Domingo, 22 de outubro de 2017 - 18h32
Hiram Reis e Silva, Rio Branco, AC, 29 de setembro de 2017.
Jasão e os Argonautas
(Menelaos Stephanides)
— Do apoio de Hera vocês já sabem, mas vocês também têm Atena a seu lado. Todas as noites, a deusa da sabedoria aparecia em meus sonhos e me aconselhava sobre o que eu devia fazer para tornar nosso navio ainda mais forte e seguro. Pois, embora Atena sempre ajude os artesãos, ela também protege os corajosos e destemidos. Vocês fizeram do velo de ouro sua meta. Essa é uma ambição elevada, justa e que vale qualquer risco. Vocês são fortes e corajosos, os deuses estão com vocês, e os homens admiram sua coragem. Vocês têm um navio como jamais o mundo viu igual. Sigam corajosamente e, então, a labuta de meus artesãos e a minha estarão verdadeiramente recompensadas, quando vocês retornarem vitoriosos.
— Suas boas palavras nos deram confiança e coragem, mestre construtor — disse Jasão em resposta.
— No início nós esperávamos ter sucesso; agora temos certeza disso. Mas eu tenho algo a acrescentar: agora que o navio está pronto, precisamos dar-lhe um nome.
— Argo! — gritou alguém.
— Argo! — disse outra voz.
— Argo! — gritaram todos.
— E todos nós seremos argonautas — completou Jasão, abraçando Argos.
A logística para o cumprimento desta missão, coordenada pelo 2° Grupamento de Engenharia, comandado pelo meu amigo de longa data General de Brigada Paulo Roberto Viana Rabelo, teve início em julho deste ano com o transporte, pelo Rio Amazonas, do meu caiaque “Argo” que se encontrava no 8° Batalhão de Engenharia de Construção (8° BEC - Santarém, PA) para o 2° Gpt E (Manaus, AM), daí, pelo Rio Madeira, para o 5° Batalhão de Engenharia de Construção (5° BEC - Porto Velho, RO), seguindo via rodoviária (BR-364) até o 7° Batalhão de Engenharia de Construção (7° BEC – Rio Branco, AC). Uma manobra que aproveitou o transporte de cargas efetuado regularmente por estas unidades sem ônus para os cofres públicos.
Enquanto meu caiaque seguia seu curso rumo ao Acre eu participava no final de julho, como palestrante, do aniversário do 2° Gpt E, no início de agosto de um Simpósio no Forte Copacabana, RJ, e, logo em seguida, da 3ª Fase da Expedição Centenária Roosevelt-Rondon, desde a Foz do Rio Apa no Rio Paraguai até a Cidade de Cáceres, MS. Concluída a Expedição Centenária, parti para Rio Branco, AC, onde cheguei na madrugada de 02 de setembro. No aeroporto me aguardavam um motorista do 7° BEC e Coronel QOBM Flávio Ferreira Pires que fora contatado pelo meu caro amigo Coronel Sérgio Pastl, ex-instrutor do Cel Pires. O Cel Pires me obsequiou com um churrasco e à noite acompanhei o Cel Luís Henrique Santos Franco e sua querida família até o Shopping Via Verde. Domingo (03.09) ultimei os preparativos para a jornada.
No dia seguinte, 04 de setembro, de manhã, o Major Luciano Flávio Almeida de Lima me apresentou Cel QOBM Roney Cunha da Conceição, Comandante dos Bombeiros Militares do Acre, que hipotecou total apoio à nossa missão em Epitaciolândia e Xapuri e acompanhou passo a passo nossa jornada. O Cel Luís Henrique nomeou o Major Luciano Flávio e a Sargento Andreia Pontes de Oliveira, da Comunicação Social, como nossos elementos de ligação.
Por volta das 10h00, partimos, para Assis Brasil, AC, eu e o Cabo Alexandre Soares Peixoto, do 7° BEC, levando o caiaque, equipamentos eletrônicos, tralhas de navegação e acampamento. Chegamos à tarde ao nosso destino, 2° Pelotão Especial de Fronteira, onde fomos cordialmente recebidos pelo 1° Tenente Cesse Assis Brasil que me levou pessoalmente até cidade para adquirir alguns itens farmacêuticos e à noite e brindou-me com um excelente jantar em Iñapari, no restaurante Cesar Pizzarian, onde degustei, seguindo orientação de meu anfitrião, um delicioso prato chamado “Lomo saltado”. O Cel Francisco Djalma Cesse da Silva, pai do Tenente Cesse, foi Cadete de infantaria na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) quando eu era instrutor do Curso de Engenharia daquela modelar Organização Militar.
05.09.2017 – Partida de Iñapari
Os Rios não bebem sua própria água; as Árvores não comem seus próprios frutos. O Sol não brilha para si mesmo; e as Flores não espalham sua fragrância para si. Viver para os outros é uma regra da natureza. [...] A vida é boa quando você está feliz; mas a vida é muito melhor quando os outros estão felizes por sua causa. (Papa Francisco)
Acordei às 04h30, carreguei as tralhas no caiaque que continuava embarcado no caminhão e, às 05h00, fomos até a margem do Rio Acre, no Peru, de onde parti às 05h30.
Como nos encontrávamos na estiagem o Rio apresentava extensos bancos de areia que dificultavam bastante a navegação. O Argo ia arrastando o casco e o leme na areia e esse atrito exigia um esforço maior na remada. Fazia um ano que não me dedicava à canoagem e, por isso mesmo, tinha decidido iniciar num ritmo mais lento adaptando-me progressivamente ao esforço contínuo de remar, no mínimo, 08h30 por dia. Passei, logo adiante, pela confluência do Rio Yaberija com o Rio Acre –Ponto que materializa a Tríplice fronteira entre as cidades de Assis Brasil (Brasil), Bolpedra (Bolívia) e Iñapari (Peru).
A fauna neste trecho é extremamente rara. A quantidade de troncos bloqueando a passagem parcial ou totalmente é enorme, a mata primária das margens inexiste. A presença massiva de embaúbas (Cecropia pachystachya), que em Tupi-Guarani significa “árvore de tronco oco”, é também conhecida como embaúva, imbaúba, umbaúba ou ainda “árvore da preguiça”. As preguiças gostam das folhas jovens e frutos das embaúbas e de descansar nos seus galhos. São as árvores pioneiras no processo da formação florestal, crescendo rapidamente em solos pobres e resistentes ao Sol intenso, por isso mesmo, verifica-se uma alta concentração delas em áreas desmatadas.
Os enormes bancos de areia e troncos forçavam-me, constantemente, a descer do caiaque e arrastá-lo sob o Sol intenso. A progressão era lenta e penosa e eu tinha dúvidas se conseguiria vencer os quase 190 km que me separavam de Brasileia em apenas três dias.
Avistei uma pequena lontra empoleirada em um galho alisando os bigodes, a bombordo, justamente quando enveredava por um labirinto de troncos, distrai-me e acabei montado sobre um vigoroso caule, desci com cuidado do caiaque me equilibrando no obstáculo, empurrei o caiaque, saltei para o cockpit e continuei minha cansativa jornada.
Como bom gaúcho, ia cumprimentando e acenando para os ribeirinhos que encontrava e raramente meu cumprimento era correspondido principalmente quando se tratava dos emburrados bolivianos. Lembrei-me das palavras do Papa Francisco e continuei saudando a todos mesmo assim.
Por volta das 13h00, cruzei por um grupo bastante heterogêneo de pescadores formado por homens mulheres e crianças embarcados em um grande bote. Cansado aportei, às 13h30, em uma praia à margem esquerda de onde se avistava uma pequena moradia no enorme barranco.Montei, exausto a barraca preparei o material para o pernoite e escalei o barranco de mais de 30 metros até a pequena casinha com o intuito de conseguir um pouco d’água. Não havia ninguém na residência, resignado voltei ao acampamento, colhi água do Rio, com o cantil, e adicionei uma pílula de cloro.
Estava descansando na barraca quando apareceu um jovem chamado Paulo, morador do sítio Bom Jardim, que me convidou a ir até ao seu domicílio para abastecer o cantil. O Paulo era um dos pescadores que eu avistara pouco antes de aportar, sua mãe encheu meu segundo cantil e convidou-me a jantar com eles. Agradeci a gentileza, o cansaço era tal, que eu não tinha fome, só queria descansar. Por volta das 20h30, caiu uma chuva torrencial, tive de ficar secando a barraca por dentro com um uma toalhinha, a chuva amainou mas, no intervalo de 30 minutos, caíram mais duas pancadas.
Total Parcial do 1° Dia (Iñapari – AC 01) = 47,6 km.
06.09.2017 – Partida do AC 01
Achei que podia aproveitar a Lua cheia para recuperar o tempo pedido no dia anterior, afinal o pôr da Lua ocorreria às 04h59 e como começa a clarear por volta das 05hh0 (nascer do Sol – 05h31) eu teria claridade suficiente para navegar à noite.
Parti às 03h50, infelizmente o céu estava totalmente encoberto por plúmbeas nuvens e eu não podia, infelizmente, contar com claridade da Lua. No mapa, o curso do Rio logo à frente, apresentava, nitidamente, uma longa angustura que certamente deveria resultar da mudança do material marginal. Logo confirmei minhas expectativas ao encontrar um extenso lajeado, navegando quase às escuras ouvi um som conhecido de pequenas corredeiras mais à frente. Acabei com o caiaque acavalado de lado nas pedras. Abandonei o cockpit, sequei-o, arrastei o caiaque para longe das pedras e continuei minha viagem. Mais alguns pequenos contratempos, fruto da escuridão que me cercava, vários desembarques em bancos de areia e, no resto a viagem seguia seu curso lento e fatigante como no dia anterior.
Depois do quilômetro 90, os bancos de areia foram progressivamente diminuindo, ainda que volta e meia tivesse de desembarcar. Toda a rotina de tentar identificar o talvegue, pela correnteza que se formava ao encontrar os entulhos encravados no leito do Rio ou pelas bolhas ou espumas que acompanham a torrente, tinha falhado. Aportei no quilômetro 100, para esticar as pernas, depois de percorrer pouco mais de 52 km. Tinha de continuar mais um pouco para diminuir a distância a ser percorrida no terceiro dia. Acampei numa ilhota próxima à margem direita do Rio, num ermo sem fim. Passei o dia sem avistar viva alma.
Total Parcial do 2° Dia (AC 01 – AC 02) = 55,2 km
07.09.2017 – Partida do AC 02
Parti às 05h10. A navegação transcorreu sem problemas. Os bancos de areia e os troncos eram raros e podiam ser desviados facilmente. Aportei, por volta das 17h00, depois de remar quase 12 horas sem parar, logo depois da Ponte Binacional Wilson Pinheiro, que atravessa o Rio Acre ligando a cidade brasileira de Brasileia à cidade de Cobija, na Bolívia.
Telefonei para o Comandante do 5° Batalhão de Educação, Proteção e Combate ao Incêndio Florestal (5° BEPCIF), 1° Ten BM Maricélio Saturnino Souza, e ele destacou uma equipe para me resgatar e levar até o Batalhão. Fui devidamente alojado em um quarto com ar-condicionado, e banheiro privativo e foi-me colocada uma viatura, que fiz questão de dispensar.
Tinha programado descansar por um ou dois dias, caso conseguisse contatar o pessoal da Prefeitura, mas, com o feriadão (08 de setembro era uma sexta-feira) tive de me contentar com a primeira alternativa. Graças ao 3° Sgt BM Adacir Vivan tive a oportunidade de conhecer Cobija e o mau humor endêmico dos bolivianos, à noite jantamos no Restaurante Amarelinho.
Entre os bombeiros havia um Soldado de Ipixuna, AM, SD BM José da Cruz Santos da Silva, que estava estudando medicina em Cobija. Mostrei-lhe um vídeo que fizera da sua cidade quando desci o Rio Juruá em 2013 e ele reconheceu a Dona Consuelo, uma gentil senhora que nos ofereceu a primeira refeição quando ali aportamos no dia 07.01.2013.
Total Parcial do 3° Dia (AC 02 – Epitaciolândia) = 85,4 km.
Total Geral do trecho Iñapari – Epitaciolândia =188,2 km.
Vídeos da Epopeia Acreana - Assis Brasil, AC / Boca do Acre, AM
Parte I:
Rede Globo:
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM - RS);
Sócio Correspondente da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER)
Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS);
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com;
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