Domingo, 5 de maio de 2019 - 11h16
Bagé, RS, 06.05.2019
O Novo Argonauta ‒ Rouco Trovão
(José Agostinho de Macedo)
Soa o rouco trovão, lança a tormenta
Sobre um mar
outro mar, sorvem-lhe as ondas
O convulso Baixel,
de novo aos ares
As encruzadas
ondas o vomitam:
Em hórrida peleja
os Elementos
Em cada vaga
a sepultura mostram.
Embora o vento predominante na região seja o NE, os mais
fortes tem sua origem no quadrante Sul e Oeste, sendo os ventos SO e Oeste mais
frequentes no período entre os meses de abril a agosto. No intervalo, de seis a
dez dias, que ocorre entre as frentes frias, os fortes ventos oriundos do quadrante
Sul pressionam o mar contra a costa encobrindo, não raras vezes, toda a extensão
da praia.
O vento SSE, que dura, geralmente, três dias provocou diversos
naufrágios ao longo dos tempos recebendo o apelido de “Carpinteiro da Costa”, pois lançava, na praia, os destroços de madeira
das embarcações que soçobraram. O vento NE predomina no intervalo entre as frentes
frias forçando o mar a recuar e expondo as longas e largas praias.
Naufrágios
Desde o início do século XVI, verificaram-se diversos naufrágios ao longo da costa entre a Barra da Laguna dos Patos e o Arroio Chuí. O naufrágio mais emblemático, porém, foi o do navio inglês Prince of Wales ([1]), nos idos de 1861, que provocou um conflito importante nas então estremecidas relações diplomáticas com a Inglaterra.
Federação, n° 301
Rio Grande do Sul, RS –
30.12.1927
A Questão Christie
Refere Rio Branco em seu
interessante trabalho sobre “Ephemerides
Brasileiras”, assinalando a data de 30.12.1865:
Nota do Ministro
Britânico no Rio de Janeiro, William Douglas Christie, declarando que ia dar
começo a represálias, até obter a satisfação que pedira pela prisão de alguns oficiais
da Fragata “Forte” e pela depredação
dos salvados do navio “Prince of Wales”,
na Costa do Rio Grande do Sul. Cumprindo as instruções do Ministro, o Almirante
Waren captura na Barra do Rio de Janeiro 5 navios mercantes. – O Governo
Imperial pagou, debaixo de protesto, a soma reclamada pelos salvados do “Prince of Wales”, mas recusou a dar a
satisfação pedida pelo caso dos oficiais do “Forte”. O Ministro Brasileiro, em Londres, pediu os seus passaportes,
e ficaram rotas as relações diplomáticas entre os dois países. O laudo do Rei
dos Belgas, Leopoldo I, árbitro escolhido pulos dois governos, foi favorável ao
Brasil [18.06.1863). Por mediação do Rei de Portugal e a esforços do seu Ministro
em Londres, Conde de Lavradio, foram renovadas as relações diplomáticas entre o
Brasil e a Grã-Bretanha, apresentando a D. Pedro II, no acampamento de Uruguaiana
[23.09.1865], o enviado extraordinário, Mr. Thortnon. “Estou encarregado [disse este] de exprimir a V.M.I. o pesar que S.M.
a Rainha viu as circunstâncias que acompanharam a suspensão das relações de amizade
entre as Cortes do Brasil e da Inglaterra, e de declarar que o Governo de S.M.
nega toda a intenção de ofender a dignidade do Império do Brasil, que S.M. aceita
plenamente, sem reserva, a decisão de S.M. o Rei dos Belgas, e que será feliz
em nomear um Ministro para o Brasil, logo que V.M. estiver pronto para renovar
as relações diplomáticas... C. B. (A FEDERAÇÃO, N° 301)
Na noite de 11 para 12.07.1887, naufragaram, vítimas de
um terrível ciclone extratropical que se abateu sobre o litoral gaúcho, o vapor
inglês Cavour, a barca norueguesa Telenak e as embarcações brasileiras Évora, D.
Guilhermina e Rio Apa. Por volta das 21h00, sobreveio um temporal, acompanhado por
um fortíssimo “Carpinteiro da Costa” que
se estendeu até as 02h00, a borrasca foi brevemente interrompida retornando com
maior intensidade pelas 04h00. As embarcações não resistiram à ação das ondas de
até 6,5 m e foram ao fundo.
O Vapor inglês Cavour, procedente do Rio de Janeiro, encalhou
e afundou ao largo da praia de São José do Norte. A Barca norueguesa Telenak que
partira de Montevidéu com destino à cidade de Pensacola, Flórida, USA, soçobrou
na costa de Santa Vitória do Palmar. A Escuna brasileira Évora, que havia saído
de Rio Grande com destino a Macau, hoje território da República Popular da China,
encalhou e naufragou a pouco mais de 16 km ao Sul da Barra.
O Patacho ([2]) nacional
Dona Guilhermina, de Rio Grande, procedente do Rio de Janeiro, carregava açúcar
para Porto Alegre e afundou na Praia do Albardão (Sul da praia do Cassino).
O vapor Rio Apa, da Companhia Nacional de Navegação
a Vapor, vindo do Rio de Janeiro com destino a Montevidéu, no Uruguai, naufragou
ao largo da Barra de Rio Grande, onde deveria fazer uma escala. Pereceram todos
os quarente tripulantes e os sessenta e sete passageiros. O jornal “Echo do Sul” reportou:
Echo do Sul
Rio Grande, RS – 16.07.1887
Urgente
Escrevem-nos da Barra, a
última hora: infelizmente já não há mais dúvidas sobre o naufrágio do Rio Apa […]
A praia está cheia de destroços e de volumes desde aqui até muitas milhas para o
Norte. O Rio Apa foi provavelmente surpreendido pelo furacão no momento em que cruzava
a vista do farol; tomado pelo vértice quando virava de bordo ou fazia alguma manobra,
adernou precipitando-se no abismo das águas. Não deve estar longe o casco. (ECHO
DO SUL)
Esta terrível tragédia acelerou a construção, em Rio Grande, dos molhes da Barra que evitam o assoreamento do canal de acesso ao porto. A obra foi finalizada somente em 1915, quase três décadas após o desastre. Um naufrágio, mais recente, porém, permanece vivo na memória de todos – o do navio Altair. O seu vulto monumental destroçado pela fúria dos elementos ergue-se decadente, há 40 anos, na beira da Praia de Cassino fazendo parte das atrações turísticas da região e do dia-a-dia dos habitantes locais. O naufrágio foi assim reportado pelo Jornal Agora de Rio Grande:
Jornal Agora
Rio Grande, RS – 08.07.1976
Navio
Altair e Navio Punta Piedras
Tripulantes do barco encalhado
estão na cidade – Os 21 tripulantes do navio Altair, da empresa Linhas Brasileiras
de Navegação [Libra], que encalhou 18 km ao Sul da Barra de Rio Grande aproximadamente
às 16h00 de domingo, em meio a uma forte tempestade, foram recolhidos por pescadores
e conduzidos à costa, chegando à cidade por volta das 12h40min de ontem, segundo
o chefe do setor de navegação da agência da empresa, João Alvariza.
Quatorze dos 21 tripulantes
estão hospedados no Hotel Paris e sete foram conduzidos para o Hotel Europa. Segundo
Alvariza, nenhum deles apresentou problemas de saúde, excetuando-se as consequências
da fadiga e das más condições de alimentação que enfrentaram desde que a tempestade
começou, no sábado.
O navio adernou e tornou-se
impossível fazer fogo no Altair para cozinhar os alimentos. O chefe de navegação
da Libra disse que isto obrigou a tripulação a consumir apenas alimentos como bolachas
e conservas de que dispunham.
A carga de trigo que o navio
transportava poderá sofrer as consequências de uma rachadura surgida no convés e
as possibilidades de recuperá-lo sem novos danos são mínimas. Alvariza disse que,
com um calado de 6,40 m, o Altair encalhou a cerca de duas milhas da costa e a rebentação
poderá aproximá-lo ainda mais da margem.
Na manhã de ontem, uma equipe
de 12 homens da Marinha de Guerra, tendo à frente o Comandante da corveta Baiana,
rumou para o local do encalhe por terra, portando balsas infláveis para retirar
a tripulação. Pescadores das redondezas, entretanto, já tinham conduzido a tripulação
à costa e a equipe da Marinha a trouxe à cidade em dois caminhões e uma caminhoneta.
Até às 18h00 de domingo, o rebocador Plutão tentou uma aproximação com o navio,
mas a rebentação impediu que isto acontecesse. Agora o Altair está sendo observado
apenas da terra por três homens da Libra.
João Alvariza disse que somente
hoje, talvez, se possa avaliar com mais precisão as condições em que o barco se
encontra. A Capitania dos Portos do Estado vai ouvir também o Comandante do Altair
para obter mais detalhes sobre o acidente. O barco tem capacidade de 3.040 toneladas.
Navio Altair – Jornal Agora, 10.07.1976
Dezesseis dos 21 tripulantes
do navio Altair encalhado desde domingo 18 km ao Sul da Barra, partirão ao meio-dia
de hoje, por ônibus, para o Rio de Janeiro, enquanto os cinco oficiais do barco
permanecerão na cidade para prestar depoimento na Capitania dos Portos. [...]
Navio Altair – Jornal Agora, 11.07.1976
É quase certo que Altair
não será salvo – Dificilmente o navio Altair, encalhado desde domingo ao Sul do
Cassino, poderá ser tirado inteiro do cômoro de areia em que foi jogado, por circunstâncias
ainda não esclarecidas, durante uma tempestade. Ontem pela manhã, o Comandante Eugênio
Paiva, Diretor da empresa proprietária do Altair, fez uma vistoria no navio, acompanhado
de um perito do Instituto de Resseguros do Brasil, e constatou a existência de uma
rachadura no caso, o que impediria uma operação de reboque, esta operação faria
com que o navio, fatalmente, fosse partido ao meio. Dois porões do Altair foram
invadidos pela água, e a carga de 3.040 toneladas de trigo está totalmente perdida.
O convés também apresenta uma rachadura e os vagalhões da tempestade de domingo
danificaram grande parte do instrumental de bordo.
O Comandante Paiva, ao fim
da vistoria, transmitiu um relatório para a direção central da Libra, no Rio de
Janeiro, e espera uma resposta sobre que providências serão tomadas. Sabe-se, entretanto,
que o próprio Comandante Paiva encontrou poucas possibilidades que indiquem algum
interesse da empresa em retirar o navio. Originalmente encalhado a cerca de duas
milhas da costa o navio, ao longo dos anos, foi sendo empurrado e se integrou a
paisagem da linha da praia.
Em 06.06.1976, o navio Altair
deixava a navegação e passava a fazer parte das histórias dos incontáveis personagens
que por ele passaram. Para quem se desloca do Cassino, inicialmente o navio é visto
como um pequeno ponto no horizonte que vai aumentando com a passagem dos quilômetros
até a possibilidade de um contato físico com a sua carcaça corroída pelo mar. No Sul da Barra do Rio Grande, está uma evidência
visual do cemitério de navios que se espalha entre o Norte e o Sul da Barra do Rio
Grande. (AGORA)
Navio Punta Piedras – Jornal Agora, 09.07.1976
Outro navio encalha com muito
trigo – O Punta Piedras, transportando 3.700 toneladas de trigo argentino para o
Brasil, encalhou no canal da Feitoria, Lagoa dos Patos. O navio argentino com 26
tripulantes a bordo e 116 m de comprimento está assentado integralmente em banco
de areia, após ter sofrido um sensível desvio, já que o canal tem 80 metros de largura.
O Punta Piedras zarpou do porto do Rio Grande na tarde de segunda-feira, com destino
a Porto Alegre, onde desembarcaria as 3.700 toneladas de trigo. Nas últimas horas
da tarde o acidente foi comunicado e ontem pela manhã o rebocador Stem Winber, da
Ciª Navegação das Lagoas dirigiu-se para o local, onde realiza as operações de resgate.
A 37 milhas do Rio Grande,
o navio argentino – segundo as primeiras informações – aguarda resultados satisfatórios
na ação do rebocador, não havendo necessidade de retirada da tripulação de bordo,
como aconteceu com o Altair, encalhado desde domingo a 18 quilômetros ao Sul da
Barra do Rio Grande. Enquanto isso, a Capitania dos Portos vai ouvir depoimentos
da tripulação do Altair para integrar o inquérito instaurado. (AGORA)
Faróis
A frequência de naufrágios
diminuiu com a construção de faróis que proporcionaram às embarcações os únicos
pontos de referência neste litoral sem acentuadas elevações. O farol da Barra da
Lagoa dos Patos foi o primeiro da costa brasileira, construído em 1820 para guiar
os navios que chegavam ao porto de Rio Grande. Quando uma forte tempestade o derrubou,
foi substituído pelo atual farol em 1852.
Somente entre 1909 e 1910
foram construídos os faróis da Barra do Chuí e o farol Sarita, próximo à Reserva
Ecológica do Taim e o farol Albardão, que foi substituído por um outro em 1949,
sendo considerado o mais solitário da costa brasileira. O farol Verga e o farol
Fronteira Aberta foram construídos, respectivamente, em 1964 e 1996, sendo o último
derrubado pouco depois por fortes ventos. Ainda assim, acidentes com embarcações
ainda acontecem nesse litoral, embora em sua maioria estejam restritos a barcos
de pesca que dependem muito das condições meteorológicas ou se arriscam na pesca
ilegal em águas rasas próximas da praia. (BARCELLOS & CORDAZZO & SEELIGER)
Fontes:
AGORA, 1976 – Navio Altair e
Navio Punta Piedras – Brasil – Rio Grande do Sul – Agora, o Jornal do Sul –
Organizações Risul Editora Gráfica Ltda, 1976.
BARCELLOS & CORDAZZO & SEELIGER
- Lauro Barcellos; César Cordazzo; Ulrich Seeliger. Areias do Albardão - Um Guia
Ecológico Ilustrado do Litoral no Extremo Sul do Brasil – Brasil – Rio Grande do Sul – Editora Ecoscientia Rio Grande, 2004.
ECHO DO SUL. Ano XXXIV – Números
160 a 170 – Brasil – Rio Grande do Sul – Edições de 19.07.1887 a
30.07.1887. Bibliotheca Riograndense – Rio Grande – Rio Grande do Sul, 1887.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H