Quinta-feira, 16 de maio de 2019 - 13h08
Bagé, RS, 02.04.2019
O Pium ‒
Boa Vista, RR
Informativo
Mensal do 6° BEC
Ano I –
N° 10 - 20.03.1975
Waimiri-Atroari, uma de Nossas Preocupações
O 6° BEC
prossegue em seu ritmo dinâmico, de trabalho ativo, corrido e acelerado. Há
uma pressa generalizada em todas as atividades: o fim do ano está próximo, e
os dias esplêndidos de verão redobrarão o nosso entusiasmo em produzir mais. A 1ª Companhia de Engenharia de Construção,
o Destacamento Sul, está atuando na região do Rio Alalau: divisa do Estado do
Amazonas com o Território de Roraima, em plena área dos silvícolas
Waimiri-Atroari, que tem sido até hoje um dos grandes obstáculos ao prosseguimento
dos trabalhos. Depois dos episódios dramáticos e cruéis, em que várias vidas foram sacrificadas
pelos temíveis índios, agora, pelos fatos recentes ocorridos na linha de
frente, indicam que os silvícolas, tomaram a iniciativa de manter contatos amistosos, talvez como prelúdio de uma convivência mais
pacífica.
Um Contato Breve e Amistoso
No dia
08.10.1975, por volta das 13h00, no KM 240, na direção Manaus-Caracaraí, a
turma de desmatamento foi surpreendida com o aparecimento repentino de índios
Atroari, que surgiram da selva desarmados carregando cestos com bananas, pupunhas
e cana de açúcar; se se mostravam muito nervosos e apreensivos, num estado
psicológico de muita intranquilidade e até certo ponto desconcertante. Depois
dos primeiros contatos com o pessoal da linha frente, retornaram à mata e, logo
a seguir, apareceram mais 04 índios, todos desarmados, conduzindo às costas
jamaxis cheios de frutas silvestres.
O Chefe do
Grupo foi identificado como filho do Cacique Comprido. Eram dois adultos, 01
garoto de aproximadamente 10 anos e 02 de 14 anos. Os 02 primeiros foram
reconhecidos, pelo pessoal da linha de frente, como sendo os mesmos que vieram
no encontro do dia 14 de agosto passado. O garoto de dez anos apresentava um
ferimento no pé direito, resultante da mordida de um porco selvagem, que foi
prontamente atendido pelo enfermeiro do acampamento, que lhe fez o curativo
devido. O receio dos silvícolas foi desaparecendo na medida que se prolongava o
contato com o pessoal do Acampamento. E, como estavam famintos, almoçaram com
a equipe de limpeza. Queriam mais comida, sal, açúcar, redes [maquera].
Retornaram à selva prometendo voltar dois dias depois.
Novo Contato com os Índios WA
Os
silvícolas, cumprindo a promessa que fizeram, regressaram ao trecho em
construção da BR-174, na zona de ação da 1ª Cia E Cnst, no Destacamento Sul, às
15h00 do dia 12 de outubro. O evento ocorreu na manhã de domingo e os Atroari
que numa coincidência talvez, querendo homenagear o “Dia da Criança”, trouxeram em sua equipe 03 crianças, para
mostrar-lhes o mundo civilizado que desconheciam, portando frutas silvestres
diversas, arcos e flechas.
O filho do
Capitão Comprido também fazia parte desse grupo e há quem diga que a equipe era
liderada pelo Tuchaua Ponta de Lança que mostrava para os curumins [crianças] o
“caminzão” [estrada]. Ponta de Lança
era Capitão de outra maloca, que aproveitou a oportunidade e também nos
visitou. Esses indígenas residem à margem direita da estrada a aproximadamente
4.000 metros do eixo e foram atraídos pelo barulho das máquinas da equipe de
limpeza, que segue logo após a equipe de desmatamento.
Era meio-dia
de domingo e as turmas regressavam dos diferentes locais de trabalho, bueiros,
caminhos de serviço, desmatamento das baixadas de igapós etc, para o almoço e
aproveitar a tarde desse dia para folga merecida e alguns afazeres pessoais. O
Tenente de serviço, na linha de frente, tomou a iniciativa de transportar em caminhão esses silvícolas
acompanhados de alguns elementos da FUNAI até o acampamento provisório do
KM 297, onde foram efetuadas as trocas de brindes. Naquele acampamento, 05
índios dos mais velhos e 03 crianças, apavorados
com o número de trabalhadores que se acercou do local, se evadiram bruscamente em direção à selva. Os demais silvícolas
permaneceram no acampamento por cerca de uma hora, aproximadamente, na troca
amistosa de presentes. Depois retornaram no mesmo caminhão para a linha de
frente, de onde seguiram pela mesma trilha
para suas malocas e prometeram retornar dentro de 03 dias.
O aborígene
Atroari já olha a equipe bequiana como “Baré”
[amiga, bacana, legal, boa] e é através da troca de presentes e abraços, fato
que se renova a cada encontro que ele procura comprovar essa amizade que se
estreita a cada dia que passa.
Ainda no
desenrolar destes acontecimentos, registramos dois diálogos entre militares e
os visitantes. Um dos silvícolas da segunda equipe perguntou ao Cabo Teles:
‒ Caminzão, pra onde?
Ao que o
Cabo respondeu:
‒ Pra Boa Vista.
O índio
voltou a falar, dizendo num português bem ruim:
‒ Boa Vista, marupá [ruim, não é amiga].
Na última
visita, um dos militares presentes perguntou a cada um dos visitantes:
‒ Cadê Maria?
E cada um
respondeu:
‒ Maria, não.
Foi, então a
vez de um silvícola indagar do militar.
‒ E Maria?
E o militar
respondeu:
‒ Maria longe, Manaus.
E o índio
retrucou:
‒ Manaus, bom, muita Maria.
Desta forma,
pelo desenrolar dos acontecimentos, acreditamos que dentro em breve, iremos
vencer mais uma das grandes dificuldades que se antepuseram na dura e espinhosa
caminhada de nossa vibrante jornada.
O Pium ‒
Boa Vista, RR
Informativo
Mensal do 6° BEC
Ano II –
N° 18 - 20.11.1975
ô
Atroari ô
Durante um
dos trajetos do Alalau até a clareira, a equipe sobrevoou o Posto de Atração
FUNAI, no KM 310, e Por coincidência se deparou com grupo de seis índios
Atroari trocando presentes com os elementos que ali se achavam no momento. Aproveitando
a oportunidades foi feito pouso para fotografar e filmar os silvícolas. Os
mesmos não se assustaram com o barulho do helicóptero e ficaram muito contentes
em “posar” para os tripulantes ‒
houve uma verdadeira confraternização entre os índios, elementos da FUNAI e
funcionários do Batalhão, provando assim, um relacionamento cada vez maior e
diminuindo a rivalidade tão agressiva dos moradores da selva, que tantas marcas
lamentavelmente tem deixado no desenvolvimento da nossa missão. [...]
O Pium ‒
Boa Vista, RR
Informativo
Mensal do 6° BEC
Ano II –
N° 19 - 20.12.1975
Notícias do Batalhão – Jauaperí
Ultrapassado
Primeiro foi
a equipe de desmatamento mecânico, que, no dia 21.03.1975, ultrapassou sem
muitas delongas para nos deixar cheios de ansiosa expectativa o “Rio Jauaperí”. Depois foi a vez do “Trairí”, atingido no dia 23.10.1975 que
ficou rapidamente para traz, e consequentemente visado está o “Rio Branquinho”, mito que deixará de
existir logo mais... Parabéns à toda equipe, pois apesar da necessidade do
bem-estar dos seus lares, fazem a força, unificada, transformar-se em grande
serviço de derrubada das árvores de tamanhos descomunais, para acontecer o encontro
alegre, que está previsto e esperado por todos do Destacamento Norte, 6° BEC e
aos observadores, na “reta de chegada já
bem próxima”.
Na parte
recuada, do desmatamento, segue a turma que vai disputando com barro, areia,
pedra, piçarra, chapas metálicas, madeira e tudo enfim, pedindo lançamentos de
bueiros e tudo mais que é necessário para irem mais rápido ainda. A turma de
terraplenagem que também não só ultrapassou o “Jauaperí” no dia 03 de novembro próximo passado a 430.900 metros da
Capital Amazonense, como conseguiu a melhor produção, do ano de 1975, com
460.060 metros cúbicos de material escavado e lançado no eixo da estrada.
Com o famoso
“Jauaperí” à retaguarda, seguem
agora, a passos largos, em direção ao “Trairí”,
ansiosos, desde já pela chegada do Natal e com a acolhida sonhada em seus,
nossos, de todos os lares na cidade. Entretanto, o “Trairí” fica próximo agora. Em frente companheiros, pois que
estamos perto do objetivo ‒ “CONCLUSÃO da
BR-174”, fator que impulsionará o progresso de Roraima.
Homenagem a João Morais
Flecha Atroari Impede a Marcha de Morais
O fatídico incidente ocorreu em plena selva Amazônica, já no Território
de Roraima, no trecho considerado reserva indígena. Na época foi manchete em
todos os jornais do país e agora, passado um ano, vamos reviver o fato para
prestar ao João Morais a homenagem que ele bem merece.
A tragédia
se deu a 17.11.1974, era cedo ainda quando Morais saia para caçar, uma vez que
ele era uma das molas mestras da firma Clodan Nunes, responsável pelo
desmatamento manual da BR-174.
Por volta
das 10h00, ouviu-se o estampido de arma de fogo ecoar pela floresta sombria.
Depois voltou o silêncio, a calma, a tranquilidade.
Só a mata
com seus pássaros buliçosos e alegres, mais o farfalhar das folhas e o balouçar
das flores silvestres enchiam o ar com aquele aroma peculiar da selva. Quando
do retorno ao acampamento, seus companheiros notaram a sua ausência.
Julgaram-no
perdido, apesar do conhecimento profundo da região. Combinaram-se e partiram
para o tronco de uma grande árvore [Sucuubeira] onde com machado dariam batidas
diversas para que pelo eco, pudessem ajudar o amigo retornar ao acampamento.
Dos três
trabalhadores, um só ficou e quando a dupla se aproximava da árvore em mira,
foi atacada e trucidada pelos Atroari. Com a algazarra dos indígenas, o outro
trabalhador saiu para ver o que se passava e, diante do horrendo espetáculo que
assistiu, fugiu apavorado em direção ao acampamento do BEC, onde relatou a
ocorrência.
O trágico
acontecimento se deu no local onde hoje está plantada a estaca 1125 [quilômetro
22,5 do trecho Alalau-Branquinho]. Ao tomar conhecimento do fato, a equipe de
busca do Destacamento Sul, adentrou à selva no intuito de localizar algum
sobrevivente ou os cadáveres. Os dois trabalhadores foram localizados, mas, o
cadáver de João Morais não foi encontrado.
Hoje, a
BR-174, como uma gigantesca sucuri serpenteia a selva Amazônica como a exibir o
seu lombo vermelho da piçarra, às vésperas do encontro acalentado por séculos
nos seios amazônidas, mormente, o roraimense.
Esse
encontro deixará de ser um sonho para tornar-se a realidade da década. Mas,
antes que isso acontecesse era necessário que muitas e preciosas, vidas fossem
sacrificadas, muitas lágrimas fossem derramadas, muitas noites mal dormidas,
muito suor e sangue fosse derramado. Era necessário coragem, bravura e,
sobretudo, amor à Pátria. Isso é natural dos grandes empreendimentos.
Foi do
Independência do Brasil, na Batalha do Riachuelo, na Tomada de Monte Castelo,
na construção da Belém-Brasília, Transamazônica e assim, na construção da
Perimetral Norte e BR-174, que interligará Roraima ao resto do gigantesco
Brasil.
Nessa hora
de satisfação para nós, queremos lembrar o João Morais que sem dúvida nenhuma
deu a sua parcela de colaboração, pagou com a vida a ousadia de ir bem na
frente da estrada da integração Manaus-Boa Vista e, em sua homenagem, que a
ponte construída cobre o Igarapé do km 253 receberá o nome João Morais.
O Pium ‒
Boa Vista, RR
Informativo
Mensal do 6° BEC
Ano II –
N° 20 - 20.01.1976
Marcamos um Encontro com o
Impossível
Para Vencê-lo
Em 22 de
dezembro de 1975, o 6° BEC concluiu o desmatamento da BR-174, com o encontro
das duas frentes de serviço, aproximadamente sobre a linha do Equador, na
altura do KM 362.
A conclusão
desse trabalho possibilita, pela primeira vez, a ligação, por via terrestre
entre Boa Vista, capital do Território de Roraima e Manaus, através de uma
rodovia de classe pioneira, com 776 KM de extensão, dos quais 86 KM ora em
caminho de serviço, construído ao longo da faixa desmatada de 70 m roubados à
floresta.
Este
significativo evento cresce de importância, e se constitui num verdadeiro feito
heroico ao considerarmos que, no afã de concluir os trabalhos antes do Natal
de 1975 antecipando-se aos prazos previstos as duas equipes de desmatamento
mecânico, sob as chuvas dos últimos quilômetros, conseguiram o expressivo
rendimento de 72 KM em apenas um mês de trabalho.
Fato
interessante ocorreu nos últimos dias que precederam o histórico encontro.
Simultaneamente com o avanço dos tratores derrubando a mata virgem, procedia-se
o estudo de uma variante no Rio Branquinho.
A contagem
regressiva indicava que no dia 18 de dezembro, faltavam apenas 07 KM Para o
fechamento; logo, verificou-se que houve engano da informação; a variante tinha
alongado o traçado e na realidade faltavam 12 KM para se atingir o Rio
Branquinho, meta da chegada das duas equipes de desmatamento mecânico.
Era quase
impossível proceder-se a junção das duas frentes de serviço antes do Natal.
No dia 20.12.1975, o Destacamento Sul atingiu o Rio Branquinho e iniciou
imediatamente a construção de uma “pinguela”
para transpô-lo com suas máquinas. Nesse dia o Ten Cardoso Ramos, do
Destacamento Norte venceu à pé, os últimos quilômetros de pântano e fez ligação
com o Ten Cláudio do Destacamento Sul. Juntos hastearam a Bandeira Nacional nas
margens conquistadas do Rio Branquinho.
O tempo
passou a ser ameaçador e pesadas chuvas fizeram subir aguas do Rio,
dificultando ainda mais a construção da ponte pinguela. O Cap Seabra, Cmt do
Destacamento Norte, fez ligação com o Cmt do Batalhão e marcaram a data de 22
de dezembro, para o encontro impossível. Rapidamente o Cmt do Destacamento Norte
transmitiu a ordem ao Chefe da Equipe de Desmatamento Mecânico, Sgt Garcia:
‒ Cumpra-se a previsão!
Enquanto o
Destacamento Sul, embora tenha sido o 1° a chegar ao lendário Rio Branquinho,
permanecia imobilizado nas jornadas de 20 e 21, detido pela fúria desse Rio
ainda não domado, redobraram-se os esforços do Destacamento Norte, agora tendo
à frente um imenso pântano de quase 05 km formado pelas últimas chuvas caídas.
No dia 21 dez, três tratores de lâmina do Destacamento Sul conseguiram
transpor o Rio. Trabalhou-se dia e noite ininterruptamente quando na tarde de
22.12.1975, nas turmas dos Destacamentos Norte e Sul ouviu-se mais forte o
ronco dos tratores.
Diante de nós tombou a última das grandes árvores, cujo estrondo
concretizou finalmente, o desfecho da grande epopeia, como Éolo ([1]) que
sacudiu nossas mentes de intensificadas vibrações depois de estabelecer a
inscrição do epônimo ([2]) de
quantos se imolaram na íngreme e exaustiva caminhada. Por fim, às 16h00, deu-se
o tão esperado “encontro”.
Companheiros que vibraram no afã de incontrolável contentamento da
vitória e se defrontaram com chavascais quase pântanos onde geralmente ficavam
enraizadas ao terreno duas e às vezes três máquinas, mas sempre ajudadas por
uma quarta, que lhes servia como tábua de salvação naqueles instantes quase
angustiosos para o insofismável encontro, que se daria dali a horas...
Prosseguiram, vendo já as colunas de fumaça que as máquinas do
Destacamento Sul levantavam ao derrubar cortar e forcejar em direção Norte, e
isso dava uma sensação de saber-se necessário, pois na posteridade seria
lembrado com bravura, já que a guerra, luta contra a natureza adversa havia
vencido e isso fazia a todos que estavam presentes, sentir a euforia de verem
por terra os primeiros a virem de Manaus até o nosso Território em veículos,
coisa jamais conseguida antes...
Encontraram-se; pararam e olharam-se; operadores, chefes de equipes e,
como duvidassem do feito, correram e abraçaram-se cheios de alegria, concretizando-se
em seus lábios:
‒ UFA! Vencemos companheiros.
Passados os primeiros instantes onde a emoção tomou conta das palavras,
mesmo cheios de lama em suas roupa, foi pedido o encontro das lâminas dos
tratores do Norte com os do Sul, sempre irmanados pelo objetivo alcançado, e tiraram
fotos debaixo da fina chuva que caía implacável desde há muitos dias.
O objetivo, inesperadamente conquistado, alenta-nos o propósito de
prosseguir com a experiência conquistada, para a definitiva ligação de Manaus
ao BV-8. A Hileia intransponível chega finalmente ao término de sua inviolável
penetração.
O último desvão do Território Nacional que ainda restava, ligado agora a
resto do País, demonstrando a Nação e ao Mundo que nos olha que o temeroso
desafio fora sobejamente conquistado para, gáudio de todos no brasileiros, que
neste momento nos rejubilamos com a conquista do evento.
Nosso preito
de gratidão, de reconhecimento e de saudade, àqueles que tombaram, no próprio
campo trabalho e que a posteridade não irá esquecer.
Foram 23
companheiros, de Germano Miranda a Severino Xavier Filho, verdadeiros lídimos
da Engenharia Militar de Construção que tudo deram de si, à sua pátria, até
mesmo o sacrifício da própria vida. Aqui fica a nossa homenagem póstuma.
O Pium ‒
Boa Vista, RR
Informativo
Mensal do 6° BEC
Ano II –
N° 23 - 30.04.1976
Nosso Entrevistado
“O Cearense de Cedro”
Estatura
mediana, mãos calejadas e pele curtida pelo Sol do Equador, semblante alegre e
conversa pausada, caracterizam o cearense de cedro, André Moreira Nunes, que
apesar do seu corpo franzino, é como disse Euclides da Cunha, ‒ “o sertanejo é, antes de tudo, um forte”.
Chamado de “Pai André” pelos arredios
índios Atroari, o grande pioneiro e desbravador, iniciou seus trabalhos de desmatamento
na Amazônia, no 5° BEC por ocasião da abertura da BR-364 e continuou no 6° BEC,
a partir de 1973, sendo e encarregado de uma das turmas de desmatamento manual
que atuou na frente Sul da BR-174. Pioneiro da grande Rodovia, viveu os mais
diversos episódios e imprevistos impostos pela natureza da região inóspita da
selva, destacando-se a passagem pela reserva Indígena, como o problema mais
extenso. Sempre sorrindo, relatou passagens difíceis da sua tarefa,
demonstrando grande tranquilidade.
‒ André: iniciamos
o trabalho de desmatamento manual no KM 86 até o Rio Jauaperí e foi justamente
nesse trabalho, que tivemos o primeiro contato com os índios Waimiri-Atroari,
na ocasião da chegada ao Rio Alalau.
‒ Repórter:
qual a sua reação ao se deparar com uma tribo indígena, você teve receio de
prosseguir na missão ou continuou com esta tua maneira tranquila?
‒ André:
bem, eu já estava prevenido de que iria encontrá-los e como deveria proceder,
porém passaram-se dois dias e não, apareceram, o que indiretamente me forçou a
realizar o primeiro encontro após o Massacre do Padre Calleri. Fui pela lógica
do serviço, se tínhamos de enfrentá-los, tínhamos de achá-los. Não me causou
nenhuma surpresa, apesar de ser um problema a mais, no desenvolvimento dos nossos
trabalhos; considero-os um acontecimento secundário ante a grandeza e
importância da nossa missão.
‒ Repórter:
que atitude você tomou para criar uma situação amistosa entre os silvícolas e o
seu pessoal?
‒ André:
foi muito fácil, levemos brindes e fiz-lhes um convite a visitar o nosso
acampamento. Daí sucederam-se as visitas em caráter inteiramente amistoso, o
que possibilitou prosseguirmos tranquilamente até alcançarmos o Rio Jauaperí,
ponto de conclusão desse trabalho.
‒ Repórter:
André, quando aconteceu e como você procedeu com o primeiro alarme de um
provável massacre?
‒ André:
justamente quando os trabalhos já alcançavam os 30 KM, após o Alalau. Na
Ocasião, eu estava aqui na Sede e o Coronel Oliveira, Comandante do Batalhão na
época, havia recebido um alarme de que os índios atacariam o pessoal da
topografia e solicitavam autorização para suspender os trabalhos. Tranquilizei
o Comandante e retornei imediatamente pedindo-lhe apenas que ficasse em
contato permanente comigo pela estação rádio do Batalhão.
E tudo aconteceu como eu previra era apenas um
alarme falso, um alvoroço sem nenhum significado. Apenas realizaram um dos seus
costumeiros rituais. Dançavam entre batuques de tambores e gritos, em volta do
pessoal da topografia. E conforme transcorria o festival, eu transmitia ao
Comando e demais oficiais do 6° Batalhão, as ocorrências através do rádio.
‒ Repórter:
quando realmente ocorreu o primeiro massacre e quais as causas que o
provocaram?
‒ André:
o Batalhão, por razões técnicas, modificou o traçado da rodovia, o que nos fez
refazer todo o serviço de desmatamento manual a partir do Rio Abonarí. E nesse
trabalho, no dia 17 de novembro de 1974, aconteceu o primeiro massacre, onde
lamentavelmente padeceram três funcionários da minha equipe de serviço. Como
aconteceu no primeiro alarme, eu estava aqui na Sede e retornei imediatamente
ao acampamento a fim do estudar um meio de encontrar e resgatar os corpos. Os
trabalhos foram paralisados, até segunda ordem, pelo General Fernando Belfort
Bethlen, Comandante Militar da Amazônia, e somente após 6 dias encontramos 2
corpos completamente trucidados e em alto estado de putrefação. O 3° corpo do
trabalhador João Morais até hoje continua desaparecido. Quanto as causas não
posso lhe dizer nada, pois não cheguei a nenhuma conclusão. Apenas o que pude
constatar foi que alguém permaneceu guardando os corpos por dois ou três dias.
‒ Repórter:
e o que o levou a concluir isso?
‒ André:
os vestígios deixados. Alguém armou uma espécie de acampamento provisório, com
palhas de buriti, para proteger-se do Sol ou da chuva.
‒ Repórter:
como você reagiu após o massacre?
‒ André:
com mesma tranquilidade de antes, eles não me assustam. A minha reação foi de
curiosidade, de observação e não de medo. Sempre me relacionei bem com eles e
não consegui entender até hoje o porquê do massacre.
‒ Repórter:
durante o contato com esses índios você aprendeu a linguagem deles ou se
entendiam apenas de forma mímica?
‒ André:
a linguagem deles é uma repetição contínua, portanto, fácil de aprender. Eu
mesmo forçava algum acontecimento, para provocar uma repetição, para ligar o
que diziam com o que eu entendia. São dotados de uma grande inteligência e tem
uma facilidade de memorizar e de reconhecer o valor das coisas que muito me
impressionou.
‒ Repórter:
Você pode citar algum exemplo da rapidez de memória e reconhecimento do valor
que eles demonstraram para convencê-lo?
‒ André:
a facilidade de memorizar reconheci pelo seguinte teste; juntei um grupo dos
nossos funcionários, chamei um índio e conforme apontava cada um deles,
dizia-lhe o nome. Me afastei do grupo e chamei o mesmo índio e disse-lhe:
‒ Marcondes, cigarro mim
[Marcondes, era um dos meus funcionários que foi vitimado num desastre de carro
em setembro de 1975].
Ele foi até o Marcondes e disse-lhe:
‒ Pai André cigarro.
E, em seguida, entregou-me. Quanto ao
reconhecimento do valor, foi muito fácil, logo entende-lo. Uma vez queria
conseguir uma rede indígena feita de palha de buriti e em troca ofereci um
pequeno brinde que eles recusaram, voltei no dia seguinte e levei-lhes uma rede
das nossas e imediatamente aceitaram.
‒ Repórter:
essa passagem da Reserva Indígena que foi vencida tão heroicamente, você
considera a sua grande realização nessa missão?
‒ André:
não, não a considero como minha grande realização. Como já disse antes, o índio
é um fator secundário na minha tarefa. As duas grandes realizações foram:
1ª Cruzamento dos dois tratores de lâminas no Rio Branquinho, ocorrido
no dia 20.12.1975, que dependeu da construção de uma ponte tipo pinguela, onde
foi necessário o trabalho de quatro dias e quatro noites sem dormir, paro
atingirmos o outro lado do Rio.
2ª Construção da Ponte de 130 m sobre o Rio Abonarí, sem apoio de
rodovia.
Um dos encargos mais difíceis a mim confiado
foi a construção, no KM 238, de uma pista de pouso onde tivemos de lançar todo
o material necessário, inclusive rancho, através de um avião Cesna. Ainda na
fase final de construção, tivemos que pousar naquela pista para retirar 02
operários doentes. Todavia, gosto de trabalhar na linha de frente e recomeçaria
novamente, se necessário, fosse.
Além das
grandes realizações citadas e das passagens difíceis que a selva lhe reservou,
André teve as suas traquinagens e improvisações necessárias ao seu trabalho.
É o maior “caroneiro” do Destacamento Sul, não há
viatura para Manaus ou avião para Boa Vista que ele não “perue” uma vaga.
Seus meios
de transporte são os mais diversificados. Para um bate-estaca, improvisou uma
balsa, para uma serra, usou a cabeça dos peões e assim por diante. E visando
melhorar aqueles meios, comprou um jeep e para incentivar sua equipe, escreveu
no para-choque dianteiro RUMO NORTE.
Mas, como
não tem Serviço de Transporte Automóvel [STA] – oficina de equipamento, o seu
jeep não resistiu às baixadas e, foi encontrado na região do encontro das duas
frentes de serviço, sob uma castanheira, todo depenado, porém ostentando como
símbolo, sua contribuição para a arrancada final que motivou a junção das duas
equipes de desmatamento: RUMO NORTE.
Piada do André – Peão
– D-155
André
retornava de Manaus, na carroceria alguns peões de volta ao trabalho, quando no
KM 17 da BR-174, foi barrado pelo guarda da Patrulha Rodoviária, ocasião em que
o seguinte diálogo foi mantido:
‒ Guarda:
o Sr. não pode conduzir pessoal na carroceria,
‒ André:
Sr. guarda nós somos trabalhadores da estrada e retornamos para o serviço.
‒ Guarda:
é, mas não pode.
Nisso, um
peão desce desconsolado e se dirige ao guarda.
‒ Peão:
Seu guarda, nós somos mesmo azarados, iguais ao D-155.
O guarda não
entendeu a comparação do peão, ficou atrapalhado e perguntou:
‒ Guarda:
D-155... azarado? por que rapaz?
‒ Peão:
Olha seu guarda, nós somos do desmatamento manual da BR-174, abrimos esta
estrada, do km 50 ao 360.
Fomos mordidos por cobra, picados por abelha,
atacados pelos índios e no fim de tudo, não podemos andar na estrada! Pois é,
com o trator D-155 é a mesma coisa.
Ele derruba as árvores, constrói os aterros,
abre os cortes e no fim de tudo, quando a, plataforma da estrade está pronta,
só pode andar se for trepado na carreta. É ou não é muito azar seu guarda?
O Pium ‒
Boa Vista, RR
Informativo
Mensal do 6° BEC
Ano II –
N° 25 - 30.06.1976
6° BEC e os Waimiri-Atroari
Após o
Massacre do Posto Abonarí II em que pereceram o Sertanista Gilberto Pinto e
mais 3 funcionários da Funai, os índios Waimiri-Atroari permaneceram nas suas
malocas, não mantendo nenhum contato com os elementos da Funai ou do 6° BEC,
durante o 1° semestre de 1975.
Quando o
desmatamento mecânico atingia o KM 280,8 ao Norte do Rio Alalau, 10 índios
Atroari assustados e medrosos, porém armados de arcos e flechas estabeleceram
o 1° contato do ano com a turma de desmatamento do 6° BEC em 14.08.1975.
Seguiram-se
no decorrer deste ano e até março de 1976, 16 contatos de índios Atroari com os
trabalhadores e militares do 6° BEC e da Funai, e cuja sequência cronológica é
a constante do documento anexo publicado no “O Pium” do mês de abril passado.
No entanto,
até a presente data os índios Waimiri, que habitam as cabeceiras do Abonarí,
continuam desaparecidos.
Eles deverão
voltar. É imprevisível saber qual deverá ser sua intenção se amistosa como a
dos Atroari, ou se repetirá o massacre traiçoeiro de 29.12.1974.
O ano de
1975 foi decisivo na atração dos arredios índios Atroari. O 6° BEC cruzou a sua
Reserva Indígena de Sul a Norte, com a preocupação única de implantar a
estrada, tendo seus elementos, civis e militares, não se adentrado 01 metro
sequer além da faixa de domínio da BR-174.
A iniciativa
dos contatos, foi deixada, por acertada tática, combinada com a Funai, à
iniciativa dos silvícolas. Os 16 contatos amistosos de agosto de 1974 a março
de 1976 é uma prova irrefutável de que o tratamento dispensado pelo Batalhão e
Funai foi correto, que foram respeitados usos e costumes dessas tribos, que
houve brandura no trato, que a confiança dos silvícolas no pessoal que “invadia” suas terras foi criada, em
razão deles sentirem quais as verdadeiras intenções desses novos pioneiros,
construtores de estradas e não predadores de índios, ou destruidores da sua
caça, pesca e das suas reservas alimentares, tais como: a pupunha, o patauá, a
castanha, o cacau, etc.
O precioso legado deixado pelo Marechal Rondon aos
nossos bravos sertanistas, traduzido na
frase célebre: “Morrer, se preciso for, matar, nunca”;
foi inteiramente
seguida pelos soldados e civis do 6° BEC, que
seguindo seus belos ensinamentos, prestaram
relevantes serviços à causa indígena.
Deixamos à
Funai a missão da proteção e progressiva aculturação das tribos
Waimiri-Atroari, após a BR-174 ser entregue ao tráfego e que ocorrerá no
decorrer do ano de 1976, certo de que o ciclo de massacres e atrocidades por
parte desses silvícolas, no passado se tenha encerrado.
Ten Cel Arruda
Solicito publicação
(*) Hiram Reis e
Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor,
Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul
(1989)
Ex-Professor do
Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
Ex-Pesquisador do
Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do
Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
Membro do 4°
Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de
História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto
de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de
Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
Membro da Academia
Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia
Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito
da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito
da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail:
hiramrsilva@gmail.com;
Blog:
desafiandooriomar.blogspot.com.br
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