Sábado, 4 de julho de 2020 - 11h28
Bagé, 06.07.2020
Rápido exame dos
relevos da terra, no mapa físico da América do Sul, desperta imediatamente a
atenção para a colossal baixada, onde, com o aspecto ordenado das nervuras no
limbo de uma folha, se apresenta o Rio Amazonas e sua rede adjacente e
radiciforme de afluentes: a mais abundante das bacias fluviais do mundo.
(RANGEL)
Lágrima que brota dos Andes
Cordilheira
cristalina de esperança [...]
(Marcos Lima e Inaldo Medeiros)
O
INPE, depois de analisadas as imagens de satélite e modelos de elevação digital
do terreno gerados com radar orbital (SAR interferométrico), chegou à conclusão
que a nascente do Rio Amazonas se origina em um dos córregos que alimentam o
Rio Lloqueta, sendo os principais Caruhasanta e Apacheta, alimentados pelas
águas do pico nevado Mismi, a 5.597 metros de altitude.
Estes
estudos foram validados pelo trabalho de campo executado pela “Expedição Científica Binacional
Peruano-Brasileira às Nascentes do Rio Amazonas”.Para os pesquisadores do
INPE, o principal formador do Amazonas é a vertente da quebrada Apacheta. Apacheta
é, sem dúvida, a nascente original do Amazonas e o principal Córrego que
alimenta o Rio Lloqueta, principal formador do Apurimac que corre no sentido
Noroeste, passando por Cuzco, a mais de 3.000 m de altitude.
Depois
de percorrer pouco mais de 730 km, o Apurimac encontra com o Rio Mantaro para
formar o Rio Ene, a uma altitude de 440 m e, mais adiante encontra com o Rio
Perené a 330 m acima do nível do mar, passando a formar o Rio Tambo. Após sua
confluência com o Rio Urubamba a 280 m de altitude, forma o Rio Ucayali. O
Ucayali corre por um declive suave para o Norte até juntar-se com o Marañón,
onde recebe o nome de Amazonas, até a fronteira do Brasil. Na altura da Cidade
de Tabatinga muda o nome para Solimões que toma o rumo geral Oeste-Leste,
envolvido pela Hileia Amazônica e, em Manaus, após a junção com o Rio Negro,
recebe, novamente, o nome de Amazonas e, como tal, segue até encontrar as águas
do Oceano Atlântico.
É
o maior Rio do planeta, tanto em volume d’água quanto em comprimento (6.992 km
de extensão) e seu declive é mínimo, avançando lentamente pela maior várzea do
planeta. De Tabatinga até a Ilha de Marajó, o desnível é de apenas 65 m em
3.200 km (uma média de 2 cm por quilômetro). O curso Médio do Amazonas inicia
em Contamana, pequena Cidade do Peru e se estende até Óbidos, a mil quilômetros
da Foz, onde já se notam efeitos das marés. São aspectos igualmente curiosos os
registros de velocidade, largura e navegabilidade.
A
velocidade média, no médio e baixo cursos, é de 9 km/h, mas em Óbidos, onde o
Rio tem sua passagem mais estreita em território brasileiro (2.600 m), a
velocidade chega a 12 km/h. A largura é outra das medidas difíceis de calcular,
em virtude das diversas Ilhas existentes no seu leito, dando origem à formação
de vários braços ou “Paranás”.
Um
dos trechos mais largos, frontal à Foz do Tapajós e à cidade de Santarém, mede
35 km. É uma enorme área lacustre em que as águas predominam altaneiras. Nas
épocas de cheia, alguns trechos ultrapassam os 50 km de largura. A diferença
entre o nível máximo das enchentes (junho) e mais baixo da vazante
(outubro-novembro) é, em média, é de 10,5 m.
Grande
parte do Amazonas permite a navegação. Nos 3.700 km que vão da Foz à Cidade de
Iquitos, sua profundidade (às vezes mais de 50 m) lhe permite receber navios de
alto calado. Grande parte de seus afluentes são igualmente navegáveis,
viabilizando o transporte hidroviário como o meio mais adequado e utilizado na
região. Infelizmente a maioria das embarcações ainda não faz uso de recursos
tecnológicos modernos comprometendo a segurança das pessoas e cargas.
Entre os afluentes do Amazonas existem mananciais colossais. O Madeira é um dos vinte maiores do mundo; o Purus, o Tocantins e o Juruá estão entre os trinta principais. Em toda a rede desses afluentes, no Brasil, sobressaem, pela margem direita, o Javari, Juruá, Purus, Madeira, Tapajós e Xingu; pela margem esquerda, Içá, Japurá, Negro, Trombetas, Paru e Jari.
Pororoca
O
Professor de Geografia, Historiador e Etnógrafo sergipano Bernardino José de
Souza (1884/1949) autor de diversas obras sobre a terra e o povo brasileiro, no
seu “Dicionário da Terra e da Gente do
Brasil” (editado pela Companhia Editora Nacional, em 1939) assim descreve o
fenômeno:
Pororoca:
nome onomatopaico de curiosíssimo fenômeno, peculiar a alguns Rios da Amazônia,
caracterizado por ondas de volume majestoso que, dotadas de vertiginosa
velocidade ao lado de ruído trovejante e assustador, se enovelam em direção à
montante do Rio, devastando tudo que encontram deixando nas margens os sinais
patentes de seu poder destrutivo. Barbosa Rodrigues definiu a pororoca nestas
simples palavras: “encontro das altas
marés com a corrente dos Rios que, ao passar por baixios, produz arrebentação
com estrondo”. A pororoca manifesta-se nos Rios ‒ Amazonas, Araguari,
Maiacaré, Guamá, Capim, Moju; também no Mearim do Maranhão.
Fenômeno idêntico
observa-se em muitos Rios do mundo com designações peculiares: os franceses,
que o têm no Gironde, Charente, Sena, denominam “mascaret” e “barre”; os
ingleses registram-no no Tâmisa, Severn e Trent com o nome de “bore” e também no Hughly, uma das Fozes
do Ganges, na Índia; os portugueses o observaram no Hughly e no Megma, Braço do
Bramaputra, chamando-lhe “macaréu”;
os chineses admiram-no no Yang-tse-Kiang, com o apelido retumbante de “trovão” e aí mesmo os ingleses
chamam-lhe “eager”. Produz-se ainda
em Rios de Bornéu e Sumatra; na América do Norte, nos Rios Colúmbia e Colorado.
(SOUZA)
O
abade Edouard Durand (1832-1881) foi Missionário na África e no Brasil onde
residiu em Minas Gerais e teve a oportunidade de explorar o Vale do Rio Doce e
a Serra do Caraça. Antes de retornar à França, em 1867, Durand morou também na
região amazônica. Na Europa, o clérigo tornou-se membro da Sociedade Geográfica
de Paris, em 1874, desempenhando as funções de arquivista e bibliotecário.
Durand
escreveu diversos artigos sobre o Brasil e, em especial, sobre a Bacia
Amazônica. Transcrevemos um de seus textos sobre a pororoca reproduzido por
Souza:
Então o mar, quebrando
a linha que lhe opõem as águas do Rio, se empina subitamente e as repele para
suas fontes; em seguida invade em cinco minutos toda a Embocadura, em vez de
subi-la em seis horas. Enfim, uma crista de espuma aparece, ao longe, na
direção do Cabo Norte. Adianta-se com a rapidez de uma tromba e cresce,
desenrolando-se, até as ribanceiras de Marajó. Barulho surdo parece sair do
fundo do oceano; dir-se-ia o troar longínquo do trovão misturado ao ronco
descontínuo do furacão.
A pororoca está apenas
a dezena de quilômetros. Chega, e este imenso vagalhão de seis metros de altura
cai, quebra-se sobre a Ponta Grossa, pinoteia na planície e ressalta nos ares
em mil girândolas de espuma. O Araguari enche-se e transborda. A pororoca
continua sua corrida desenfreada por entre as Ilhas; apertada, comprimida pelos
estreitos, parece redobrar de violência; salta sobre os baixios, sacode a longa
e alva crina que a brisa leva qual nuvem de neve, abate-se e ergue-se com
máximo furor sobre os rochedos que parece pulverizar, sobre as Ilhas que parece
fazer desaparecer.
Nada lhe resiste:
árvores seculares são cortadas, torcidas e roladas pelas ondas, entre os
rochedos, com pedaços de terras arrancados dos flancos das Ilhas e vestidos de
forte vegetação. Três vagalhões, ou melhor, três muros ou diques gigantescos de
água se sucedem deste modo em 15 minutos! São sucessivamente menos fortes e vão
se perder atrás das Ilhas, além de Macapá...
Compreende-se então a
justeza da expressão indígena pororoca, magnífica onomatopeia, daquelas que só
se encontram nas línguas primitivas. As três primeiras sílabas imitam, com
efeito, o estrondo do caminhar do fenômeno, e a última exprime o embate
violento das grandes vagas quebrando-se nas ribanceiras que devasta. (SOUZA)
Pororoca
ou mupororoca (do tupi “poro’roka” –
estrondar) é como são denominados os macaréus que ocorrem na região amazônica.
Pororoca é grande onda que sobe os Rios que desembocam no estuário do Amazonas,
com grande estrondo e ímpeto devastador, provocando o desmoronamento das
margens e carregando consigo árvores, embarcações e outros objetos que se
interponham à sua violenta passagem. A onda é causada pela elevação súbita da
maré no oceano, em épocas de sizígia ([1]). A elevação da maré represa os
Rios no estuário, fazendo com que suas águas recuem, formando uma grande
corrente em sentido contrário ao seu curso normal.
Quando
esta formidável torrente encontra um estreitamento no Rio, o nível da água se
eleva repentinamente e, se houver alguma saliência no leito (baixios), esse
obstáculo faz a água amontoar-se bruscamente, originando uma onda que se eleva
de 3 a 6 m de altura e velocidade de 16 a 24 km/h até rebentar fragosamente,
depois de correrem Rio a dentro. No Estado do Amapá, o fenômeno ocorre na Ilha
do Bailique, na “boca” do Araguari,
no Canal do inferno da Ilha de Maracá, em diversos outros lugares e com maior
intensidade nos meses de janeiro e maio.
É,
sem dúvida, um dos mais importantes atrativos turísticos do Rio-Mar, embora
possa trazer consequências catastróficas aos ribeirinhos. É uma formidável
manifestação da força das águas influenciadas pela energia lunar. Antes de se
manifestar, a pororoca prenuncia a enchente. Minutos antes de chegar, se
estabelece uma calmaria, um momento de silêncio, a selva se cala, as aves se
aquietam e nem a mais leve brisa se revela, é o aviso da natureza e o
ribeirinho atento procura, imediatamente, um abrigo seguro para sua embarcação.
Bibliografia:
RANGEL,
Alberto do Rego. Rumos e Perspectivas
– Brasil – São Paulo, SP – Companhia Editora Nacional, 1934.
SOUZA,
Bernardino José de. Dicionário da Terra
e da Gente do Brasil (1939) – Brasil – São Paulo, SP – Companhia Editora
Nacional, 1939.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com
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