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Hiram Reis e Silva

Gen Div R1 Décio dos Santos Brasil - Os Waimiri-Atroari – Parte XII


Gen Div R1 Décio dos Santos Brasil - Os Waimiri-Atroari – Parte XII - Gente de Opinião
Bagé, RS, 06.04.2019

 

 

[...] O entusiasmo domina a Velha Guarda!

‒ Brados... exclamações... ao General

Os cavalos escarvam e os freios mordem...

E a música postada na vanguarda

Bate trêmula o Hino Nacional. [...]
(Francisco Lobo da Costa)

 

Recebi um e-mail do Exm° Sr. General de Divisão R/1 Décio dos Santos Brasil, do Sistema Defesa-Indústria-Academia de Inovação (SisDIA/RJ), que, devidamente autorizado, reproduzo a seguir.

Prezado Cel Hiram,

Primeiramente, saudações “Azul Turquesa”.

Anonimamente, tenho acompanhado suas publica­ções e expedições, pois muito me atraem.

Neste caso, sobre os Waimiri-Atroari, resolvi me manifestar, já que ele relembra uma fase importante e inesquecível de minha vida profissional.

Como Capitão, nos idos de 86/87/88, servi no 6° BEC, em Boa Vista. A maior parte do tempo estive à frente da 1ª Cia E Cnst, sediada em Santo Antônio do Abonarí.

Aproveitando a experiência de companheiros que passaram por lá, creio que o Sr. também, estabeleci uma convivência com os silvícolas da área. Alguns fatos são inesquecíveis, pois estão ainda vivos até os dias de hoje.

Vou enumerá-los:

Na ocasião, nós, digo EB, tínhamos o controle do trânsito de veículos e de pessoas dentro da reserva, do Rio Abonarí ao Rio Jundiá. A cancela era abaixada às 18h00 e liberada às 06h00 do dia seguinte. À frente da Cia tinha um posto da Petrobrás, cujo o dono tinha um apelido marcante, mas o tempo não me permite mais lembrar. Ali, as carretas destinadas ao Norte da BR-174, principalmente Boa Vista, esta­cionavam e pernoitavam, bem apoiados pelo posto e seu dono simpático e amigo. Todos respeitavam nossas ordens e orientações, os caminhoneiros, os moradores, a FUNAI e, principalmente, os índios;

Lembro que o “cacique” dos Waimiri, de nome Tomás, era muito cordial e estabelecemos um nível razoável de amizade. Quando ia a Manaus, nos raros “arejamentos”, tinha que trazer o fardo para o Tomás, que era composto de alimentos básicos [hoje chamado de cesta básica] e produtos de higiene. Adorava sabonete Phebo. Quando, dentro da reser­va, cruzávamos com o Tomás, já era costume ceder-lhe o lugar do Cmt, ao lado do motorista [Cb Cesário], na CP 97 e depois na CP 104. Tinha que parar senão ele reclamava. Mesmo que o percurso fosse curto [100 metros];

Pequenas coisas como as relatadas nos permitiam, EB, transitar dentro da reserva sem qualquer pro­blema. Podíamos trabalhar, desmatar, caçar e pes­car. Além disso, costumava levar comitivas que visi­tavam as obras do BR-174 às aldeias mais próximas, onde eram travados os contatos com toda a tribo. Naquela época os índios eram pouco aculturados e viviam nus, embora o Tomás já havia viajado para o Centro do País e até para o exterior;

O Batalhão firmou um convênio com a ELETRONOR­TE para o alteamento do greide da BR-174, princi­palmente no trecho dentro da reserva dos Waimiri-Atroari. Além da terraplenagem, construímos 5 pontes de concreto, incluindo a sobre o rio Abonarí e 3 dentro da reserva. Esse convênio deveu-se à construção da hidroelétrica de Balbina, cujo o lago, quando formado, atingiria diversos pontos da estra­da. Fizemos um volume imenso de aterro, bueiros celulares e tubulares e as 5 pontes. Lembro da ponte sobre o igarapé Traíra e seus encabeçamentos, que foi um grande desafio, devido à região alagadiça [igapós]. Para tal, num trabalho de prospecção, encontramos uma grande jazida de material 1ª classe [cascalho] dentro da reserva. Comandei um grande desmatamento para poder explorar toda a jazida. Nunca fui questionado sobre esse enorme dano à natureza e agressão à reserva indígena. Essa jazida proporcionou realizar a base de todos os trechos alteados e os encabeçamentos das pontes. Foi um grande achado, pois acarretou economia considerável ao projeto;

Na ocasião, o pessoal da Divisão de Levantamento de Manaus [DL], por meio de seus engenheiros em Geodésia e seus topógrafos militares já estaquea­vam o eixo do linhão que ligaria Manaus a Boa Vista com energia elétrica, inclusive dentro da reserva Waimiri-Atroari. Hoje muito questionado. Se o proje­to do linhão tivesse andado naqueles tempos, Boa Vista não estaria sofrendo com a incapacidade da Venezuela transmitir a energia contratada de Guri. A escolha do traçado e a localização das torres já estavam definidos;

Certa ocasião, fomos surpreendidos por uma equipe de reportagem dinamarquesa, que tinha como des­tino Boa Vista. Eram 2 casais jovens e suas mulhe­res, loiras, eram extremamente bonitas e esbeltas. Identificados e estando devidamente autorizados pe­los órgãos responsáveis, continuaram a viagem. Fui alertados de que eles não haviam saído da reserva. Passei então a procurá-los. Foram encontrados numa aldeia dos Atroari, já próximo do Jundiá. Viana, o cacique dos Atroari, era um camarada totalmente aculturado e se vestia muito bem. Só era índio quando lhe convinha. Tive que negociar com calma e comer muita pupunha para agradar os índios e principalmente o Viana, que havia se apaixonado por uma das duas belíssimas loiras dinamarquesas; e

Próximo ao nosso acampamento, cerca de 100 km a dentro da reserva, havia a mina do Pitinga, da Paranapanema, que explorava a cassiterita na região. Era a Mineração Taboca. Mantínhamos exce­lente relacionamento com eles, inclusive com uma conta de livre acesso em seu almoxarifado, que supria muitas necessidades da Cia, principalmente em madeira, material de construção e peças dos Equipamento de Engenharia [Eqp Eng]. Em troca, mantínha­mos a rodovia nas melhores condições de tráfego. Era uma troca muito vantajosa para nós. Nas emergências, mandava os auxiliares buscar peças e materiais na Taboca. Era um período de expansão da mineradora, com grandes áreas de desmatamento, para a construção de suas instala­ções e aeroporto e de substituição de diversos Eqp Eng. Os velhos D-8H não operavam mais, mas havia ainda um considerável estoque de peças que nos interessavam, além de oferta generosa de madeira já trabalhada. Aproveitei bem a fase. Mas a Taboca e a Eletronorte [Balbina] começaram a acostumar mau os índios. Construíram nova grande aldeia, servida de pontes e estradas, forneceram armamento de caça, alimentação processada e viaturas para deslo­camento. Lembro que o Batalhão, na época do asfal­tamento da BR-174, acho que no final dos anos 90 e início dos 2000, teve sérios problemas para atuar dentro da reserva, obrigando a interferência de altas autoridades, dos diversos níveis.

Coronel Hiram, por enquanto é só. Nosso trechos têm muita história e o Sr. tem proporcionado boas recordações.

Meu pai comandou o 7° BEC [72/73/74] quando eu ainda era jovem adolescente, interno no Colégio Militar de Manaus [CMM]. Mas aproveitava as férias para conhecer melhor a nossa Engenharia, dedicando rápidas passagens pelas residências de construção do Batalhão. Na vida acadêmica me dediquei a cultuar o nobre amigo, inclusive, já na Engenharia, sagrar-me campeão da prova de hipismo nas Olimpíadas Acadêmicas de 1977. Mas o sangue “azul turquesa” falou mais alto. Embora voluntário para comandar o 7° BEC, fui designado para o 2° BE Cmb, em minha terra natal.

Sobre o Padre Calleri, próximo ao início da reserva indígena, após transpor o rio Abonarí, havia um monumento abandonado em homenagem àquela expedição. Mantive o terreno limpo, mas os tran­seuntes depredavam o que podiam. Outro monu­mento abandonado, à época, era o da passagem da Linha do Equador, próximo ao acampamento da Arara Vermelha, já em território roraimense.

Estarei acompanhando suas postagens.

Forte abraço.

Gen Décio Brasil

SisDIA-RJ

 

 

Solicito publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

E-mail: hiramrsilva@gmail.com;

Blog: desafiandooriomar.blogspot.com.br

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