Quarta-feira, 8 de julho de 2020 - 12h20
Bagé, 09.07.2020
O “Diário
de Notícias” do Pará, nas edições n° 127, 128, 129 e 130 de 07, 08, 09 e
11.06.1895, respectivamente, publicou, na sua primeira página, sob o título “Hecatombe de Brasileiros” um histórico
da invasão francesa e a relação das vítimas do cruel atentado perpetrado pelos
celerados gauleses no Amapá, especificando nomes, idade e como foram trucidados.
A sanha homicida destes bárbaros assassinos não poupou nem mesmo aleijados,
mulheres e crianças que foram massacradas ainda no colo de suas mães. A sádica
invasão francesa ao Amapá, no dia 15.05.1895, ganhou notoriedade internacional,
precipitando uma solução definitiva para dar um paradeiro nas insustentáveis
pretensões francesas. Finalmente, Walther Hauser, o Presidente da Confederação
Suíça, decidiu, no dia 01.12.1900, dar ganho de causa ao Brasil. Cabralzinho,
considerado hoje como um de nossos heróis nacionais, foi homenageado pelo
Exército Brasileiro com a patente de “General
Honorário” e pelos seus Ir:. Maçons com um monumento na cidade de Amapá.
Francisco Xavier da Veiga Cabral
Jornal do Commercio, n° 116 ‒ Manaus, AM
Domingo, 15.05.1904
Veiga Cabral
Francisco Xavier da Veiga Cabral, nasceu a 05.05.1861
na capital da antiga província do Pará, sendo seus pais o Major Rodrigo da
Veiga Cabral e D. Maria Cândida da Costa Cabral, aquele descendente de
portugueses e esta de alemães. Muito moço ainda entrou para a vida comercial em
que se demorou pouco tempo e militando nas fileiras liberais do império foi, na
última situação desse partido nomeado coletor das décimas ([1])
urbanas de Belém.
Com o advento da República deixou esse cargo que foi
extinto e, ao ser novamente restabelecido, não quis Cabral prestar-se a
desempenhá-lo, por já estar em franca oposição ao domínio político de sua
terra, trabalhando ao lado de Américo Santa Rosa, Vicente Miranda, Felipe Lima,
José Joaquim de Gama e Silva, Demétrio Bezerra e outros. Era congressista do
partido como já o tinha sido no antigo regime, representando a Paróquia de
Sant'Anna, da capital do Pará. Havia-se dedicado de novo aos seus labores
comerciais, apesar de sua ostensiva posição de político intransigente em
oposição ao governo republicano do Pará.
Deram-lhe nome, ainda jovem, as cabalas ([2])
eleitorais de que o encarregara o Partido Liberal, no Império. O jovem
representava a confiança do Partido e foi assim que o achou a República, em que
ainda não teve o seu momento de domínio.
Aí, por 1894, chegara ao Pará Desidério Antônio
Coelho, a mando de um caboclo de nome Daniel, vindo de Calçoene. O emissário
tinha ido atrás de recursos com que enfrentar as depredações francesas no
Contestado.
Procurou Cabral e este insinuando-lhe os meios de
defesa, deu-lhe os primeiros socorros e auxílios prometendo ir até ao Amapá
para obedecer o chamado de seus patrícios.
Passava-se isto em maio. Em novembro
partiu e chegando ao Amapá fez parte do Triunvirato governamental de que eram
membros também os Srs. Dr. Gonçalves Tocantins e Cônego Domingos Maltez.
Achou Cabral a população do lugar dividida em dois
grupos: um favorável aos franceses, outro contrário. Tratou de harmonizá-los e,
em meio de seus trabalhos, Trajano de tal, que fora escravo no Brasil e fugira
para o Território, onde estava feito Capitão pelos franceses e chefe do grupo
que lhes era simpático, mandou desafiá-lo, pois possuía 500 homens para
combate. Cabral enviou 18 pessoas que trouxeram preso Trajano e seus mais
conhecidos companheiros. Trajano conduziu consigo o pavilhão francês de cuja
posse ficou Cabral. Depois, na residência deste, Trajano, ao inquirir Cabral se
resolvia adotar a defesa dos brasileiros ou ficar ao lado dos franceses,
abraçou a nossa bandeira fazendo protesto de fidelidade ao Brasil. [...]
Veiga Cabral é casado com a Exmª Srª D. Altamira
Valdomira Vinagre Cabral, descendente do chefe Vinagre, da revolução de 35. É
uma senhora virtuosa e distinta.
Possui 4 filhos: Victor Tibúrcio da Veiga Cabral,
senhorita Maria da Conceição de Jesus Cabral, distinta jovem diplomada pela
Escola Normal do Pará e atualmente na Europa onde tem feito notáveis progressos
em pintura e as interessantes meninas Valdomira e Altamira Cândida da Veiga
Cabral.
O herói do Amapá desempenha hoje as funções de despachante da Alfândega de Belém, achando-se licenciado por um ano. Na sua terra são reais e grandes a sua influência e prestígio políticos, ao lado de Lauro Sodré de quem é devotado e incansável amigo. (JDC, N° 116)
Diário de Notícias, n° 121 ‒ Belém, PA
Sexta-feira, 31.05.1895
As Ocorrências do Amapá
Uma canoa chegada ontem trouxe as notícias que adiante
damos a nossos leitores. Devemos dizer que tudo vai como narra pessoa vinda na
dita canoa, reportando-nos a suas próprias palavras. E, como verão os leitores,
é-nos grato ter por essa via a confirmação plena de nosso juízo:
‒ Cabral foi
agredido, tudo quanto fez foi em defesa.
Eis o que diz a dita pessoa:
No dia 15 do corrente, às 9 horas do dia, esperava o
Governador do Amapá, cidadão Francisco Xavier da Veiga Cabral o vapor que
seguira deste porto, quando foi avisado de que aproximava-se da Vila uma lancha
armada em guerra, comboiando grande número de escaleres em que vinham soldados
e marinheiros, franceses, em número de 400 mais ou menos. Imediatamente mandou
içar no porto a bandeira de quarentena e na casa de sua residência e escola do
sexo masculino o pavilhão brasileiro.
Em seguida enviou uma comissão a bordo, pedindo que
aguardasse a sua chegada, pois iria receber os recém-vindos. Desatendida a
comissão, de bordo começaram a dar desembarque inopinadamente, formando a
força, ao chegar a terra, em linha de combate.
À entrada do Rio havia ficado o aviso de guerra
francês Bengali. Abaixo da vila, no lugar denominado Cemitério, também já havia
desembarcado numerosa força, comandada por oficiais para dar cerco pela
retaguarda.
Desembarcada a força na frente da vila e posta em
ordem de ataque, o comandante Capitão Lunier, que também era o comandante da
Bengali, acompanhado de 19 praças armadas de baioneta calada, um Sargento e 1
corneta dirigiu-se à procura do cidadão Veiga Cabral, declarando aos que
encontrava que não ia fazer nada, e sim entender-se com o Governador. Alguns
compatriotas nossos, confiantes da boa intenção do Capitão Lunier conduziram-no
à residência do cidadão Veiga Cabral. Este já vinha ao encontro do oficial,
completamente desprevenido.
O Capitão Lunier perguntou-lhe se ele Veiga Cabral é
que era o Governador do Amapá, ao que foi lhe respondido afirmativamente. A
pergunta foi repetida três vezes, sendo-lhe dada a mesma resposta. Em seguida o
Capitão Lunier puxa de um revólver e apontando-o para Veiga Cabral, dá-lhe voz
de prisão, intimando-o a entregar-se.
Veiga Cabral responde-lhe que – “um brasileiro morre mas não ser
entrega”, e atirando-se ao Capitão toma-lhe o revólver.
A esse tempo haviam chegado 45 cidadãos brasileiros
armados de rifles. O oficial dá voz de fogo e duas descargas partem ao mesmo
tempo. O Capitão Lunier cai gravemente ferido, morrendo momentos depois. A
força francesa é levada em debandada até próximo do lugar onde se achava o
grosso de suas forças. Ir adiante seria unia imprudência. Veiga Cabral recuou
com os seus companheiros, aos quais acabavam de se juntar mais 8, armados de
espingardas de cartucho e entrincheirou-se em uma casa.
Duas horas depois de vivo fogo teve que fazer nova
retirada e internar-se na mata. Às 2 horas da tarde, chegando um reforço de
homens armados para Veiga Cabral este fez nova entrada na vila.
Persuadida a força francesa de que a força brasileira
era numerosa, abandonou as posições e tratou de embarcar levando como
prisioneiros os cidadãos João Lopes, professor; Marciano Beviláqua, Manoel
Branco e um outro cidadão cujo nome ignoramos, e um barco que se achava no
porto. Na precipitação da fuga deixou abandonado algum armamento e munição.
Durante as poucas horas que os franceses estiveram na
vila, arrombaram as portas das casas invadindo-as e disparando tiros. É assim
que foram assassinadas 33 pessoas, sendo 18 homens, que não estiveram na luta e
15 mulheres e crianças, além de outras feridas grave e levemente. Das pessoas
mortas, apenas duas são conhecidas nesta capital; o prático Pedro Emílio Chaves
e João de Deus, residente no Capim; os mais são naturais do Amapá. Atearam fogo
em 17 casas.
Na luta não houve mortos, do lado dos brasileiros; 5
ferimentos apenas, sendo três gravemente, Epifânio da Luz e seu irmão e
Desidério Coelho e dois levemente, cujos nomes ignoramos. Da força francesa
morreram logo no começo da luta 1 Capitão, 1 Sargento e 12 soldados. Durante a
luta morreu muito maior número, inclusive outro Capitão, sendo ainda maior o de
feridos.
Os fazendeiros de gado e comerciantes do Amapá, depois
da luta, franquearam as suas fazendas e casas de negócio a Cabral e às pessoas
que ficaram sem recursos.
O nosso informante declarou-nos peremptoriamente ser
falsa a prisão de franceses por brasileiros. Há um mês mais ou menos foi uma
expedição francesa ao Amapá e balizou o Rio. Não é a primeira vez que se dão
ataques de franceses a brasileiros no Amapá, devastando a Colônia dos nossos
compatriotas, quando tende a aumentar.
Deplorando este desgraçado incidente, que vem
complicar a solução de uma questão em que nos assiste todo direito, esperamos,
contudo que se possam reatar as negociações diplomáticas para uma arbitragem. Nem
a França nem o Brasil se deixarão cegar por tal casualidade. Na hipótese de excessos
por cidadãos de qualquer dos dois países, a Nação não pôde ser
responsabilizada.
Esperamos pois que tanto o povo francês como seu
governo, cientificando-se da verdade, continuarão a manter conosco as amigáveis
relações de antes. (DDN, n° 121)
Bibliografia:
DDN,
N° 121. As Ocorrências do Amapá ‒
Belém, PA – Diário de Notícias, n° 121, 31.05.1895
JDC,
N° 116. Veiga Cabral ‒ Brasil –
Manaus, AM – Jornal do Commercio, n° 116, 15.05.1904.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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