Segunda-feira, 27 de janeiro de 2020 - 15h35
Bagé, RS, 27.01.2020
Correio Braziliense, n° 18.145 – Brasília,
DF
Segunda-feira, 28.01.2013
O Incêndio que Ardeu a Alma de um País
[Helena Mader]
Fogo Provocado
por Show Pirotécnico em Boate no Interior do Rio Grande do Sul Mata Pelo Menos
231 Jovens. Estabelecimento
Não Tinha Saída de Emergência
As
centenas de corpos enfileirados e cobertos por lonas pretas, o choro
desesperado dos que conseguiram escapar da morte, a dor dilacerante das
famílias que perderam seus filhos: a descrição automaticamente remete a um
cenário de guerra. Nenhuma outra expressão traduz tão fielmente as cenas
presenciadas pelos sobreviventes e pelas equipes de salvamento que ontem viram
arder em chamas uma casa noturna lotada de jovens, a maioria universitária. Um
incêndio na boate Kiss, no município gaúcho de Santa Maria, a 300 km de Porto
Alegre, deixou pelo menos 231 mortos, segundo dados oficiais, 117 feridos –
cerca de 40 em estado gravíssimo – e um país enlutado. A revolta e o choque com
o infortúnio crescem ainda mais diante das evidências de que a catástrofe seria
facilmente evitada. Investigações preliminares indicam que negligência e uma
série de irregularidades causaram a maior tragédia já registrada no Rio Grande
do Sul e um dos mais tristes episódios da história recente do Brasil. [...]
Em
Brasília, as bandeiras foram hasteadas a meio mastro.
Um
espetáculo pirotécnico com fogos de artifício causou o início do incêndio
fatal. Eram pouco mais de 02h30 da madrugada de ontem e pelo menos 500 jovens
dançavam ao som de uma banda gaúcha quando faíscas atingiram o forro acústico
da boate Kiss – uma das mais badaladas casas noturnas da cidade e destino
preferido dos milhares de uni-versitários que vivem na região. Santa Maria tem
270 mil habitantes e é conhecida como um importante polo de ensino superior do
estado. Segundo relatos de testemunhas, em menos de 30 segundos, a casa noturna
já estava tomada por fumaça e fogo. Sem luz e no ambiente esfumaçado, os jovens
não conseguiam encontrar a saída.
O
pânico generalizado atrapalhou ainda mais a fuga: na escuridão e em meio ao
desespero para salvar a própria vida, alguns clientes da boate pisotearam
outras vítimas. Testemunhas disseram que, no início do tumulto, seguranças
teriam barrado a saída dos jovens por acharem que os clientes queriam apenas
escapar sem pagara conta. Mas, poucos segundos depois, teriam liberado a rota
de fuga ao perceberem a fumaça que tomava conta do estabelecimento. O Corpo de
Bombeiros informou que o alvará da boate Kiss estava vencido desde agosto do
ano passado. [...]
Intoxicação
Poucas
vítimas morreram por conta de queimaduras graves. A intoxicação com fumaça foi
a causa da morte da maioria dos jovens que não resistiu ao incêndio. Os
bombeiros encontraram pilhas de corpos quando, finalmente, conseguiram entrar
na boate.
Militares
e dezenas de voluntários usaram marretas para quebrar as paredes do
estabelecimento, já que havia uma única e pequena porta no local.
Há
relatos de que o acesso estaria trancado no momento do incêndio.
Boa
parte dos corpos foi encontrada nos banheiros da casa noturna. Jovens seguiram
em direção aos toaletes por acreditarem que se tratava de uma saída de
emergência. Diante do equívoco, a maioria não conseguiu dar meia volta para
tentar escapar. Equipes de salvamento que entraram na boate logo depois que o
incêndio foi controlado relataram uma cena de terror: os corpos estavam amontoados
nos banheiros da boate. A maioria das vítimas tinham entre 16 e 20 anos.
À
medida que os corpos eram retirados da casa noturna, caminhões transportavam os
jovens mortos para o Centro Desportivo Municipal. Os cadáveres foram colocados
no chão do ginásio, sobre uma lona preta, e uma fila de cerca de 500 pessoas
rapidamente se formou no local: eram pais e mães desesperados por notícias ou à
espera da dolorosa missão de identificar os jovens mortos na boate Kiss.
Nas
portas dos hospitais da cidade, outras centenas de familiares angustiados e aos
prantos esperavam por notícias dos filhos feridos na tragédia. A cada morte
confirmada, gritos de horror ecoavam pelo ginásio municipal de Santa Maria.
Psicólogos, médicos e voluntários amparavam os parentes das vítimas, mas muitos
desmaiaram no local.
Autoridades
municipais preveem a realização de um velório coletivo a partir da manhã de
hoje. Os cemitérios preparam um mutirão para conseguir enterrar todos os
mortos.
Desolação
Pelo menos 85 homens do Corpo de Bombeiros trabalharam
no resgate de vítimas na boate. Os militares conseguiram retirar 150 pessoas
com vida do local, mas a frustração das equipes por não salvar um número ainda
maior de jovens estava estampada no rosto dos bombeiros. Quando os corpos já
haviam sido removidos para o ginásio e os sobreviventes seguiram para os
hospitais, alguns bombeiros se emocionaram ao avaliar a real extensão da
tragédia.
A festa “Agromerados”,
promovida na boate Kiss, reunia alunos dos cursos de tecnologia em alimentos,
agronomia, veterinária, zootecnia, técnica em agronegócios e pedagogia, todos
da Universidade Federal de Santa Maria. O ingresso custava R$ 15 e as atrações
eram os shows das bandas “Pimenta e seus
Comparsas” e “Gurizada Fandangueira”.
Foi durante a apresentação desta última que o sinalizador foi lançado na boate,
dando início à tragédia. [...] (CORREIO BRAZILIENSE, N° 18.145)
Por ocasião deste
trágico episódio eu estava empenhado na minha 5ª jornada amazônica, a mais
desafiadora e complexa de todas, descendo os 3.950 km dos Rios Juruá e Solimões
desde a Foz do Breu, AM, fronteira do Acre com o Peru até Manaus, AM.
Tomei conhecimento
desta terrível tragédia no 2° dia de nossa permanência em Itamarati, AM, onde
havíamos aportado, por volta das 13h00, do dia 26.01.2013, completando 1.777,5
km desde a Foz do Breu até Itamarati. Tão logo foi possível, fiz contato com
meu caríssimo Amigo e Mestre Cel BM Sérgio Pastl.
Eu tinha sido professor
do Guilherme e do Emanuel, filhos do Cel Pastl, no Colégio Militar de Porto
Alegre, e como nutria pela sua família uma especial afeição pedi a ele para ser
informado a par e passo da situação dos meninos. Com a notável tranquilidade
que lhe é peculiar o amigo afirmou convictamente que os jovens iriam sobreviver
à esta terrível provação.
As distâncias entre as
pequenas cidades ao longo do Juruá eram grandes e levávamos, de caiaque, as
vezes até uma semana para nelas aportarmos e termos condições de contatar o
mundo exterior e saber notícias do Guilherme e do Emanuel. Vejamos alguns de meus
relatos:
(21 a 26.01.2013)
Antes
de iniciar este capítulo, queremos direcionar nossas preces a todos os
familiares e amigos envolvidos direta ou indiretamente no trágico incêndio da
Boate Kiss, em Santa Maria, RS, e, em especial, pelo pronto restabelecimento de
nossos diletos ex-alunos do CMPA Guilherme e Emanuel Pastl. Que o Grande
Arquiteto do Universo fortaleça, ilumine e guarde a querida família de nosso
grande amigo, parceiro de épicas jornadas pela Laguna dos Patos, Coronel PM
Sérgio Pastl e sua dileta esposa Sr.ª Anaclaci de Almeida Pastl. [...]
(29.01.2013 a 03.02.2013)
Chegamos
a Carauari, às 14h00 do dia 03.02.2013, depois de seis dias de exaustiva
navegação nos mais de 500 km que separam as duas cidades.
Tão
logo cheguei ao Hotel, retirei o celular da sacola de viagem para tentar
contatar meu grande amigo Comandante Pastl e saber notícias de seus filhos
vítimas do descaso e da omissão das autoridades e da ganância de empresários da
Boate Kiss, Santa Maria, RS.
Tão
logo liguei o aparelho, entrou uma mensagem do Coronel Pastl, enviada às 14h14
de 03.02.2013, informando, naquele justo momento, que os rapazes estavam
melhorando e haviam inclusive jantado; mais tarde, às 16h14, relatou que os
mesmos tinham tomado banho de chuveiro, que os ferimentos estavam cicatrizando
e que o aparelho respiratório apresentava melhoras significativas.
Eu
tinha passado seis dias sem poder ter notícias de meus queridos ex-alunos e
recebi emocionado a notícia, Deus seja louvado! Estava digitando estas linhas,
na tarde do dia 04.02.2013, e nova mensagem avisava que os meninos deveriam ir
para o quarto na terça-feira (05.02.2013). [...]
Chegada em Porto Alegre, RS
(24.03.2013)
Pousamos
no Aeroporto Salgado Filho, pontualmente, às 09h35. Fiquei surpreso ao
constatar que apenas a Rosângela e sua mãe, Dona Maria (a Mama de Bagé), e o
Coronel Angonese e esposa Srª Eliana lá estavam para me recepcionar, afinal eu
estivera ausente por quase 4 meses. O fato de não encontrar nenhum familiar no
aeroporto me entristeceu.
O
Angonese convidou-nos para almoçar no restaurante Grelhatus, eu não podia
declinar do convite do caro parceiro, que nos acompanhara, a remo, no trecho da
Foz do Breu até Cruzeiro do Sul.
Fomos
até minha casa, tomei um banho para espantar o sono, passara a noite em claro
e, pontualmente ao meio-dia, nos dirigimos ao restaurante acompanhados da
Vanessa e do João Paulo.
A
Rosângela estacionou o carro numa rua lateral onde encontramos o Coronel
Regadas, achei estranha a coincidência e só me dei conta de que havia uma “trama” em andamento quando topei com o
Coronel Araújo na função de Mestre de Cerimônias na porta de entrada do
restaurante.
Havia
duas enormes mesas reservadas aos familiares e amigos mais diletos, a
indignação de antes cedeu lugar à emoção que mexeu com o coração e a alma deste
velho soldado.
Consegui
manter heroicamente o equilíbrio emocional até a chegada do meu caro amigo
Pastl, Dona Anaclaci e seus filhos Guilherme e Emanuel que se recuperaram
bravamente dos ferimentos causados pelo incêndio da boate Kiss, de Santa Maria,
RS. Não consegui conter a emoção e chorei como uma criança.
De
cada Cidade do Juruá eu ligara para saber notícias dos meninos e acompanhara a
par e passo a evolução de seu estado. Ter, agora, a oportunidade de abraçar
meus ex-alunos e seus queridos pais fez com que eu afrouxasse a couraça
espartana que tenho carregado desde o AVC de minha esposa. A Rosângela e o
Araújo souberam guardar segredo, eu não imaginara, jamais, tamanha surpresa.
[...]
Quero, com este pequeno
artigo, mostrar minha solidariedadade a todos aqueles que direta ou diretamente
foram afetados pela Tragédia da boate Kiss.
Fonte:
CORREIO BRAZILIENSE, N° 18.145. O Incêndio que Ardeu a Alma de um País
[Helena Mader] ‒ Brasil ‒ Brasília, DF ‒ Correio Braziliense, n° 18.145, 28.01.2013.
Solicito Publicação
(*) Hiram
Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas,
Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
·
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
·
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
·
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
·
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
·
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
·
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
·
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
·
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
·
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
·
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
·
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
·
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
·
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Galeria de Imagens
* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H