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Hiram Reis e Silva

O Rei dos Rios – Parte III - Rio das Amazonas


O Rei dos Rios – Parte III - Rio das Amazonas - Gente de Opinião

Bagé, 06.07.2020

 


 

Rápido exame dos relevos da terra, no mapa físico da América do Sul, desperta imediatamente a atenção para a colossal baixada, onde, com o aspecto ordenado das nervuras no limbo de uma folha, se apresenta o Rio Amazonas e sua rede adjacente e radiciforme de afluentes: a mais abundante das bacias fluviais do mundo. (RANGEL)

 

Lágrima que brota dos Andes

Cordilheira cristalina de esperança [...]
(Marcos Lima e Inaldo Medeiros)

 

O INPE, depois de analisadas as imagens de satélite e modelos de elevação digital do terreno gerados com radar orbital (SAR interferométrico), chegou à conclusão que a nascente do Rio Amazonas se origina em um dos córregos que alimentam o Rio Lloqueta, sendo os principais Caruhasanta e Apacheta, alimentados pelas águas do pico nevado Mismi, a 5.597 metros de altitude.

 

Estes estudos foram validados pelo trabalho de campo executado pela “Expedição Científica Binacional Peruano-Brasileira às Nascentes do Rio Amazonas”.Para os pesquisadores do INPE, o principal formador do Amazonas é a vertente da quebrada Apacheta. Apacheta é, sem dúvida, a nascente original do Amazonas e o principal Córrego que alimenta o Rio Lloqueta, principal formador do Apurimac que corre no sentido Noroeste, passando por Cuzco, a mais de 3.000 m de altitude.

 

Depois de percorrer pouco mais de 730 km, o Apurimac encontra com o Rio Mantaro para formar o Rio Ene, a uma altitude de 440 m e, mais adiante encontra com o Rio Perené a 330 m acima do nível do mar, passando a formar o Rio Tambo. Após sua confluência com o Rio Urubamba a 280 m de altitude, forma o Rio Ucayali. O Ucayali corre por um declive suave para o Norte até juntar-se com o Marañón, onde recebe o nome de Amazonas, até a fronteira do Brasil. Na altura da Cidade de Tabatinga muda o nome para Solimões que toma o rumo geral Oeste-Leste, envolvido pela Hileia Amazônica e, em Manaus, após a junção com o Rio Negro, recebe, novamente, o nome de Amazonas e, como tal, segue até encontrar as águas do Oceano Atlântico.

 

É o maior Rio do planeta, tanto em volume d’água quanto em comprimento (6.992 km de extensão) e seu declive é mínimo, avançando lentamente pela maior várzea do planeta. De Tabatinga até a Ilha de Marajó, o desnível é de apenas 65 m em 3.200 km (uma média de 2 cm por quilômetro). O curso Médio do Amazonas inicia em Contamana, pequena Cidade do Peru e se estende até Óbidos, a mil quilômetros da Foz, onde já se notam efeitos das marés. São aspectos igualmente curiosos os registros de velocidade, largura e navegabilidade.

 

A velocidade média, no médio e baixo cursos, é de 9 km/h, mas em Óbidos, onde o Rio tem sua passagem mais estreita em território brasileiro (2.600 m), a velocidade chega a 12 km/h. A largura é outra das medidas difíceis de calcular, em virtude das diversas Ilhas existentes no seu leito, dando origem à formação de vários braços ou “Paranás”.

 

Um dos trechos mais largos, frontal à Foz do Tapajós e à cidade de Santarém, mede 35 km. É uma enorme área lacustre em que as águas predominam altaneiras. Nas épocas de cheia, alguns trechos ultrapassam os 50 km de largura. A diferença entre o nível máximo das enchentes (junho) e mais baixo da vazante (outubro-novembro) é, em média, é de 10,5 m.

 

Grande parte do Amazonas permite a navegação. Nos 3.700 km que vão da Foz à Cidade de Iquitos, sua profundidade (às vezes mais de 50 m) lhe permite receber navios de alto calado. Grande parte de seus afluentes são igualmente navegáveis, viabilizando o transporte hidroviário como o meio mais adequado e utilizado na região. Infelizmente a maioria das embarcações ainda não faz uso de recursos tecnológicos modernos comprometendo a segurança das pessoas e cargas.

 

Entre os afluentes do Amazonas existem mananciais colossais. O Madeira é um dos vinte maiores do mundo; o Purus, o Tocantins e o Juruá estão entre os trinta principais. Em toda a rede desses afluentes, no Brasil, sobressaem, pela margem direita, o Javari, Juruá, Purus, Madeira, Tapajós e Xingu; pela margem esquerda, Içá, Japurá, Negro, Trombetas, Paru e Jari.



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Pororoca

 

O Professor de Geografia, Historiador e Etnógrafo sergipano Bernardino José de Souza (1884/1949) autor de diversas obras sobre a terra e o povo brasileiro, no seu “Dicionário da Terra e da Gente do Brasil” (editado pela Companhia Editora Nacional, em 1939) assim descreve o fenômeno:

 

Pororoca: nome onomatopaico de curiosíssimo fenômeno, peculiar a alguns Rios da Amazônia, caracterizado por ondas de volume majestoso que, dotadas de vertiginosa velocidade ao lado de ruído trovejante e assustador, se enovelam em direção à montante do Rio, devastando tudo que encontram deixando nas margens os sinais patentes de seu poder destrutivo. Barbosa Rodrigues definiu a pororoca nestas simples palavras: “encontro das altas marés com a corrente dos Rios que, ao passar por baixios, produz arrebentação com estrondo”. A pororoca manifesta-se nos Rios ‒ Amazonas, Araguari, Maiacaré, Guamá, Capim, Moju; também no Mearim do Maranhão.

 

O Rei dos Rios – Parte III - Rio das Amazonas - Gente de Opinião

Fenômeno idêntico observa-se em muitos Rios do mundo com designações peculiares: os franceses, que o têm no Gironde, Charente, Sena, denominam “mascaret” e “barre”; os ingleses registram-no no Tâmisa, Severn e Trent com o nome de “bore” e também no Hughly, uma das Fozes do Ganges, na Índia; os portugueses o observaram no Hughly e no Megma, Braço do Bramaputra, chamando-lhe “macaréu”; os chineses admiram-no no Yang-tse-Kiang, com o apelido retumbante de “trovão” e aí mesmo os ingleses chamam-lhe “eager”. Produz-se ainda em Rios de Bornéu e Sumatra; na América do Norte, nos Rios Colúmbia e Colorado. (SOUZA)

 

O abade Edouard Durand (1832-1881) foi Missionário na África e no Brasil onde residiu em Minas Gerais e teve a oportunidade de explorar o Vale do Rio Doce e a Serra do Caraça. Antes de retornar à França, em 1867, Durand morou também na região amazônica. Na Europa, o clérigo tornou-se membro da Sociedade Geográfica de Paris, em 1874, desempenhando as funções de arquivista e bibliotecário.

 

Durand escreveu diversos artigos sobre o Brasil e, em especial, sobre a Bacia Amazônica. Transcrevemos um de seus textos sobre a pororoca reproduzido por Souza:

 

Então o mar, quebrando a linha que lhe opõem as águas do Rio, se empina subitamente e as repele para suas fontes; em seguida invade em cinco minutos toda a Embocadura, em vez de subi-la em seis horas. Enfim, uma crista de espuma aparece, ao longe, na direção do Cabo Norte. Adianta-se com a rapidez de uma tromba e cresce, desenrolando-se, até as ribanceiras de Marajó. Barulho surdo parece sair do fundo do oceano; dir-se-ia o troar longínquo do trovão misturado ao ronco descontínuo do furacão.

 

A pororoca está apenas a dezena de quilômetros. Chega, e este imenso vagalhão de seis metros de altura cai, quebra-se sobre a Ponta Grossa, pinoteia na planície e ressalta nos ares em mil girândolas de espuma. O Araguari enche-se e transborda. A pororoca continua sua corrida desenfreada por entre as Ilhas; apertada, comprimida pelos estreitos, parece redobrar de violência; salta sobre os baixios, sacode a longa e alva crina que a brisa leva qual nuvem de neve, abate-se e ergue-se com máximo furor sobre os rochedos que parece pulverizar, sobre as Ilhas que parece fazer desaparecer.

 

Nada lhe resiste: árvores seculares são cortadas, torcidas e roladas pelas ondas, entre os rochedos, com pedaços de terras arrancados dos flancos das Ilhas e vestidos de forte vegetação. Três vagalhões, ou melhor, três muros ou diques gigantescos de água se sucedem deste modo em 15 minutos! São sucessivamente menos fortes e vão se perder atrás das Ilhas, além de Macapá...

 

Compreende-se então a justeza da expressão indígena pororoca, magnífica onomatopeia, daquelas que só se encontram nas línguas primitivas. As três primeiras sílabas imitam, com efeito, o estrondo do caminhar do fenômeno, e a última exprime o embate violento das grandes vagas quebrando-se nas ribanceiras que devasta. (SOUZA)

 

Pororoca ou mupororoca (do tupi “poro’roka” – estrondar) é como são denominados os macaréus que ocorrem na região amazônica. Pororoca é grande onda que sobe os Rios que desembocam no estuário do Amazonas, com grande estrondo e ímpeto devastador, provocando o desmoronamento das margens e carregando consigo árvores, embarcações e outros objetos que se interponham à sua violenta passagem. A onda é causada pela elevação súbita da maré no oceano, em épocas de sizígia ([1]). A elevação da maré represa os Rios no estuário, fazendo com que suas águas recuem, formando uma grande corrente em sentido contrário ao seu curso normal.

 

Quando esta formidável torrente encontra um estreitamento no Rio, o nível da água se eleva repentinamente e, se houver alguma saliência no leito (baixios), esse obstáculo faz a água amontoar-se bruscamente, originando uma onda que se eleva de 3 a 6 m de altura e velocidade de 16 a 24 km/h até rebentar fragosamente, depois de correrem Rio a dentro. No Estado do Amapá, o fenômeno ocorre na Ilha do Bailique, na “boca” do Araguari, no Canal do inferno da Ilha de Maracá, em diversos outros lugares e com maior intensidade nos meses de janeiro e maio.

 

É, sem dúvida, um dos mais importantes atrativos turísticos do Rio-Mar, embora possa trazer consequências catastróficas aos ribeirinhos. É uma formidável manifestação da força das águas influenciadas pela energia lunar. Antes de se manifestar, a pororoca prenuncia a enchente. Minutos antes de chegar, se estabelece uma calmaria, um momento de silêncio, a selva se cala, as aves se aquietam e nem a mais leve brisa se revela, é o aviso da natureza e o ribeirinho atento procura, imediatamente, um abrigo seguro para sua embarcação.

 

Bibliografia:

 

RANGEL, Alberto do Rego. Rumos e Perspectivas – Brasil – São Paulo, SP – Companhia Editora Nacional, 1934.

 

SOUZA, Bernardino José de. Dicionário da Terra e da Gente do Brasil (1939) – Brasil – São Paulo, SP – Companhia Editora Nacional, 1939.

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

·    Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·    Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

·    Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·    Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·    Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·    Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·    Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·    Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·    Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·    Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·    Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·    Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·    Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

E-mail: hiramrsilva@gmail.com



[1]   Sizígia: nas grandes marés de “Lua Nova” e “Lua Cheia”.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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