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Hiram Reis e Silva

Madeira-Mamoré Ferrovia do Diabo (Capítulo IV)



Madeira-Mamoré Ferrovia do Diabo (Capítulo IV) - Gente de Opinião

Hiram Reis e Silva

 

É para remediar essa situação (o isolamento econômico da Bolívia) e para revelar ao mundo região tão bela quanto o Paraíso Terrestre que dois engenheiros de Filadélfia (P. & T. Collins) vão contornar as cachoeiras do Madeira. Não sou nenhum visionário; ao contrário, sei bem o que digo. Terminada essa obra monumental, a riqueza da Austrália e da Califórnia empalidecerão ante a produção aurífera das montanhas e dos riachos bolivianos, bem assim ante as safras abundantíssimas das planícies e dos vales que lhes ficam de permeio. (Coronel George Earl Church)

 

-P. & T. Collins

O Coronel George Earl Church encontra-se nos Estados Unidos o Sr. Franklin B. Gowen, industrial do aço, Presidente da Philadephia and Reading Coal and Iron Company que tinha interesse em intermediar o contrato de Church. No dia 25.10.1877, foi lavrado o contrato entre a empreiteira P. & T. Collins e a Madeira – Mamoré Railway Co.

P. & T. Collins comprometeram-se a pagar as 45.000 libras que o Coronel Church prometera à Public Works e assinaram um contrato com a Philadephia and Reading Coal and Iron Company que forneceria todo material ferroviário a ser usado na Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. O contrato marcava como data limite dos trabalhos o dia 25.02.1878 e sua conclusão após três anos.

 

-Apoteótica Partida do “Mercedita”

No dia 04.01.1878, partiu com destino a Santo Antônio, primeira cachoeira do Rio Madeira, o vapor “Mercedita”. O efetivo embarcado de 227 profissionais era formado por engenheiros, médicos, técnicos, operários especializados, trabalhadores e a tripulação. No vapor, também, foram carregadas 500 toneladas de materiais para construção, 200 toneladas de máquinas e ferramentas além de 350 toneladas de carvão mineral. O New York Herald fez o seguinte comentário a respeito do evento:

A viagem deste vapor é de interesse nacional, pois pela primeira vez na história norte-americana, daqui parte uma expedição equipada com material norte-americano, financiada com dinheiro nosso e dirigida por patrícios, para executar, no estrangeiro, obra de grande vulto. Consta que, os 54 engenheiros que integram o corpo técnico constituem o mais fino grupo de profissionais que jamais se conseguiu se reunir em expedição semelhante.

 

-Chegada em Santo Antônio (19.02.1878)

Quando os ingleses para cá vieram, as únicas coisas que fizeram durante os dois primeiros dias, foi beber e fumar, mas os americanos trabalham como o diabo.
(Militar do destacamento de Santo Antônio)

Em Belém a carga do “Mercedita” passou para diversas embarcações menores. A primeira delas aportou em Santo Antônio, no dia 19.02.1878. No dia seguinte, às seis horas da manhã, já saía uma turma de engenharia para o campo. No mês de março começaram a aparecer os primeiros doentes. As chuvas, mosquitos, formigas e alimentação precária começaram a minar o entusiasmo dos trabalhadores. No dia 29.03.1878 chegaram novas provisões e iniciou-se a construção de diversos pavilhões inclusive de uma padaria trazendo novo ânimo ao grupo.

 

-Tragédia dos Italianos

P. & T. Collins trouxeram, para a região, trabalhadores de diversas naturalidades, sendo 218 deles italianos. Desde o início o grupo sentiu-se menosprezado já que recebiam salários menores que os pagos aos norte-americanos e irlandeses. Amotinaram-se os italianos se apropriando de munições e víveres. Os revoltosos foram subjugados e oito deles, considerados os cabeças da rebelião, algemados e presos. Certo dia, setenta e cinco italianos resolveram fugir de Santo Antônio e penetraram na selva rumo à Bolívia. Nunca mais se ouvi falar deles.

 

-Ataque das Doenças

Ainda me acho doente e incapaz de fazer o que quer que seja, Vi um enterro ontem. Notei que diversas pessoas iam também carregadas, mas não consegui perceber se estavam mortas ou não. (Engenheiro norte-americano)

No mês de maio eram raros os casos de trabalhadores que ainda não tinham sido acometidos pela disenteria ou malária. As dependências da Companhia mais pareciam um hospital, as esposas de Thomas Collins, e dos engenheiros Nichols e King trabalhavam como enfermeiras. Os víveres rareavam, os trabalhos prosseguiam cada vez mais morosos, metade das turmas estava sempre doente e os sãos tratavam dos enfermos.

 

-P. & T. Collins “Seringalistas” Ferroviários

Pelo contrato que assinaram antes de sair na Filadélfia, os operários eram debitados pelo custo do transporte até Santo Antônio até que tivessem seis meses de serviço e só teriam direito à passagem de volta ao fim de dois anos. Assim é que muitos, principalmente aqueles que, devido à doença, perderam muito tempo, nada tinham a receber. Não poucos estavam com débito para com a firma. Os que tinham vencimentos a receber, podiam comprar artigos de vestuário, fumo e outras miudezas, no armazém de P. & T. Collins, mas não conseguiam obter nem por compra, nem por qualquer outro meio alimento adequado ao clima, ou capaz de estimular o apetite de um organismo combalido.
(Engenheiro norte-americano)

Church não conseguia liberar o dinheiro do empréstimo boliviano para iniciar os primeiros pagamentos aos norte-americanos tornando a situação dos Collins e de seu pessoal desesperadora.

 

-Inauguração nos 4 de Julho

Em clima de festa, no dia 4 de julho, aniversário da independência dos Estados Unidos, Collins inaugurou os três primeiros quilômetros da ferrovia percorrendo com a locomotiva “Church” o pequeno trajeto. Numa curva mal-projetada, porém, a locomotiva saltou dos trilhos, a euforia durou pouco. Nesta data deveriam estar prontos 40 quilômetros de ferrovia e não apenas três. O contrato estimava a construção de dez quilômetros por mês e os norte-americanos estavam assentando uma média de 700 metros.

 

-Início do Desastre

O engenheiro Nichols, representante de Church, era o encarregado de medir e calcular os trabalhos da de P. & T. Collins e enviar ao Coronel Church os devidos atestados para possibilitar o levantamento do empréstimo depositado no Banco da Inglaterra. Nichols é informado por Church, no dia 16 de julho de 1878, de que não haveria possibilidade de pagar os empreiteiros e mesmo que o pagamento pelos serviços prestados fosse feito isto não compensaria os enormes gastos já feitos pelos Collins. Em decorrência disso, os créditos que a empresa tinha em Belém e nos Estados Unidos foram imediatamente cortados. Não havia medicamentos nem mantimentos e o estado sanitário era catastrófico.

No dia 19 de agosto de 1878, seis meses depois de terem chegado a Santo Antônio, os funcionários que quisessem retornar aos Estados Unidos estavam liberados desde que fosse com recursos próprios. Segundo o contrato a empresa só seria obrigada a providenciar-lhes condução de retorno dois anos depois da chegada. Alguns venderam o que possuíam e conseguiram chegar a Belém, outros desceram o Madeira em pequenas e improvisadas canoas e deles não se tem notícia.

Cerca de 300 alcançaram Belém sem um níquel sequer. O cônsul norte-americano alojou-lhes em dois quartos improvisados e conseguiu dinheiro suficiente para apenas uma refeição diária durante duas semanas. O governo americano, finalmente, enviou um vapor para resgatar os seus patrícios que foram transportados, em janeiro, para Nova York onde chegaram depois de dez dias de viagem trajando roupas de verão em pleno inverno.

 

-A Retirada

Em Londres, a demanda em torno do empréstimo do governo boliviano, assumia proporções de desastre. Os portadores de títulos, que os haviam adquirido na baixa, queriam liquidar a ação o mais rápido possível. Church tentava de todas as maneiras contrapor-se à argumentação de que era impossível construir a Ferrovia. Em fevereiro de 1879, foram enviados dois peritos judiciais a fim de verificar a situação das obras que apresentaram relatório desfavorável. Imediatamente alguns engenheiros e funcionários começaram a abandonar a construção.

No dia 03.05.1879, Thomas Collins e o Sr. Gray foram atacados por índios que os feriram gravemente. Collins foi atingido por duas flechas sendo que uma delas atravessou-lhe o pulmão quase o matando. No dia 19.08.1879 foi definitivamente suspensa a construção da Estrada de Ferro e todo material permaneceu exatamente onde estava.

 

-Saldo do Empreendimento

Durante os dezoito meses de permanência na região morreram 141 das 719 pessoas que vieram dos Estados Unidos. Não existe relato do número de mortes entre os 200 índios bolivianos e 500 cearenses que segundo Neville Craig foi extraordinariamente elevada, calcula-se em torno dos 300.

A firma P. & T. Collins faliu sem receber qualquer parcela do empréstimo boliviano e sua esposa ao retornar para os Estados Unidos teve de ser internada em um sanatório para doenças mentais. Todos trabalhadores regressaram a sua terra natal na mais completa miséria.

Brasil, no dia 10.09.1881, declarou caduca a concessão dada a Church. No trágico desenrolar desta funesta página da história, mais uma vez, apenas os abutres especuladores faturaram muito dinheiro.

 
-Livro

O livro “Desafiando o Rio–Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS, na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br) e na Livraria Dinamic – Colégio Militar de Porto Alegre.

Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:

http://books.google.com.br/books?id=6UV4DpCy_VYC&printsec=frontcover#v=onepage&q&f=false.

Fonte: FERREIRA, Manoel Rodrigues – A Ferrovia do Diabo – Brasil – Edições Melhoramentos, 1959.

Fonte:
Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva

Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
Vice- Presidente da Academia de História Militar Terrestre do Brasil - RS (AHIMTB - RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS);
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.
Site:

E-mailhttp://www.amazoniaenossaselva.com.br
: http://www.desafiandooriomar.blogspot.com 
Bloghiramrs@terra.com.br
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