Terça-feira, 14 de julho de 2020 - 09h53
Bagé, 14.07.2020
Jornal do Brasil, n° 66 ‒ Rio de Janeiro, RJ
Sábado, 06.03.1896
A Questão do Amapá
Interview com Veiga Cabral (Continuação)
Repórter – No Amapá há força policial ou outra qualquer?
Veiga Cabral – Foi um dos primeiros atos do governo do
triunvirato, a organização do Exército Defensor Amapaense. Compõe-se ele de
todos os cidadãos válidos que tem por obrigação pegar em armas, quando o Amapá
está ameaçado de algum ataque.
R. – Quem é o chefe deste Exército?
V. C. – Sou o General desse Exército. O povo aclamou-me
General e o governo do Triunvirato, na minha ausência, expediu-me a respectiva
patente assinada por dois membros e um suplente em exercício.
R. – Como foram os franceses no Amapá?
V. C. – Antes da minha ida ao Amapá já os franceses tinham
querido subir para explorar as minas do Amapá. O povo, porém, apesar das
solicitações do Dr. Gonçalves Tocantins e Cônego Maltez que não queriam
provocar questões, opôs-se aos seus intentos e eles tiveram de voltar para a
Caiena.
Em abril de 1895, tive de ir ao Pará, e durante a
minha ausência os franceses foram ao Amapá no “Bengali”, desembarcaram e impuseram ao governo ali estabelecido a
entrada deles para as minas o que opôs-se, então pediram permissão para
passearem pela povoação. O pedido foi-lhes satisfeito e eles aproveitaram-se
dela para levantar a planta cidade e na saída marcar em árvores da Boca do Rio
a altura das marés.
De volta ao Amapá, logo que tive ciência do ocorrido,
mandei cortar as árvores marcadas. Soube então que os franceses retirarem-se no
“Bengali”, disseram que haviam de
voltar e provar-me que um francês era para vinte brasileiros. Ri-me da bravata
e tratei dos meus negócios.
Tendo ido ao interior cerca de 80 léguas distante da
cidade regressei no dia 14 de maio para esperar o vapor do dia 15, que devia
trazer-me os jornais, mercadorias e novas dos meus amigos do Pará.
A noite de 14, passei-a à cabeceira de uma menina que
estava doente, e às 5 horas da manhã de 15 fui deitar-me. Por volta das 8 horas
da manhã, o fazendeiro Baptista veio avisar-me de que no porto havia um mundo
de soldados e marinheiros franceses, comandados por alguns oficiais e que
diziam vir exigir-me a entrega de Trajano, brasileiro, que havia sido escravo
no Pará, mas fiz logo o propósito de não lhe entregar, tanto mais que ele não
queria sair do Amapá. Não estranhei que tivessem subido o Rio, vi logo que os
franceses tinham agarrado o prático Evaristo Raymundo, obrigando-o a conduzir a
lancha a vapor com grandes escaleres a reboque onde vinham os soldados, tendo
deixado o “Bengali” na Boca do Rio
Amapá.
Mandei logo arvorar na minha casa e na Escola Pública
o Pavilhão Brasileiro e no mastro do porto a bandeira de quarentena. A cinco
amigos que logo me rodearam declarei que possuía um pavilhão francês que
Trajano havia trazido quando veio para o Amapá, e que se os franceses o viessem
buscar lhe entregaria.
Quanto a Trajano, repeti-lhe o que já tinha jurado a
mim mesmo. Não o entregaria, muito embora tivesse de lutar até à morte.
Apareceram então os franceses, uns cento e
tantos, trazendo desfraldado o pavilhão francês que depois tomei e que hoje
possuo como relíquia de guerra. O comandante dessa força, Lunier, mandou
estender a sua gente e avançou com 21 homens. Trazendo preso um velho pescador
de nome Chambica para que lhe mostrasse quem era Veiga Cabral. Ao ver aquilo
dirigi-me ao grupo dos franceses com intenção de saber o que eles queriam. Fui
simplesmente vestido, fumando um cigarro, tal qual como estou neste retrato
[retrato cuja reprodução aqui juntamos].
NO DIA 25 DE MAIO DE 1895
O Capitão Lunier ao ver-me dirigiu-se a mim e deu-me voz de prisão. Ora
quem não deve não teme. Não aceitei a intimação, o Capitão empurrou-me e
ordenou à sua gente que fizesse fogo sobre mim o que foi imediatamente
obedecido, abaixei-me e as balas passaram sem me ofender, ficando cravadas nas
paredes da casa da minha residência.
Lunier então puxou do revólver, mas não lhe dei tempo
fazer uso dele e deitei-o por terra, ficando de posse de seu revólver. O
Capitão levantou-se e ordenou novamente fogo, o que foi imediatamente obedecido
e mais uma vez deixei de ser ferido.
Meus amigos vieram então armados em meu auxílio,
travando-se o combate. Matei o Capitão Lunier com o seu próprio revólver. Um
Tenente veio sobre mim, porém eu fiz fogo sobre ele matando-o logo. O Sargento
teve igual sorte. Por seu lado os meus amigos não perdiam tempo e faziam
nutrido fogo. Os franceses, vendo-se sem chefes, debandaram, fugindo para o Rio,
calculo que apenas uns vinte e tantos puderam escapar-nos.
Satisfeitos com a vitória, tratávamos de arrecadar
armamentos, quando fomos surpreendidos novamente pelos franceses um outro grupo
de 200 homens, mais ou menos, comandados pelo Tenente Destop, que havia
desembarcado no cemitério velho e que vinha atacar-nos pela retaguarda.
Éramos já poucos, porque
tínhamos cinco feridos. Três dos nossos, tendo esgotado as munições,
refugiaram-se no mato. Estávamos na Praça
e lutávamos desesperadamente contra um inimigo forte. Quase um quarto de hora
lutei sozinho, fazendo constantemente fogo, procurando aproveitar os meus
tiros.
Afinal, já cansado, eram duas horas da tarde, corri
para o mato e de lá ainda matei com dois tiros um preto marinheiro que
assassinara a menina Joana, de 12 anos de idade. Matei também um marinheiro que
havia assassinado o prático Pedro Chaves.
Antes tinta eu lutado com o porta-bandeira Etienne e
depois de lhe ter dado um tiro ferindo-o no rosto que o prostrei, tirei-lhe a
espada, a bandeira e o revólver. Foi Etienne quem, depois de ter passado por
morto, amarrou o rosto com um lenço para estancar o sangue que lhe corria da
ferida, mandou incendiar e saquear as casas e matar os habitantes da cidade.
[...] (JDB, N° 66)
Bibliografia:
JDB,
N° 66. A Questão do Amapá – Interview
Com Veiga Cabral (Continuação) – Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Jornal do
Brasil, n° 64, 06.03.1896.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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