Quinta-feira, 27 de abril de 2023 - 06h10
Bagé,
25.04.2023
Continuamos
a repercutir o oportuno artigo de meu caro Amigo, Irmão e Mestre Higino Veiga
Macedo.
Minha Aprendizagem – Parte II
(Higino Veiga Macedo)
4. Surgimento do Líder
Do
que tenho observado, e até praticado, o homem é alçado LÍDER segundo a
temporariedade das situações. Se em situações de “tempo de bonança” (Líder de conveniência ou ocasião), se de “tempo de crise” (Líder Verdadeiro) e se
de “tempo de caos” (Líder herói e
Instituído).
a.
De Tempo de Bonança
Em
tempo de bonança, as dificuldades são amenizadas e o líder tem seu esforço
dirigido para as realizações de cunho político (aqui entendido como “a relação com a polis”). Só
politicamente terá legitimidade para exercer a autoridade e respaldo para
exercer a liderança em tempo de bonança (paz). Geralmente neste período, os
líderes florescem devagar, amadurecendo lentamente no meio onde convive. Ao
contrário do que muitos pensam, não nascem espontaneamente e de chofre. É
cultivado. O poder do líder, nesta situação, está na fala. É a sua grande
arma. A fala tem que ser bem colocada. Se muito elaborada literalmente, parecerá
petulância; se chula parecerá falta de qualidade do líder e reduzirá sua força
de conduzir os liderados. A retórica e o sofisma serão ferramentas para o
descrédito do líder.
O
líder, dessa situação “tem que”:
ü
Ouvir todas as opiniões, mesmo as mais
disparatadas;
ü
Ser flexível para considerar as ideias
exequíveis e rejeitar as ideias inaplicáveis; e
ü
Ser rígido para executar o combinado e
decidido.
Se
fizer concessões que faça as grandes, de modo abrangente, e anuncie que são
concessões. Nunca fazer pequenas concessões, pois logo se tornarão grandes
problemas. Também não aceitar: concessões para si; não aceitar nepotismo; ou,
privilégios a cooperadores. Qualquer benesse, nesses moldes, mesmo dada com
unanimidade da maioria dos liderados, será depois cobrada por um líder negativo
para justificar sua discordância. Não confundir recompensa ou reconhecimento
com favorecimento.
A
bonança é também o período do aparecimento dos falsos líderes. Geralmente são
aventureiros que, possuindo ambição, mas sem preparo intelectual, se arvoram
em defensores dos oprimidos e saem aos berros contra alguém ou alguma coisa
para chamar a atenção dos liderados e, pelo barulho, chamar a atenção para sua
pessoa. Gostam de anunciar que estão falando em nome da classe, da associação,
da corporação, da instituição. Classifico-os em: líderes de conveniência e líderes
de ocasião. Serão líderes de
conveniência, se o momento convier ao seu interesse ou ao do grupo ou ao do
partido (facção). São os líderes de assaltos, sequestros ou desvio de valores
públicos; são atividades contra a segurança pública; serão líderes de ocasião se o momento for
oportuno. O exemplo mais retumbante é dos líderes de piquete, os insufladores
de greves, os discursadores de palanques partidários.
Esses
falsos líderes, acabada a conveniência ou a ocasião que os levaram a se
manifestar, serão substituídos por outros mais capazes, pelos liderados. Em
muitos casos, eles são manipulados, por um verdadeiro líder, como marionetes.
São os inocentes úteis.
b.
De Tempo de Crise
Nesta
ocasião aparece o Líder Verdadeiro.
Muitas vezes, despercebida a sua presença, mas ele, ao solucionar a crise,
falará a linguagem dos liderados.
Em
tempo de crise, os falsos líderes e os líderes de ocasião perecem. Não tendo
autoridade respaldada pelos liderados, os seus argumentos, fundamentados no
grito, na ameaça, na bravata e no esbravejar serão sufocados pela realidade. Aí
não terão plateia, nem local para suas manifestações falsas, e falhas, ecoarem.
Nesta
ocasião o poder do líder está na AUTORIDADE. A Força Moral será a sua maior
arma. Suas ordens terão que ser cumpridas. Não poderá se dar ao luxo de ouvir a
todos os que queiram opinar. O melhor será escolher um grupo de pessoas, experientes,
que lhe sirvam de conselheiros para rápidas trocas de ideias, mas ter
autoridade de decidir.
As
informações serão poucas e as decisões terão que ser rápidas. Usando o
ensinamento cartesiano, depois de avaliar as informações possíveis, toma-se
uma decisão, traça-se um plano, que não será bom e, durante o desenrolar dos
acontecimentos, vá aperfeiçoando-o ajustando-o com a realidade e com novas
informações. Em função da extensão da crise, para não ser desobedecido e assim
perder a autoridade, deverá usar de diferentes graus de violência.
É
preciso evitar que, por executar sua ordem nesses graus de violência, alguém
morra. Em situação de crise é preciso estabelecer cuidadosos planos para
atender feridos, mulheres, crianças e os velhos.
Ao
negociar uma crise, o líder nunca se reúne sozinho com o grupo antagônico. A
reunião tem de ser aberta para que os seus liderados saibam por diferentes
bocas aquilo que foi tratado. Qualquer negociação à porta fechada, por mais
sincero que ele (líder) seja ao revelar o que foi tratado, haverá um halo de
negociata em desfavor dos liderados. O líder tem que saber muito bem o “o quê, e o por quê” de algo ou de alguma
coisa que motiva os liderados a enfrentar a crise. O “como e o quando” serão resolvidos com a solução da crise.
c.
De Tempo de Caos
Há
estudiosos que afirmam ser o caos também uma forma de organização aleatória. No
caos, em geral o Líder é Instituído. Quanto mais caótico for o ambiente mais
poder é exigido do Líder. O Poder
está no Equilíbrio Emocional. O
autocontrole e a racionalidade serão exigências constantes. A força moral do líder, nessa situação,
está no exemplo que espelha. Um
líder nunca pode desesperar. Mesmo que aconteça, terá que “engolir” o desespero, senão perderá de imediato a confiança dos
liderados. Cabe o ditado de um reino mouro: “nunca chorar como fraco quando se deve lutar como forte”.
Os
exemplos de situações de caos mais palpáveis são: os dos filmes onde o líder de
tripulações, de navios perdidos, é o seu comandante; nas catástrofes naturais –
as autoridades locais; e ... nas guerras, os comandantes.
Será
necessário conhecer bem seus liderados para que no momento oportuno os use como
especialistas naquilo que for preciso: dirigir ou pilotar algo, demolir ou
construir coisa; dirigir ou orientar grupos.
O
líder terá que ser duro no cumprimento do que foi combinado. Terá que usar
diferentes graus de violência, até a da eliminação sumária, se for o caso. A
ação nefasta de um covarde poderá levar a pânico uma população ou grupo. E
pessoas em pânico estão muito próximas da estupidez dos animais.
O
líder terá que assumir, solitariamente, o ônus das decisões. No máximo, um ou
dois amigos para trocar ideia e não como consultores.
Não
haverá tempo para ouvir alguém e muito menos fazer algo ou alguma coisa nas
condições ideais. As informações serão escassas e, por isso, muita decisão será
tomada por intuição (por conduta, na linguagem militar). A intuição nasce com o
acúmulo de conhecimentos adquiridos, que depois de determinado momento, começa
a produzir ideias novas e próprias. A intuição tem diferenciado o líder em
geral do Líder Herói.
5. O Líder Militar
O
militar, por ser um profissional que lida muito perto da morte violenta, tem
que ser um líder formado e adestrado para atuar, em tempo de caos, como o é o
ambiente de combate no tempo de guerra, com:
ü
Naturalidade;
ü
Racionalidade
extrema; e
ü
Autocontrole
profundo.
Tem
que ser, ao mesmo tempo, líder de tempo de bonança e de tempo de crise, pois a
guerra implica em administrar as cidades e países conquistados ou
reconquistados. O líder militar não pode se ajustar à situação apenas de
bonança, mesmo em tempo de paz. Nesta situação, bonança, ele age unicamente
como um chefe. E é na paz que se treina para a guerra, inclusive a liderança.
Particularmente, descreio dos chamados Testes de Reação de Líderes dos cursos
militares. Acho que são apenas testes de resistência à extrema fadiga e que
nesta situação terão que tomar decisões. É resposta pessoal, apenas, e não de
liderados.
O
líder militar deve ser “pescado”
dentro do seu meio, isto é, quando terceiro sargento, entre terceiros sargentos
e indicado por eles; se for segundo tenente, entre segundos tenentes e indicado
por eles. Se forem incluídos os segundos-sargentos e ou os primeiros tenentes
sendo mais antigos, e com um mínimo de liderança, polarizarão para si a
indicação, pelo respeito arraigado à hierarquia. Tais indicações, ao longo da
carreira e juntamente com uma avaliação de desempenho (conceito lateral),
deveriam ser o produto principal para o conceito geral e a consequente
modelagem do perfil profissiográfico tão atual hoje no Exército Brasileiro. A
compreensão errada de hierarquia e de disciplina induz à visão distorcida de
líder e têm sufocado muitos líderes novos. É fundamental a todos os militares
de carreira se adestrarem em liderança.
Será
inadmissível um militar se acovardar no combate. A tranquilidade a apresentar,
mesmo aparente, será adquirida com os fatores: conhecimento
profissional, o adestramento e higidez física. [sublinhei]. Assim conquistará o respeito dos
superiores, pares e subordinados que é a essência da lealdade.
Particularmente,
acho que o “líder militar primordial”
está no comandante de pelotão e no comandante de companhia. É aí que se vive
intensamente o horror da guerra (caos). Em outros escalões, há no máximo o
aspecto de “tempo de crise”. Um
ex-combatente da Segunda Guerra Mundial, brasileiro, da arma de engenharia e
comandante de pelotão de engenharia de acompanhamento, especialista em campos
de minas e armadilhas, Paulo Nunes Leal, disse-me que, no estertor da morte, o
soldado chama pela mãe e pelo nome do Tenente (seu comandante de pelotão). Na
ausência da mãe, o soldado confia no Tenente.
Há
em literaturas militares, uma passagem jocosa sobre um chefe militar da Segunda
Guerra Mundial. Diziam que ele ia para o combate de corpo e alma: a alma dele e
o corpo dos soldados. Mesmo jocoso, o caso revela verdade: quanto mais alto for
o comando mais afastado da linha de combate estará, o que é lógico e
necessário.
O
“conhecimento profissional” é o
primeiro fator que levará um líder militar a conquistar a confiança de seus
subordinados. O líder tem que dominar todos os detalhes de todos os afazeres de
sua especialidade (infantaria, cavalaria, engenharia...). Embora em tempo de
paz seja uma heresia, mas na guerra dirigir, operar, fazer funcionar tudo o que
estiver ao seu dispor e alcance será uma necessidade e poderá salvar vidas. Se
não souber tem que saber buscar quem sabe.
O
“adestramento” é outro fator importante. O treinamento repetitivo, das
atividades, é desgastante. Somente um líder será capaz de motivar os subordinados
de que o exaustivo treinamento é que fará, na hora do pânico, o cérebro ordenar
ao corpo e este realizar algo necessário, mecanicamente, instintivamente. A
velha máxima de que “o suor poupa o
sangue” sempre foi muito atual mesmo antes de ser cunhada pelo gênio a que
a fez.
A
“higidez física” é uma componente que
não se resume apenas na saúde como a palavra higidez significa. Esta saúde tem
que significar o corpo sem doença e extremamente treinado fisicamente. Elas
agirão sinergicamente até o limite genético da pessoa. Não se deseja um atleta
de alto nível, mas sim um corpo que resista à fadiga, à intempérie, e a
doenças. Infelizmente muitos setores do Exército Brasileiro ainda consideram a
educação física um castigo. Não repararam que a atividade física deixou de ser
apenas um componente da atividade militar para ser uma componente de saúde
pessoal. Os homens das atividades privadas não medem dinheiro para, mesmo pela
madrugada, melhorar sua condição física. E os militares ganham (faz parte do
salário) para isso, pois no seu período de trabalho está previsto o horário da
educação física.
O
líder militar é de difícil estudo. Os que estudam o comportamento humano são os
psicólogos. Por serem psicólogos, nunca serão militares e nunca estarão em
combate. Se houver militar psicólogo dificilmente irá para combate, pois ao se
dedicar à segunda formação dificilmente estava ajustado à primeira e terá
valores distorcidos. Por isso, talvez quando se tiver um combatente que, depois
dos conflitos, se torne psicólogo é que se terá uma melhor avaliação. Assim
mesmo terá enorme dificuldade, pois a visão do soldado é uma, do sargento é
outra, do capitão é outra diferente e do general outra muito diferente.
Esta
é uma visão de um militar que sempre esteve pronto para uma guerra que,
felizmente, em trinta e cinco anos não aconteceu – mas estava
profissionalmente, adestradamente e saudavelmente preparado, todos os dias, dos
trinta e cinco anos de caserna.
Tive,
algumas vezes, o ego massageado por companheiros que me nomeavam LÍDER. Nunca
estudei os compêndios especializados sobre Liderança. A não ser o velho Manual
de Chefia e Liderança (C-20-10). Entretanto, li vários compêndios biográficos
de grandes comandantes. De Alexandre, o Grande, até as histórias e exemplos do
meu saudoso Guru PAULO NUNES LEAL. Nunca quis ser CHEFE; busquei ser LÍDER.
Há
tratados apologéticos sobre Chefia. Eu só fui Chefe pela descrição burocrática
da função da organização a que pertenci. Sempre busquei ser líder. Por isso
montei um quadro, que começou com três linhas e foi crescendo à medida que eu
amadurecia. Não sei quando comecei; sei que terminei em 2007 e a aqui a postei:
Para
fechar, registro algumas “REGRAS” que
me impus:
ü
Sempre
tratei subordinados como tratei superiores. Perante os superiores tive a
humildade de reconhecer que eles sabiam, da arte militar, mais que eu. Perante
os subordinados eu me impunha com conhecimentos muito acima dos deles e assim o
respeito por mim floria com naturalidade; e isso me levou a constantes estudos
da arma;
ü
Desde
aspirante, tratei o recruta com particular atenção. Para mim o recruta está
para a atividade militar como a criança de sete anos está para a alfabetização.
Assim como a criança terá a complexidade das letras e números e a aprendizagem
da socialização, assim o recruta terá a complexidade da guerra e a
aprendizagem de viver em coletividade, em comunidade e em sociedade;
ü
Sempre
tratei qualquer subordinado como companheiro de viagem tendo eu mais
conhecimento, ou mais velho. O companheirismo nunca ultrapassou os limites da
formalidade necessária no ambiente de quartel e nem da informalidade
imprescindível nas lides de trabalho duro das construções rodoviárias;
ü
Sempre
fiz, dos que me rodeavam, uma equipe onde cada um sabia exatamente o que fazia,
inclusive eu. Pelo exemplo, sempre demonstrei “o quê” queria, “quando”
queria, “como” queria, “porque” queria e por “quanto” queria...
ü
Nunca
comandei oficiais: tenentes a tenentes-coronéis; comandei futuros coronéis e
comandantes.
ü
Por
todos os lugares que passei, deixei amigos cujos olhos denunciavam que eram
mais que amigos: eram “frater” no
significado do latim.
Se
elas, estas regras, forem úteis a alguém, ficarei lisonjeado.
Campo
Grande, 03 de abril de 2002.
Higino
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H