“A força boliviana formou toda e a entrega das armas começaria pelos officiaes superiores. Disse eu a D. Lino Romero que o nosso idéal era a emancipação do Acre e que a cerimonia da entrega da espada do vencido, comquanto fosse um acto muito appetecido pelos grandes exercitos, não nos confortava o coração, porque era um acto que aumentava o infortunio daquelles já infortunados pela derrota”.
(José Plácido de Castro)
- José Plácido de Castro
José Plácido de Castro nasceu em São Gabriel, no Rio Grande do Sul, em 12 de dezembro de 1873. Plácido de Castro trazia nas veias o gene de três gerações de militares. Filho do capitão Prudente da Fonseca Castro, veterano das campanhas do Uruguai e Paraguai, recebeu o nome do avô José Plácido de Castro, major paulista que, após combater na Campanha Cisplatina, radicou-se no Rio Grande do Sul. Seu bisavô Joaquim José Domingues participou da conquista das Missões em 1801.
Começou a trabalhar aos 12 anos, quando perdeu o pai, para sustentar a mãe e seus seis irmãos. Aos 16 anos ingressou na vida militar chegando a 2° sargento do 1° Regimento de Artilharia de Campanha, mais conhecido como ‘Boi de Botas’, em São Gabriel, hoje quartel do 6° Batalhão de Engenharia de Combate. Quando foi deflagrada a Revolução Federalista, Plácido encontrava-se na Escola Militar do Rio Grande do Sul, o velho Casarão da Várzea, hoje Colégio Militar de Porto Alegre. Os oficiais e cadetes pediram o fechamento da escola ao presidente Floriano Peixoto para que pudessem participar, com as forças legais, no combate à Revolução Federalista. Plácido de Castro discordava de seus camaradas e instrutores e lutou ao lado dos Maragatos, chegando ao posto de major. Com a derrota para os ‘Pica-paus’, que defendiam o governo Floriano Peixoto, o herói acreano abandonou a carreira militar e recusou a anistia oferecida aos envolvidos na Revolução.
Mudou-se para o Rio de Janeiro, onde foi inspetor de alunos do Colégio Militar. Algum tempo depois foi fiscal nas docas do porto de Santos, em São Paulo e, voltando ao Rio, obteve o título de agrimensor. Inquieto e à procura de desafios viajou para o Acre, em 1899, para tentar a sorte como agrimensor.
- Artigo 2º - Tratado de Ayacucho - Brasil / Bolívia (27/03/1867)
“Sua Majestade o Imperador do Brasil e a Republica de Bolívia concordam em reconhecer, como base para a determinação da fronteira entre os seus respectivos territórios, o Uti Possidetis, e, de conformidade com este princípio, declaram e definem a mesma fronteira do modo seguinte: (...)
do Mamoré até ao Beni, onde principia o rio Madeira. Deste rio para o oeste seguirá a fronteira por uma paralela, tirada da sua margem esquerda em latitude sul 10º 20', até encontrar o rio Javary. Se o Javary tiver as suas nascentes ao norte daquela linha leste-oeste, seguirá a fronteira, desde a mesma latitude, por uma reta a buscar a origem principal do dito Javary”.
- Seca Grande (1877/1879)
“Os famintos do interior precipitavam-se desesperados pelas estradas em demanda da capital. Os caminhos eram teatro das mais pungentes cenas! As caravanas de retirantes a marchar sempre, como o Ashaverus da legenda, suplicando embalde à muda imensidade uma gota d’água para lhes mitigar o calor dos lábios incendiados pela sede! Tudo era miséria e desolação! As árvores, como esqueletos de pé, estendiam os braços ao espaço, enquanto um vento quente e impetuoso varria do solo as folhas torradas pelo sol!” (Theophilo)
A ‘Seca Grande’ foi a maior seca que já assolou as terras nordestinas em todos os tempos. O efeito catastrófico da seca, agravado pelo adensamento populacional, da área, vitimou mais de 500.000 nordestinos. Fustigados pela seca, levas de nordestinos esfaimados foram atraídos pelo novo El-Dorado abandonando a árida caatinga rumo à selva inóspita.
- Seringais
No período de 1877 a 1900, os seringais foram se multiplicando e se estendendo rumo ao sul atingindo as ‘tierras non descobiertas’, ou seja, terras ainda não exploradas pelos bolivianos. A atenção do governo boliviano estava totalmente voltada, na ocasião, para a extração de ouro e prata e, além disso, a Bolívia na guerra contra o Chile (1879-1882), havia concentrado suas tropas em direção oposta ao Acre. O Purus, o rio Acre, o Antimary, o Iaco, o Juruá, o Abunã, no alto Madeira e outros cursos d’água de menores proporções foram sendo, progressivamente, ocupados pelos novos ‘donos’ daquelas terras abandonadas e desconhecidas. No início o século XX todo o rio Acre estava povoado, explorado principalmente por brasileiros.
- Linha Cunha Gomes
Em 1895, Brasil e Bolívia resolvem determinar a exata localização da nascente do rio Javari procurando definir as reais fronteiras entre os dois países, linha Beni-Javari, segundo o artigo 2º do Tratado de Ayacucho. A missão é concluída pelo capitão-tenente Augusto Cunha Gomes no ano de 1897 e, em outubro de 1898, o governo do Amazonas recebe determinação, do governo federal, de reconhecer como bolivianas todas as terras que ficavam ao sul da linha ‘Cunha Gomes’. Os seringalistas e seringueiros nordestinos estabelecidos no rio Acre e adjacências haviam ultrapassando os horizontes da Pátria ocupando e explorando solo boliviano.
- Bolivian Syndicate
Em 14 de julho de 1901, foi criado o Bolivian Syndicate (syndicate, em inglês, significa cartel), um conglomerado anglo-americano sediado em Nova York. O contrato arrendava, por 30 anos, a região acreana, ocupada por brasileiros, destinando 60% dos lucros para a Bolívia e os 40% restantes para o Bolivian Syndicate. O acordo autorizava o emprego de força militar como garantia de seus direitos na região, e a opção preferencial de compra do território arrendado, caso viesse a ser colocado à venda.
As bases do acordo foram articuladas em sigilo, tendo em vista que a Bolívia tinham pendências de fronteira com os países vizinhos (Brasil e Peru). O contrato foi enviado ao Congresso Nacional Boliviano para que aprovasse as cláusulas acordadas entre o ministro Félix Aramayo e os acionistas anglo-americanos. Muitos parlamentares bolivianos, adversários de Aramayo, eram contrários ao ‘Contrato Aramayo’.
Foi criada, então, a Comissão de Fazenda e Indústria com o objetivo de analisar o contrato. Uma das conclusões apresentadas pelos membros da comissão foi que era impossível à Bolívia conservar o território do Acre sem o aporte de capitais externos, pois não havia uma presença efetiva do Estado boliviano e, uma base demográfica nacional na região, ocupada, principalmente, por brasileiros. Fatores esses que eram agravados pela resistência dos bolivianos em descer do altiplano até o vale amazônico.
A comissão considerava que, dentre todas as hipóteses levantadas, o arrendamento era a única solução, afirmando ‘desgraciadamente em la actualidad no se ofrece ninguno otro medio, ni como probabilidad lejana’. O relatório foi aprovado no dia 17 de dezembro de 1901. A efetivação do acordo tornava a ‘ocupação’ do Acre pelos representantes do Bolivian Syndicate um fato. Gerando um mal-estar, sem precedentes, dos brasileiros contra os vizinhos bolivianos. O governo brasileiro imediatamente iniciou uma campanha para desacreditar o Bolivian Syndicate junto a governos e grupos financeiros que poderiam vir a se aliar ao cartel.
“Temos um Homem no Itamaraty”
O Barão do Rio Branco, Ministro das Relações Exteriores, em dezembro de 1902, passou a articular uma solução diplomática para a ‘Questão acreana’ e a quebra do contrato com a companhia internacional. O Bolivian Syndicate resolve, em fevereiro de 1903, abrir mão do contrato ao ser indenizado pelo governo brasileiro em 114 mil libras esterlinas.
- Luiz Galvez Rodrigues de Arias
Dr. Galvez, advogado espanhol, poliglota, ex-diplomata, que havia servido nas embaixadas da Espanha, Itália, Iugoslávia e Argentina foi recebido pelo governador do Amazonas Ramalho Júnior e o seu secretário dos Negócios do Interior, Pedro d’Alcântara Freire. Galvez relatou a trama, urdida entre a Bolívia e os Estados Unidos da América do Norte, com o objetivo de retirar do território amazonense as regiões banhadas pelos rios Acre, Purus e Iaco. O governador demonstrou certa incredulidade e Galvez retirou do bolso uma folha de papel manuscrita.
- “Em Belém fui encarregado de traduzir um documento de alta importância para o Consulado boliviano” e, passa a ler uma cópia que, prudentemente, guardou consigo. O governador começa a se exaltar quando este leu os artigos 2° e 6° do referido acordo.
“Artigo 2° - os Estados Unidos da América do Norte se comprometem a facilitar à República da Bolívia o numerário e apetrechos bélicos de que esta necessite em caso de guerra com o Brasil.”
“Artigo 6° - No caso de ter que apelar para a guerra, a Bolívia denunciará o tratado de 1867, sendo então a linha limítrofe da Bolívia a Boca do Acre, e entregará o território restante, isto é, a zona compreendida entre a Boca do Acre e a atual ocupação aos Estados Unidos da América do Norte em livre posse”.
Após o relato, Galvez, solicitou apoio, em armas, munição e mantimentos para organizar uma expedição de guerra com o intuito de constituir um estado soberano que, na época oportuna, voltaria a integrar o Brasil. Apoiado financeiramente pelo governo do Amazonas, liderou uma rebelião no Acre no dia 14 de julho de 1899, data da Queda da Bastilha. Fundou a República Independente do Acre, justificando que ‘não podendo ser brasileiros, os seringueiros acreanos não aceitavam tornar-se bolivianos’.
Chamado Imperador do Acre, assumiu o cargo provisório de presidente, instituiu as Armas da República, a atual bandeira, organizou ministérios, criou escolas, hospitais, exército, corpo de bombeiros, exerceu funções de juiz, emitiu selos postais e idealizou um país moderno para aquela época. Um golpe de Estado em seu governo, com seis meses de existência, o retirou do cargo, sendo substituído pelo seringalista Antônio de Sousa Braga, que devolveu o poder a Galvez, um mês depois.
O governo brasileiro despachou uma expedição militar composta por quatro navios de guerra e um outro conduzindo tropas de infantaria para prender Galvez, e devolver a região aos bolivianos. No dia 11 de março de 1900, Luis Galvez rendeu-se à força-tarefa da marinha de guerra do Brasil, na sede do seringal Caquetá, às margens do rio Acre, e partiu para a Europa.
- Expedição dos Poetas
A revolta em Manaus era crescente. O povo clamava por uma ação veemente do governo estadual que decide organizar a ‘Expedição Floriano Peixoto’, batizada de ‘Expedição dos Poetas’ por ser formada, em grande parte, por jornalistas, boêmios e homens de letras. Sem qualquer experiência de combate logo que chegaram ao Acre, a bordo do vapor ‘Solimões’, em 29 de dezembro de 1900, foram derrotados, facilmente, pela guarnição boliviana de Puerto Alonso. O Acre permanecia em mãos bolivianas.
- Plácido no Acre
“Era uma completa espoliação feita aos acreanos. Veio-me á mente a idéa cruel de que a patria brasileira se ia desmembrar; pois, a meu ver, aquillo não era mais do que o caminho que os Estados Unidos abriram para futuros planos, forçando-nos desde então a lhes franquear á navegação os nossos rios, inclusive o Acre. Qualquer resistência por parte do Brasi ensejaria aos poderosos Estados Unidos o emprego da força e a nossa desgraça em breve estaria consumada”. (Plácido de Castro)
Embora apoiasse a causa revolucionária, Plácido não participou da Expedição dos Poetas antevendo seu fracasso. Plácido de Castro estava demarcando o seringal Victoria, quando ficou sabendo pelos jornais, em 1901, que a Bolívia arrendaria o Acre a uma companhia norte-americana, Bolivian Syndicate. Era a motivação que faltava e que o levou, aos 27 anos de idade, a liderar uma revolução vitoriosa contra os bolivianos com um exército, de 30.000 homens, formado por seringueiros, índios e ribeirinhos.
- Heróico na morte (A epopéia do Acre - Sílvio de Bastos Meira)
“Ao transpor a ponte, Plácido ainda comenta, dirigindo-se aos seus companheiros, ser aquele local muito propício a emboscadas. Ao passarem pela mesma grande árvore, muito copada, por onde passara Facundo, ouve-se subitamente um tiro de rifle que atinge Plácido de Castro no braço esquerdo; outro tiro o fere mortalmente na coluna vertebral.
E grita: - Bandidos! Assassinos! Mataram-me! Tenta Plácido sacar a pistola, abaixa-se defensivamente sobre o pescoço do cavalo, mas eis que lhe escapam as rédeas da mão esquerda, sem forças talvez em conseqüência do ferimento sofrido. Sentindo-se mortalmente ferido, esporeia o animal que sai em desabalada carreira. Numerosos tiros o perseguem ainda, julgando, talvez, os agressores, que o herói não estava ferido. Uma bala atravessa o chapéu de Alves Maia, que se projeta ao solo, enquanto a burra dispara.
Emboscados sob a copa da imensa árvore, encontravam-se Alexandrino José da Silva, um negro chamado Eugênio e um caboclo não identificado, que a Plácido parecera, no primeiro momento, ser João da Mata. Genesco de Castro ainda ensaia uma reação, no que é obstado por Plácido a esvair-se em sangue. Assim mesmo, sangrando, ensopando com aquele sangue quente a sela, os arreios e o cavalo, cavalga mais um quilometro. Faltam-lhe já as forças. Tenta desmontar e projeta-se ao solo, exangue. Meia hora de expectativa. Silêncio, em plena mata.
Eis porém que chegam vinte homens em companhia amiga de João Rola, proprietário de um seringal das proximidades, o Benfica. Dentro de alguns minutos arma-se uma rede presa a longa vara, que repousa sobre os ombros vigorosos de dois seringueiros e nela, já sem forças, deita-se o ferido. Seus olhos expressam completa resignação. Ainda encontra palavras para dar instruções a seu irmão e manifestar confiança a seus companheiros. E aquele préstito impressionante atravessa a mata: à frente a rede com o herói ferido, conduzido nos ombros dos seringueiros, ladeados por quatro amigos e atrás, em fila dupla, numerosos seringueiros empregados de João Rola. Há olhos embaciados de lágrimas daqueles homens rudes, seus soldados em inesquecíveis campanhas revolucionárias pela libertação daquela mesma terra, daquelas mesmas matas, daqueles mesmos rios, que ele outrora percorrera triunfante.
Tornam-se vãos os esforços para salvá-lo. Tudo em vão. Quando surgia o dia 11 de agosto de 1908 expirou. Antes de morrer ainda falou muitas vezes. Numa delas exclamou: - ‘Estão manchadas de lodo e sangue as páginas da História do Acre! E acrescentou: - Só lamento é que, havendo tanta ocasião gloriosa para eu morrer, esses heróis me viessem matar pelas costas. Enfim... em Canudos fizeram pior...’ E em seguida, dirigindo-se ao irmão: - “Logo que puderes, retira daqui os meus ossos. Direi como aquele general africano: 'Esta terra que tão mal pagou a liberdade que lhe dei, é indigna de possuí-los.' Ah, meus amigos, estão manchadas de lodo e de sangue as páginas da história do Acre (...) tanta ocasião gloriosa para eu morrer...”
Algumas palavras mais... Depois... silêncio. Era a morte do herói. Estavam presentes Genesco de Castro, Alves Maia, Coronel Rola, Otávio Fontoura, Antônio Rabelo, e Clínio Brandão. Que Pátria seria capaz de esquecer os seus feitos? O poeta Quintino Cunha, enaltecendo os feitos de Plácido de Castro, resumiu neste poema, intitulado ‘Pátrio Dever’, toda sua glória e sua desventura:
Pátrio Dever
Não basta adoração, amor não basta,
vênias augustas, méritos reais,
para a grandeza imensamente vasta
dos belicosos seres imortais.
O ferro, o bronze, que a Ciência gasta
nos vultos dos heróis que a vida faz,
Ah! nunca mais que, tu, morte nefasta,
nunca mais o consomes, nunca mais!
Escreva pois a Pátria esta sentença,
grande na forma, de pensar extensa,
escreva a Pátria, em tímidos alardes,
em nossa História - espaço de mil sois:
- Seja de lodo a sombra dos covardes,
seja de bronze a sombra dos heróis!”
O herói rio-grandense foi covardemente assassinado, aos 35 anos de idade, permanecendo esse crime eternamente impune. Próximo à propriedade do seu assassino, os fiéis amigos de Plácido de Castro ergueram uma lápide de mármore assinalando o local da emboscada. Seus ossos, porém, foram sepultados no Cemitério da Santa Casa de Misericórdia, em Porto Alegre. Na fronte do pedestal, a família fez gravar o nome completo de seus catorze algozes.
- Panteão da Pátria e da Liberdade
Demorou mais de um século para o Brasil fazer, finalmente, justiça a um dos seus mais bravos heróis. Plácido de Castro - o Libertador do Acre, foi entronizado no Panteão da Pátria e da Liberdade e, teve seu nome escrito no Livro dos Heróis da Pátria como o mais novo herói brasileiro. O Panteão, construído entre 1985 e 1986, idealizado como um espaço para homenagear os heróis nacionais, está localizado no subsolo da Praça dos Três Poderes, em Brasília.
Atos do Poder Legislativo
Lei N° 10.444, de 2 de maio de 2002
Inscreve o nome de Plácido de Castro no "Livro dos Heróis da Pátria".
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:
Art. 10 - Será inscrito no ‘Livro dos Heróis da Pátria’ que se encontra no Panteão da Liberdade e da Democracia, o nome de José Plácido de Castro, o Libertador do Acre, Plácido de Castro. Art. ZO - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 2 de maio de 2002; 1810 da Independência e 1140 da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Fonte: Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA)
Acadêmico da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS)