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Hiram Reis e Silva

Madeira-Mamoré Ferrovia do Diabo (Capítulo III)


Madeira-Mamoré Ferrovia do Diabo (Capítulo III) - Gente de Opinião

Hiram Reis e Silva

 

Não é já somente uma aspiração patriótica a Estrada de Ferro do Madeira. De mera concepção, esta grande idéia passou já para o terreno da prática.
(Ministro da Agricultura do Império)

 

-Governo Boliviano

Logo após a assinatura do Tratado de Ayacucho o governo boliviano enviou ao México o General Quentin Quevedo, chefe da delegação boliviana naquele país. Quevedo tinha também a missão de encontrar, nos Estados Unidos, empresários interessados em construir uma estrada que contornasse as cachoeiras do Rio Madeira. O Presidente mexicano Juárez entregou a Quevedo diversas cartas de recomendação que deveriam ser entregues aos norte-americanos. Uma dessas cartas estava endereçada ao Coronel Earl Church que imediatamente se interessou pela proposta boliviana.

 

-Coronel Earl Church

Church descendia de uma tradicional família americana. Engenheiro de formação teve sua primeira experiência como Engenheiro Ferroviário numa Estrada de Ferro de Nova Jersey. Trabalhou, depois, em outras Ferrovias até a crise de 1857. Em 1860, foi para a Argentina onde dirigiu os trabalhos de locação de uma Ferrovia. Retornou aos EUA, durante a Guerra da Secessão, incorporando nas tropas da União aonde chegou ao posto de Coronel. Após a Guerra foi designado, no período de 1866 a 1867, como correspondente do New York Herald, no México, com a missão secreta de apoiar as forças de Juárez contra Maximiliano.

 

-National Bolivian Navigation Company

Church foi até a Bolívia onde, no dia 27.08.1868, obteve a concessão de canalizar o trecho das cachoeiras, organizando a National Bolivian Navigation Company. Não encontrou, porém, parceiros que financiassem o empreendimento nem nos EUA nem na Europa. Retornou à Bolívia, um ano depois, informando que só conseguiria levantar fundos em Londres se o governo boliviano os garantisse. No final de 1869, o contrato inicial foi modificado para a construção de uma ferrovia ao longo das corredeiras ao mesmo tempo em que a Bolívia autorizava e garantia, no mercado europeu, um empréstimo de 2.000.000 de libras a juros de no máximo 8%.

 

-Madeira and Mamoré Railway

Como a ferrovia seria construída em território brasileiro, Church veio ao Brasil e, no dia 20 de abril de 1870, o governo brasileiro autorizou a concessão, por 50 anos, exigindo que a companhia se chamasse “Madeira and Mamoré Railway”, que ela ligasse Santo Antônio a Guajará-Mirim, que a construção deveria se iniciar dentro de dois anos e concluída no final de sete, prazos que poderiam ser prorrogados excepcionalmente.

Church retornou a Londres onde contatou os banqueiros Erlanger & Co. que condicionaram o empréstimo à contratação da empreiteira Public Works Construction Company, para construção da Ferrovia, além da confirmação da garantia do empréstimo, tendo em vista mudanças na política interna boliviana.

Equacionadas as imposições dos banqueiros londrinos, no final de outubro de 1871, Church e os senhores, C. F. de Kierzkowski e L. E. Ross engenheiros da Public Works desceram o Rio Mamoré e o Rio Madeira até a Cachoeira de Santo Antônio. Os engenheiros da Public Works tinham a missão de avaliar e informar à sua empresa se a estrada era viável e o seu custo. Kierzkowski e Ross foram favoráveis ao empreendimento, apesar dos poucos dias que tiveram para fazer a avaliação, e, no dia 1° de novembro de 1871, encenaram uma cerimônia simbólica, removendo a primeira pá de terra da construção da ferrovia.

 

-Início da Construção

No dia 06.07.1872, vinte e cinco engenheiros da Public Works chegaram a Santo Antônio, na época, sede de um destacamento militar brasileiro. Church, por sua vez destacou o engenheiro Edward D. Mathews para fiscalizar os trabalhos da construtora e o governo brasileiro uma comissão chefiada pelo engenheiro Antônio Álvares dos Santos Sousa.

 

-Relatório do Eng° Antônio Álvares dos Santos Sousa (07.05.1873)

Segundo o relatório de Santos Sousa, dez meses depois de iniciados os trabalhos os ingleses foram vencidos pelas dificuldades apresentadas pelo clima, pela floresta e endemias amazônicas e estavam prontos para bater em retirada.

Todos sofrem mais ou menos de febres intermitentes e na ocasião da minha visita estavam sendo atacados de varíola. Em geral parecem-me todos contrariados por não lhes ser permitido antecipar a retirada.

 

-Relatório do Eng° Genesto(07.1873)

A Public Works alarmada com a situação que se desenrolava enviou para Santo Antônio um engenheiro de sua confiança o Sr. Genesto que entregou seu relatório em julho de 1873. Após dez meses de “iniciados” os trabalhos, não havia sido assentado um único metro de trilho pela Public Works. O Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro transcreveu alguns tópicos do relatório:

Essa via Férrea a ser construída terá uma extensão algo tanto maior do que a princípio se computava. Mas este inconveniente não é o maior no momento. São as obras, que demandam ingentes sacrifícios. Os trabalhos de terras atingem o quádruplo da primeira estimativa.

A persistir-se na idéia da realização da linha, segundo meus cálculos, a mesma levará 20 anos a construir, e não custará menos de 2.000.000 libras, sem incluir o sacrifício de grande número de vidas.

Em virtude do Relatório Genesto, a Public Works resolveu, no dia 09.07.1873, entrar com uma ação nos tribunais londrinos solicitando rescisão do contrato considerando que teria sido iludida quanto à extensão da estrada, as condições adversas do terreno e da salubridade da região afirmando textualmente:

Que a zona era um antro de podridão onde seus homens morriam qual moscas, que o traçado cortava uma região agreste em que se alternavam pântanos e terrenos de formação rochosa, e que mesmo dispondo-se de todo o dinheiro do mundo e de metade de sua população seria impossível construir a estrada.

 

-Dorsay & Caldwell

A questão judicial com a Public Works congelara o empréstimo de 700.000 libras. Church não desistiu procurou outra empresa para levar adiante o empreendimento cujo sucesso provaria a falta de competência da Public Works e lhe asseguraria uma vitória nos tribunais ingleses.

No dia 17.09.1873, Church assinou o contrato com a empresa norte-americana Dorsay & Caldwell que assumiu o compromisso de construir os primeiros quinze quilômetros sem qualquer ônus utilizando o material abandonado na selva pela Public Works.

No dia 24.01.1874, chegaram a Manaus os primeiros norte-americanos da Dorsay & Caldwell que seguiram imediatamente para Santo Antônio. Poucos dias depois, em Santo Antônio, faleceu, de malária, um membro da comitiva que, como os ingleses anteriormente, resolveram bater em retirada.

 

-Intervenção de D. Pedro II

D. Pedro II resolve auxiliar Church, consequentemente promovendo a construção da estrada, enviando ao senado uma proposta adicional de 400.000 libras às 700.000 do empréstimo boliviano. O projeto de D. Pedro II dá novo alento a Church, mas ainda havia o problema com a Public Works que apresentara uma planta da ferrovia dando novo rumo à ação judicial e que poderia prejudicá-lo. Church propôs um acordo no qual a empreiteira receberia 45.000 libras, que seriam pagas pelo novo empreiteiro, mais as custas judiciais.

 

-A Golpista Reed Bros. & Co.

A Dorsay & Caldwell detinha o contrato até então, mas não tinha interesse em levá-lo adiante, por isso, transferiu-o para uma empreiteira de Londres a Reed Bros. & Co. A Reed, demonstrando sua total má fé, aceitou o encargo contratual sem conhecer o projeto e muito menos a região. A Companhia protelava sua ida para a região até que, em 18.01.1877, Church declarou nulo o contrato com a empresa. Demonstrando qual era sua intenção desde o início a Reed, que não gastara um único pence no empreendimento, entra com uma ação judicial exigindo indenização por perdas e danos. Church desesperado com mais esta demanda judicial e querendo iniciar logo a construção da estrada aceita fazer um acordo e paga 25.000 libras aos pilantras ingleses.

O Coronel Church resolve, a essa altura, abandonar a Inglaterra, e passar a sua ação para os Estados Unidos. Naquele país somente tivera aborrecimentos. Talvez na sua pátria, fosse mais feliz. (Manoel Rodrigues Ferreira)

 

-Livro

O livro “Desafiando o Rio–Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS, na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br) e na Livraria Dinamic – Colégio Militar de Porto Alegre.

Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:

http://books.google.com.br/books?id=6UV4DpCy_VYC&printsec=frontcover#v=onepage&q&f=false.

Fonte: FERREIRA, Manoel Rodrigues – A Ferrovia do Diabo – Brasil – Edições Melhoramentos, 1959.

  Fonte:
Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
Vice- Presidente da Academia de História Militar Terrestre do Brasil - RS (AHIMTB - RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS);
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.

Site:
E-mailhttp://www.amazoniaenossaselva.com.br
: http://www.desafiandooriomar.blogspot.com 
Bloghiramrs@terra.com.br
:
 

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