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Gente de Opinião

Hiram Reis e Silva

Francisco Xavier da Veiga Cabral – Parte IV


Francisco Xavier da Veiga Cabral – Parte IV - Gente de Opinião

Bagé, 14.07.2020

 

 

 

Jornal do Brasil, n° 66 ‒ Rio de Janeiro, RJ

Sábado, 06.03.1896

 

A Questão do Amapá

 

Interview com Veiga Cabral (Continuação)

 

 

Repórter – No Amapá há força policial ou outra qualquer?

 

Veiga Cabral – Foi um dos primeiros atos do governo do triunvirato, a organização do Exército Defensor Amapaense. Compõe-se ele de todos os cidadãos válidos que tem por obrigação pegar em armas, quando o Amapá está ameaçado de algum ataque.

 

R. – Quem é o chefe deste Exército?

 

V. C. – Sou o General desse Exército. O povo aclamou-me General e o governo do Triunvirato, na minha ausência, expediu-me a respectiva patente assinada por dois membros e um suplente em exercício.

Francisco Xavier da Veiga Cabral - Gente de Opinião
Francisco Xavier da Veiga Cabral

R. – Como foram os franceses no Amapá?

 

V. C. – Antes da minha ida ao Amapá já os franceses tinham querido subir para explorar as minas do Amapá. O povo, porém, apesar das solicitações do Dr. Gonçalves Tocantins e Cônego Maltez que não queriam provocar questões, opôs-se aos seus intentos e eles tiveram de voltar para a Caiena.

 

Em abril de 1895, tive de ir ao Pará, e durante a minha ausência os franceses foram ao Amapá no “Bengali”, desembarcaram e impuseram ao governo ali estabelecido a entrada deles para as minas o que opôs-se, então pediram permissão para passearem pela povoação. O pedido foi-lhes satisfeito e eles aproveitaram-se dela para levantar a planta cidade e na saída marcar em árvores da Boca do Rio a altura das marés.

 

De volta ao Amapá, logo que tive ciência do ocorrido, mandei cortar as árvores marcadas. Soube então que os franceses retirarem-se no “Bengali”, disseram que haviam de voltar e provar-me que um francês era para vinte brasileiros. Ri-me da bravata e tratei dos meus negócios.

 

Tendo ido ao interior cerca de 80 léguas distante da cidade regressei no dia 14 de maio para esperar o vapor do dia 15, que devia trazer-me os jornais, mercadorias e novas dos meus amigos do Pará.

 

A noite de 14, passei-a à cabeceira de uma menina que estava doente, e às 5 horas da manhã de 15 fui deitar-me. Por volta das 8 horas da manhã, o fazendeiro Baptista veio avisar-me de que no porto havia um mundo de soldados e marinheiros franceses, comandados por alguns oficiais e que diziam vir exigir-me a entrega de Trajano, brasileiro, que havia sido escravo no Pará, mas fiz logo o propósito de não lhe entregar, tanto mais que ele não queria sair do Amapá. Não estranhei que tivessem subido o Rio, vi logo que os franceses tinham agarrado o prático Evaristo Raymundo, obrigando-o a conduzir a lancha a vapor com grandes escaleres a reboque onde vinham os soldados, tendo deixado o “Bengali” na Boca do Rio Amapá.

Evaristo Raymundo - Gente de Opinião
Evaristo Raymundo

Mandei logo arvorar na minha casa e na Escola Pública o Pavilhão Brasileiro e no mastro do porto a bandeira de quarentena. A cinco amigos que logo me rodearam declarei que possuía um pavilhão francês que Trajano havia trazido quando veio para o Amapá, e que se os franceses o viessem buscar lhe entregaria.

 

Quanto a Trajano, repeti-lhe o que já tinha jurado a mim mesmo. Não o entregaria, muito embora tivesse de lutar até à morte.

 

 

 

Apareceram então os franceses, uns cento e tantos, trazendo desfraldado o pavilhão francês que depois tomei e que hoje possuo como relíquia de guerra. O comandante dessa força, Lunier, mandou estender a sua gente e avançou com 21 homens. Trazendo preso um velho pescador de nome Chambica para que lhe mostrasse quem era Veiga Cabral. Ao ver aquilo dirigi-me ao grupo dos franceses com intenção de saber o que eles queriam. Fui simplesmente vestido, fumando um cigarro, tal qual como estou neste retrato [retrato cuja reprodução aqui juntamos].

 

NO DIA 25 DE MAIO DE 1895

 

O Capitão Lunier ao ver-me dirigiu-se a mim e deu-me voz de prisão. Ora quem não deve não teme. Não aceitei a intimação, o Capitão empurrou-me e ordenou à sua gente que fizesse fogo sobre mim o que foi imediatamente obedecido, abaixei-me e as balas passaram sem me ofender, ficando cravadas nas paredes da casa da minha residência.

 

Lunier então puxou do revólver, mas não lhe dei tempo fazer uso dele e deitei-o por terra, ficando de posse de seu revólver. O Capitão levantou-se e ordenou novamente fogo, o que foi imediatamente obedecido e mais uma vez deixei de ser ferido.

 

Meus amigos vieram então armados em meu auxílio, travando-se o combate. Matei o Capitão Lunier com o seu próprio revólver. Um Tenente veio sobre mim, porém eu fiz fogo sobre ele matando-o logo. O Sargento teve igual sorte. Por seu lado os meus amigos não perdiam tempo e faziam nutrido fogo. Os franceses, vendo-se sem chefes, debandaram, fugindo para o Rio, calculo que apenas uns vinte e tantos puderam escapar-nos.

 

Satisfeitos com a vitória, tratávamos de arrecadar armamentos, quando fomos surpreendidos novamente pelos franceses um outro grupo de 200 homens, mais ou menos, comandados pelo Tenente Destop, que havia desembarcado no cemitério velho e que vinha atacar-nos pela retaguarda.

 

Éramos já poucos, porque tínhamos cinco feridos. Três dos nossos, tendo esgotado as munições, refugiaram-se no mato. Estávamos na Praça e lutávamos desesperadamente contra um inimigo forte. Quase um quarto de hora lutei sozinho, fazendo constantemente fogo, procurando aproveitar os meus tiros.

 

Afinal, já cansado, eram duas horas da tarde, corri para o mato e de lá ainda matei com dois tiros um preto marinheiro que assassinara a menina Joana, de 12 anos de idade. Matei também um marinheiro que havia assassinado o prático Pedro Chaves.

 

Antes tinta eu lutado com o porta-bandeira Etienne e depois de lhe ter dado um tiro ferindo-o no rosto que o prostrei, tirei-lhe a espada, a bandeira e o revólver. Foi Etienne quem, depois de ter passado por morto, amarrou o rosto com um lenço para estancar o sangue que lhe corria da ferida, mandou incendiar e saquear as casas e matar os habitantes da cidade. [...] (JDB, N° 66)

 

Bibliografia:

 

JDB, N° 66. A Questão do Amapá – Interview Com Veiga Cabral (Continuação) – Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Jornal do Brasil, n° 64, 06.03.1896.

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

·    Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·    Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

·    Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·    Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·    Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·    Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·    Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·    Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·    Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·    Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·    Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·    Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·    Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·    E-mail: hiramrsilva@gmail.com.

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