Segunda-feira, 6 de julho de 2020 - 13h22
Bagé, 07.07.2020
Diz
a lenda que, antigamente, a água do rio era serena e corria de mansinho. As
canoas podiam navegar sem perigo. Nessa época, a Mãe d’Água, mulher do boto
Tucuxi, morava com a filha mais velha na ilha de Marajó. Certa noite, elas
ouviram gritos: os cães latiam, as galinhas e os galos cocorocavam. O que é? O
que não é? Tinham roubado Jacy, a canoa de estimação da família...
Remexeram,
procuraram e, nada encontrando, a Mãe d’Água resolveu convocar todos os seus
filhos: Repiquete, Correnteza, Rebujo, Remanso, Vazante, Enchente, Preamar,
Reponta, Maré Morta e Maré Viva. Ela queria que eles achassem a embarcação
desaparecida.
Mas
passaram-se vários anos sem notícia de Jacy. Ninguém jamais a viu entrando em
algum igarapé, algum furo ou mesmo amarrada em algum lugar. Certamente estava
escondida, mas, aonde? Então, resolveram chamar os parentes mais distantes -
Lagos, Lagoas, Igarapés, Rios, Baías, Sangradouros, Enseadas, Angras, Fontes,
Golfos, Canais, Estreitos, Córregos e Peraus - para discutir o caso. Na
reunião, resolveram criar a Pororoca, umas três ou quatro ondas fortes que
entrassem em todos os buracos dos arrebaldes, quebrassem, derrubassem,
escangalhassem, destruíssem tudo e apanhassem Jacy e o ladrão.
Ficou
determinado que a caçula da Mãe D´Água, Maré da Lua, moça danada, namoradeira,
dançadeira e briguenta avisaria sobre qualquer coisa que acontecesse de
anormal. E foi assim que pela primeira vez surgiu em alguns lugares o fenômeno,
empurrado pela jovem moça, naufragando barcos, repartindo ilhas, ameaçando
palhoças, derrubando árvores, abrindo furos, amedrontando pescadores...
Até
hoje, sempre que Maré da Lua vai ver a família é um deus nos acuda! Ninguém
sabe de Jacy e a Pororoca segue em frente destruindo quem ousa ficar na frente,
cumprindo ordens do boto Tucuxi que, resmungando danado, diz:
Pois então continue arrasando tudo. (MORAES)
Terras
Caídas
Denominação dada
na Região Amazônica ao escavamento produzido pelas águas dos Rios, fazendo com
que os barrancos sejam solapados intensamente, assumindo por vezes aspecto
assustador. Em alguns casos, podem-se ver pedaços grandes de terra sofrerem
deslocamentos como se fossem Ilhas flutuantes. (GUERRA)
O desmoronamento
ocorrido em Manacapuru foi um caso clássico de “terra caída” do tipo
deslizamento de material inconsolidado que, no caso, é a lama. Já em São Paulo
de Olivença é um caso de “terra caída” associada à erosão fluvial. Ocorrem
escorregamentos associados à atividade humana, com a ocupação desordenada e
obras sem o devido acompanhamento técnico. (Geólogo Renê Luzardo da CPRM)
Antonio Teixeira Guerra comenta:
As
margens solapadas continuamente pelas águas acabam ruindo e o Rio arrasta e
traga grandes blocos de terra, da terra firme, muitas vezes com casas,
vegetação, animais ou moradores. O fenômeno é observado, com maior frequência,
no Rio Madeira, em decorrência da velocidade de sua correnteza, embora ocorra
também nas calhas dos Rios Solimões e Amazonas. Muito mais vulneráveis, ainda,
são os depósitos de areia, lama e resíduos vegetais, carreados e acumulados
pelo próprio Rio nos períodos de cheias que formam grandes bancos de areia e,
com o passar dos anos, verdadeiras Ilhas. Estes locais formados por sedimentos
extremamente instáveis são mais vulneráveis às ações das águas e ao fenômeno
das “Terras Caídas”. (GUERRA)
Na
vazante o Rio escava e solapa pacientemente a nova Ilha e, em uma de suas
cheias formidáveis, ele é capaz de dissolver o trabalho de anos a fio em poucas
horas arrasando tudo e arrastando consigo os imprevidentes que teimam em
desconhecer sua fluída dinâmica.
Nenhum
fenômeno das “terras caídas” foi tão
desastroso como o que ocorreu em Juruti na década de 1980. A Cidade, na sua
origem, construída em terra firme teve, ao longo dos tempos, sua frente aumentada
por sedimentos carreados pelo Rio Amazonas. Com o passar dos anos, o nível do
depósito foi se elevando e os moradores passaram a construir edificações e
ruas.
A
associação do aumento significativo do peso sobre o instável depósito e as
frequentes mudanças na dinâmica do Rio, finalmente, romperam o equilíbrio e
tudo desceu levado pelas águas. O Rio, no dia dos pais, em 1984, retomou
praticamente 200 metros da Cidade em uma ação que durou das 20h30 até a meia
noite.
Em
março de 2007, um fenômeno de “Terras
Caídas” de grandes proporções ocorreu na “Enseada da Saracura”, margem direita do Rio Amazonas a 35
quilômetros de Parintins, provocando ondas de aproximadamente seis metros de
altura, atingindo 130 pessoas e provocando a morte de um agricultor.
Bibliografia:
GUERRA,
Antonio Teixeira. Novo Dicionário Geológico-geomorfológico
– Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Bertrand Brasil, 2010.
MORAES,
Raymundo. Na Planície Amazônica
‒Brasil – São Paulo, SP –Companhia Editora Nacional, 1936.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do 4°
Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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