Sexta-feira, 3 de julho de 2020 - 09h22
Bagé, 03.07.2020
À
Margem do Amazonas (Continuação)
Mas se os aventureiros
espanhóis, fracassados em duas tentativas, desistiram de procurar o El Dorado,
e nunca mais desceram das terras dos Incas às terras de Manôa, outras gentes
vindas da França, da Inglaterra, da Holanda, se iam instalando nas Ilhas próximas
à Embocadura, com o desplante e a audácia de senhores que nada temiam, fazendo
de cada residência uma pequena Fortaleza, tal como na era recuada do
feudalismo.
Datam daí, dessa
imprudente infiltração estrangeira, as cenas épicas do povoamento do Amazonas.
Os portugueses, embora ameaçados pelos franceses no Maranhão e pelos flamengos
no Meio-Norte, defenderam corajosamente a nova terra, que a imprecisão e a
caducidade do Tratado de Tordesilhas [desaparecido em 1640, quando Portugal se
libertou do domínio espanhol] lhes entregavam como a mais assombrosa das
dádivas. E começaram as explorações metódicas, sistemáticas, práticas, sem a
crendice nefasta das lendas.
Pedro Teixeira,
partindo de Cametá, pequena Vila paraense, em 1637, subindo todo o Amazonas, todo
o Solimões, todo o Napo, até Quito, comandando uma considerável flotilha de
mais de quarenta grandes canoas e duas mil criaturas entre brancos e indígenas,
– observou todo o baixo Amazonas, desde o seu extraordinário arquipélago até a
confluência do Negro e Solimões. Firmava-se em toda a região a conquista
portuguesa.
Caldeira Castello
Branco, Maciel Parente, Aranha de Vasconcellos e muitos outros, foram
incansáveis destroçadores dos ádvenas ([1]), e
verdadeiramente os primeiros que levaram através da planície, até os altos
Rios, a ideia da soberania e da posse. Depois dessas entradas memoráveis se
foram povoando as margens do Rio-Gigante. E os seus maiores afluentes, como o
Xingu, o Tapajós, o Nhamundá, o Madeira, receberam os primeiros habitantes que procuravam
a baunilha, o cacau, a canela, as ervas aromáticas: e caçavam desenfreadamente
os indígenas, não para trazê-los à civilização, mas para acorrentá-los às
senzalas.
Esgotada, enfim, após
dezenas de anos de infatigável colheita, essa flora riquíssima, e diminuída a
ânsia da caçada ao silvícola, porque este se tornara menos acessível recuando
para as florestas centrais, organizando grandes núcleos de resistência, cheio
de ódio ao Caríua ([2])
falso e perverso – sobreveio, afinal, um largo período de repouso. Sossegaram
as desordenadas ambições dos exploradores.
Firmaram-se, aqui e
ali, desde as várzeas magníficas de Marajó, aonde iam chegando as primeiras
manadas de gado de Cabo Verde, às terras fecundíssimas do Madeira, os
primitivos centros coloniais, os incipientes povoados, os rústicos
estabelecimentos agrários, formando lentamente uma nova existência no desmedido
deserto verde.
Seria, porém, enfadonho
registrar etapa a etapa todo o processo evolutivo do Baixo-Amazonas, isto é, –
do trecho onde o Amazonas toma geograficamente o seu verdadeiro nome – até a
imponência e a riqueza de Belém do Pará e o encanto de Manaus.
Entre as duas grandes
capitais, a primeira na linda Baía do Guajará, a segunda à margem do Rio Negro,
todo o Amazonas se foi povoando. Curralinho, Monte Alegre, Alenquer, Óbidos,
Parintins, Itacoatiara, tornaram-se prósperas; apareceram os rebanhos, surdiram
as roças, as terras de aluvião demasiadamente férteis acolheram as sementes do
cacau – que deixava de ser silvestre, – do fumo das frutas.
Nasceram as pequenas
indústrias; vieram os pomares; ergueram-se os engenhos de açúcar e aguardente –
e a vida correu sempre quieta e farta nessa abençoada região da Hylea. O seu
progresso tem sido lento, quase imperceptível, com estranhas alternativas,
porque as grandes cheias do Rio têm perturbado de vez em quando o ritmo da sua
prosperidade, e também porque nesses transes jamais os seus habitantes foram
amparados pelos poderes públicos.
Nos tempos agitados da
borracha, grande parte da sua população partiu para os seringais; porém, ainda
assim, resistiu à catástrofe da desvalorização.
Os que o deixaram num
momento de perturbação, voltaram arrependidos e continuaram nas humildes
profissões de vaqueiros, agricultores, pescadores.
O seu destino
prosseguiu seguro e sereno entre os campos de gado, as roças de mandioca, milho
e feijão, nos cacauais das várzeas e das terras firmes, nos guaranazais de
Maués, nos tabacoais de Santarém e Itacoatiara, nos portos de lenha, nos
castanhais do Trombetas e do Madeira, nos grandes centros de pecuária de Monte
Alegre, do Nhamundá, do Autaz, nos copaíbais de toda parte, nos Lagos cheios de
peixes, nas várzeas cheias de frutas.
Os viajantes que viram
o Amazonas de bordo dos transatlânticos ou dos gaiolas, nas viagens de Belém a
Manaus, voltam desencantados, decepcionados, descontentes, como se tivessem
caído numa indigna cilada – porque não há nada mais insípido, mais
desagradável, mais secante, do que esses quatro ou cinco dias de águas e
florestas, sem perspectivas, sem horizonte, sem mutações, dando a ideia de que
se atravessa um corredor asfixiante, sombrio, interminável, com a sensação de
vesicatórios ([3])
pelo corpo. Um velho político da terra dos Barés dizia que esse era o Amazonas
para uso externo – um Amazonas inexorável, que põe logo à prova a paciência e a
boa vontade dos turistas. O outro, o Amazonas feiticeiro, empolgante,
misterioso, surpreendente, fica por trás dessa infinita muralha verde. É o
Amazonas ameno e pingue ([4]) dos
campos bucólicos, das roças alegres, dos sítios poéticos, das caboclas bonitas,
dos cacauais em colheitas, das procissões fluviais do Divino, do trabalho e das
festas. E mais do que tudo isso, o Amazonas dos Lagos imensos onde os caboclos
nas montarias arpoam o pirarucu e o peixe-boi; o Amazonas dos recantos
sombreados onde flutuam as grandes folhas circulares e fulguram as soberbas
Vitórias-Régias; o Amazonas das praias de tartarugas, cujos cascos se
entrechocam nas noites de postura; o Amazonas grandioso, claro, cintilante, que
desperta nos corações amor e bondade. Esse é o Amazonas de incomparável beleza
e de perene abundância, fascinante e hospitaleiro, como o último lugar na terra
onde a vida oferece ainda, em proporções paradisíacas, o esplendor dos dias
suaves, o imprevisto das paisagens deslumbrantes e a paz religiosa das águas e
das florestas. (PINHEIRO)
Bibliografia:
PINHEIRO,
Aurélio. À Margem do Amazonas –
Brasil – São Paulo, SP – Editora Companhia Nacional, 1937.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H