
Danado o perro
se veja
Até morrer sobre
o cisco
Ou em fogo de
carqueja!
Seja seu nome
notado
Como o de febre
maligna,
Como o de lobo
esfaimado.
Como o de ave de
rapina,
Como o de tigre
assanhado!
Cego de negra
ambição
Quis ostentar de
valente,
Perdido em tanta
ilusão,
Julgou-se, pobre
demente! ‒
Igual a
Napoleão.
Não lhe bastou
ter atado
Ao equileo ([5]) da tortura
O peso seu
desgraçado;
Na sua feroz
loucura
Inda mas quis o
malvado.
Seu futuro é um
presente
Jogando ao azar
da sorte,
Mandou a
mesquinha gente
A certeira crua
morte
Da guerra na
luta ardente.
Ah! minha tia e
senhora,
É lei de verdade
eterna –
Que do mau
chegando a hora
O sizo mais não
governa:
Mais que nunca
vê-se agora.
López no mal,
que sofrer,
De si se queixe
somente
Se na forca
padecer,
Foi sua mão
imprudente,
Que quis a corda
tecer.
Não pode encontrar
piedade
Quem tem gosto
em ser cruel
Indulgência,
humanidade,
Mercê, guarida,
quartel
Pode esperar, na
verdade?
Com Solano,
compassivo
Não pode ser o
Brasil:
Provém dele o
nosso dano;
Os nossos
desgostos mil
Provém do feroz
tirano.
Ai! minha tia,
esta guerra
É penosa
provação,
Se a minha razão
não erra,
Em tão crua
entalação ([6])
Nunca se viu
nossa terra.
Já o País
caminhando,
A passo lento, é
verdade
De um Rei justo
sob o mando,
Podia a
prosperidade
Ir pouco a pouco
alcançando.
Dos anos no
rodear,
Não muito longo,
podia
Os altos cimos
galgar,
Onde as nações,
minha tia,
Mais possantes
tem lugar.
Dessa vereda
formosa
Foi de súbito
afastado:
Na porfia
gloriosa
Infelizmente
estorvado,
Cessa-lhe a ação
poderosa.
As forças, que ele aplicava
Da paz às belas
feituras;
O vigor, com que
arrostava
Revezes e
desventuras
E, vencedor, os
domava:
De seu destino
fecundo
Transviados de
repente
Se vão sorver no
profundo
Abismo, que a
mão furente ([7])
Abriu de López
Segundo.
Eu bem sei, tia
e senhora,
Que em breve da
punição
Soará tremenda
hora
Para o tigre de
Assunção,
Por quem tanto a
forca chora;
Eu bem sei que a
Pátria nossa
Possui recursos
bastantes
Para que de novo
possa
Tornar ao que
era de antes,
Sem dos golpes
ficar mossa.
O Equileo
Retiramos esta explicação de “O Jardim Litterario”:
A estampa que hoje
apresentamos dá uma sucinta ideia do horroroso suplício que em Roma-pagã se
infligia aos considerados criminosos, especialmente sectários da sólida e
verdadeira doutrina cristã. Era uma espécie de cavalete de pau, a que os
romanos bárbaros, adoradores das falsas divindades, deram o nome de Equileo.
Só em o imaginar
concebemos terror.
Ao padecente, deitado
sobre duas traves unidas, com a cara voltada para cima, e as pernas cruzadas,
eram ligados os braços e pernas com cordas, a que chamavam Fidiculœ, e
puxando-as por meio de roldanas, ou serilhos, as apertavam de sorte que lhe
torciam ou deslocavam os membros, esmagavam-lhe os pés e mãos, e pelo cruel
apertão, até lhes saltavam muitas vezes fora as unhas dos dedos; para depois
lhes rasgarem os lados com ganchos do ferro, e curarem suas feridas com fachos
acesos. (O JARDIM LITTERARIO, 1949)
Bibliografia:
O JARDIM
LITTERARIO, 1949. Equileo – Portugal
– Lisboa – O Jardim Litterario, 2° Semestre de 1949.
REVISTA
BRASILEIRA, 1896. Homens e Coisas do
Paraguai – Solano Lopez e José Diaz – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista
Brasileira – Sociedade Revista Brasileira – Segundo Ano – Tomo VI, 1896.
SEMANA
ILLUSTRADA N° 257. Quarta Carta à Tia
Chica – João Nicodemos – Brasil – Rio de Janeiro, RJ ‒ Semana Illustrada n°
257, 12.11.1865.
Solicito
Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
[1] Páramos: campo situado nas terras altas dos Andes, na América do
Sul, não queria se referir, certamente, ao local onde habitam os espíritos
puros.
[2] Sabemos que o Sr. General Mitre contestou esse tópico do livro do
Sr. Dr. Godoy, pela Imprensa platina. (Rodrigo Octavio)
[3] Infrene: descontrolada.
[4] Sicofanta: mentiroso, patife, velhaco.
[5] Imagem 34.
[6] Entalação: situação crítica, embaraço.
[7] Furente: enfurecida.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H