Terça-feira, 5 de março de 2019 - 09h55
Porto Alegre, RS, 04.03.2019
Expedição do Padre Giovanni Calleri
A abertura
de novas áreas de extrativismo, em Rios habitados por indígenas, Padre Giovanni Calleri, o Missionário que Amou os
Índios...
(Por
Gianfranco Graziola)
Nascido em Carrù em 1934, Giovanni foi ordenado
padre em 1957 pela diocese de Mondovì. Após a experiência pastoral de vigário
paroquial em três paróquias de sua diocese, amadureceu sua vocação missionária
e o desejo de partir para terras longínquas. Após um tempo de preparação, não
sem obstáculos, em fevereiro de 1965 partiu como missionário da Consolata para
a Prelazia de Roraima, norte do Brasil.
Dinâmico, generoso, carismático, e, sobretudo, apaixonado
pelo Senhor, foi enviado para a Missão Catrimani, onde estabeleceu com os
indígenas Ianomâmi, povo da floresta amazônica, uma relação de amizade e
confiança recíproca. Por essa razão foi convidado a chefiar a expedição
pacificadora entre os indígenas do Rio Alalau alarmados pela construção da
BR-174 cruzando e ferindo sua terra. A expedição tinha objetivos humanitários
e pacificadores, mas, [...] se transformou num massacre dos seus membros,
cujos restos foram encontrados somente no dia primeiro de novembro de 1968.
Os restos mortais de padre Giovanni Calleri, por
vontade de Dom Roque Paloschi, então Bispo de Roraima, foram colocados debaixo
do altar mor da Igreja Matriz, em Boa Vista.
Na sua última carta à família, padre Calleri
escreveu: “se acontecer de eu morrer,
saibam que foi por uma nobre causa”. [...]
Diário Carioca, n° 11.309 ‒
Rio de Janeiro, RJ
Terça-feira, 02.02.1965
Dente de Elefante paga
Catequese de Índio da Amazônia
Roma ‒
Tapetes russos do século XVI, armas árabes do século XVII, escudos Mau-Mau do
Quênia e dentes de elefante entalhados na China no século XV serão leiloados na
Itália, em benefício de uma missão religiosa dirigida pelo Padre Giovanni
Calleri, de 30 anos, que pretende ir a zonas selvagens do território do Rio
Branco, Brasil, onde os índios quase nenhum contato tiveram como o homem
branco. Os 4 mil objetos da coleção de arte artesanato estão sendo exibidos em
Roma atualmente e os preços variam de mil liras para pequenas bonecas japonesas
até um milhão e meio para um ídolo chinês de marfim. O padre Calleri pensa
partir para a Amazônia em meados de fevereiro, via Brasília, onde chegará de
avião. Os cinco mil quilômetros de Brasília até o Rio Branco serão percorridos
de jipe, bote e a pé. “Depois de tomar
contato com os índios ‒ disse o Padre ‒ antes
de catequizá-los, ou ao mesmo tempo, me ocuparei com o seu desenvolvimento
econômico e social”. (DIÁRIO CARIOCA, N° 11.309)
Jornal do Comércio, n° 19.925
‒ Manaus, AM
Quinta-feira, 10.10.1968
Expedição Tentará Pacificação
de Índios que Impedem Estrada
Uma nova fase
para a construção da Rodovia BR-174, que ligará Manaus a Caracaraí, se iniciará
no próximo sábado quando desta capital partirá a expedição que vai tentar a
pacificação dos índios Waimiri e Atroari. Sem a integração desses silvícolas
não se pode pensar na continuação da abertura da estrada, e isso ressaltou
antes o Cel Mauro Carijó, ao participar da entrevista que o Padre João Calleri
concedeu à imprensa para anunciar o trabalho que agora vai realizar. A
entrevista, convocada pelo Cap Alexandre de Souza, inspetor regional da
Fundação Nacional do Índio [FUNAI], foi iniciada pelo Padre Silvano Sabatini,
apresentando o seu colega roraimense, a quem a direção geral da FUNAI autorizou
comandar a edição que agora se forma com aquele fim.
FEROZES
A experiência
do Padre João Calleri, que há alguns anos vem se dedicando ao contato com os
silvícolas, foi convocada tendo em vista a ferocidade ímpar dos Waimiri e
Atroari que são os mais temidos da região. A isso se acrescenta uma tradição de
ódio e desconfiança formada ao longo dos últimos 300 anos de infelizes
contatos que com eles e os brancos tentaram estabelecer. Entretanto, a Prelazia
de Roraima vem se firmando e adquirindo larga experiência de pacificação
havendo sido notável o trabalho realizado com os Catrimani, como o Padre
Silvano Sabatini lembrou ao apresentar João Calleri.
Os índios Waimiri
e Atroari, cujas malocas se localizam exatamente na faixa por onde deverá
passar a BR-174, são, por isso mesmo o grande de objetivo desta fase de
construção da estrada estando sua pacificação a justificar a reunião de
esforços da FUNAI, da Prelazia de Roraima, do Distrito local do DNER, que
financiará quase tida a Expedição, do DER-AM, da Aeronáutica e do GEF.
EXPEDIÇÃO
Liderada pelo
Padre João Calleri a expedição será formada por 08 homens e 2 mulheres [cuja
presença dará aos silvícolas a impressão de um movimento normal de família]
que de Manaus sairá no próximo sábado, em avião com destino ao KM 150 da
Rodovia. Daí, os expedicionários em helicóptero, atingirão o KM 212, último
acampamento do DER-AM. (JDC, n° 19.925)
Jornal do Comércio, n° 19.961
‒ Manaus, AM
Sábado, 23.11.1968
Buscas do PARASAR Revelam
Chacina no Alalau
No voo de
reconhecimento, realizado a partir das 09h15 de ontem, é que os observadores do
PARASAR, a bordo do “Catalina” 6225,
localizaram alguns cadáveres da expedição comandada pelo Padre João Calleri,
trucidada selvagemente pelos índios Atroari, nas proximidades do Alalau.
AS INFORMAÇÕES DO PARASAR
Logo
após o regresso do “Catalina”, e
depois de conferenciar com os componentes da tripulação, o Tenente Ribas,
coordenador geral da operação, reuniu os jornalistas que estão fazendo a
cobertura do acontecimento e informou que os observadores do PARASAR haviam
confirmado a existência de cadáveres nas proximidades da maloca 2 [esta é a
identificação dada as malocas sobrevoadas na busca], sendo que dois corpos se
encontram juntos, dando a acreditar-se que tenham sido trucidados, pois os
cadáveres não estão completos.
Outros
cadáveres foram vistos nas proximidades pelos observadores, sendo difícil
acreditar-se que existam sobreviventes, pois os índios usaram o sistema de
torturas para liquidar os expedicionários, isto porque os dois cadáveres vistos
com mais precisão estão amarrados.
PROVIDÊNCIAS ADOTADAS
Informou o
Tenente Ribas aos jornalistas que diante do fato já havia solicitado ao Rio os
recursos necessários para o resgate dos corpos e possíveis sobreviventes.
Assim é que
somente hoje, provavelmente pela parte da tarde, estarão chegando a Manaus os
elementos necessários, incluindo um avião Búfalo que transportará o PARASAR
para a localidade de São Gabriel, que será a base de operações da equipe de
resgate; um helicóptero “sapo”, à
jato, que fará o resgate dos corpos, além de outros aparelhos que sobrevoarão o
local para assustar os índios durante as operações do PARASAR.
O LOCAL DO MASSACRE
Conforme já
dissemos acima os expedicionários foram massacrados na maloca 2, a 235
quilômetros de Manaus, e a 61 quilômetros distante do posto do DER-AM, onde
iniciaram a jornada para tentar a Pacificação dos Atroari.
Durante o voo
do “Catalina” os observadores não
constataram a presença de índios no local do massacre, mas nas aldeias
próximas eles existem em quantidade, vindo todos a observar o voo do avião. O
capitão Cordovil calculou que existem na localidade mais 3 mil indígenas.
EQUIPE CONFIANTE
A equipe de
resgate se encontra confiante na sua missão que deverá começar provavelmente
hoje mesmo, afirmando o comandante que todos os corpos serão resgatados,
qualquer que seja a condição dos mesmos.
TORTURAS
Acreditam os
observadores que os expedicionários foram torturados até morrer, motivo porque
os seus corpos ainda se encontram praticamente inteiros.
Foram
morrendo aos poucos, de acordo com as torturas que lhes foram aplicadas, daí
surgir uma hipótese embora muito vaga, de que possa ser encontrado alguém com
vida, desde que tenha tido forças para suportar os sofrimentos.
QUEM ERA O PADRE CARELLI
O Padre João
Carelli, chefe da expedição era italiano de nascimento e se encontrava no
Brasil há apenas cinco anos. Apesar disso já dominava bem o nosso idioma,
chegando inclusive a falar alguns dialetos indígenas. Passou 3 anos pacificando
os índios Catrimani e tinha larga experiência com os silvícolas e seus métodos
de vida.
Antes de
partir para esta expedição trabalhou cuidadosamente na sua organização,
cuidando de detalhes que poderiam ser úteis ao bom desempenho do seu trabalho.
Lamentavelmente
não alcançou o êxito desejado, sendo vítima dos elementos que tentava trazer
para o seio da civilização.
OS COMPONENTES DA EXPEDIÇÃO
Além do Padre
Calleri seguiam com a expedição duas mulheres, sendo uma delas esposa do
radioperador, que fez questão de acompanhar o marido, pois era entusiasta de
aventuras como essas; a outra era uma jovem amante de aventuras, já tendo
participado de outras expedições no Catrimani, em Roraima; os restantes eram
trabalhadores e funcionários do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem.
SERTANISTAS VIRÃO PACIFICAR
Com o
propósito de colaborar nas operações deverão chegar hoje, em aviões da FAB,
três sertanistas da Fundação Nacional do Índio, que juntamente com elementos do
PARASAR, tentarão alcançar o local por terra, visando uma aproximação com os
índios. Será uma iniciativa arriscada mas necessária, que muito virá ajudar nos
trabalhos de resgate, possibilitando a que os elementos encarregados de içar os
corpos para os helicópteros trabalhem com mais calma, deixando os índios de
lado.
BASE AVANÇADA
Brasília, 22
[M] ‒ O Serviço de Busca e Salvamento da FAB, informa que se for confirmada a
existência de brancos massacrados nas proximidades da maloca de número dois,
coordenada 012S/602W será instalada uma base avançada no campo de pouso de São
Gabriel, para as operações de resgate dos corpos e possíveis sobreviventes.
Fotografias tiradas à bordo de um avião “Catalina”
revelam a existência de corpos, próximos àquela maloca. De São Gabriel partirá
uma expedição de sertanistas e da PARASAR, a fim de pacificar os silvícolas.
Serão utilizados helicópteros e aviões para a operação, que contará com
o integral apoio do Centro de Busca e Salvamento, em Manaus, inclusive para contatos
radiotelegráficos. (JDC, n° 19.961)
Diário de Notícias, n° 232 ‒
Porto Alegre, RS
Sábado, 30.11.1968
Surgiu a Estória de um Branco
no Massacre
MANAUS, 29
[Meridional] ‒ Os silvícolas da região amazônica, numa autenticação de que
alguma coisa está ocorrendo de anormal, receberam com flechadas um avião “Catalina” que sobrevoava o local, ao
contrário do que faziam a anteriormente quando acenavam amigavelmente e para
qualquer aparelho. Os ocupantes do aparelho da FAB todavia, não perceberam
qualquer branco nas imediações, e já chegou a Manaus, vindo de São Paulo, outro
helicóptero a jato, para substituir o aparelho que está operando na selva
apoiado pela base avançada do Moura. Este, já esgotou o limite de horas de voo
e deverá ser submetido a completa revisão.
Está
circulando na capital amazonense a informação de que missionários
norte-americanos teriam comunicado ao programa radiofônico “A Voz da América”, dos EUA que a
expedição do Padre Calleri não foi dizimada pelos índios. Seus elementos
estariam perambulando pelas selvas. Na dolorosa sucessão de massacres dos Rios
Alalau e Camanau sempre aparecem suspeitas de que hajam brancos por trás dos
índios, insuflando-os contra a civilização ‒ destaca o “Jornal do Comércio”, órgão líder dos “Diários Associados” no Amazonas, comentando os chocantes
acontecimentos nas selvas do nosso Estado.
Quando do ataque ao Posto “Irmão Bríglia” do
então SPI,
em 1942 ‒ acrescenta
‒ correu a notícia da existência de um índio
branco, até louro, entre os invasores. Causou desconfiança, também a transformação em pontas de
lanças, usadas na ocasião, por instrumentos de corte, obtidos no mesmo Posto em
troca de paz.
Ninguém
ignora que a área que agora se desbrava é considerada como uma das reservas
naturais mais importantes da região, flora e fauna, com indícios de outras
riquezas.
O BRANCO MARUAGA
Rio
[Sucursal] ‒ A expedição do Padre Calleri pode estar prisioneira na tribo dos
Atroari, ou ter sido massacrada pelos índios
que são incitados por um branco venezuelano
conhecido por Maruaga, segundo versão do PARASAR e confirmada pelo
engenheiro-agrônomo Eduardo Celestino Sanata, que está abrindo a BR-174 e é
profundo conhecedor da região.
Esta versão
ganhou consistência na localidade do Moura, depois que as autoridades da FAB
deram maior atenção ao depoimento do mateiro Álvaro Paulo da Silva, que no seu
relado inicial, fez referência à preserva de um branco entre os Atroari, que
havia passado até então desaparecido.
A versão de
que os membros da expedição estejam aprisionados numa das malocas geminadas dos
Atroari é consideraria importante pelas autoridades responsáveis pelas buscas e
salvamento pois os cadáveres que foram fotografados e vistos anteriormente
desapareceram, além de não ter sido encontrado nenhum vestígio concreto de
violência. Um novo avião “Catalina”
está sendo aguardado em Moura para auxiliar nas buscas.
Também deverá
chegar um Búfalo, que tem condições para pousar e decolar de até 300 metros e
oferece a vantagem de poder transportar mais homens e material.
Durante as
buscas que compreendem um vasculhamento completo das malocas geminadas nas
margens do Igarapé de S. Antônio, serão jogados centenas de espelhos de formato
pequeno e cerca de cinco mil panfletos com
instruções aos possíveis sobreviventes sobre
os sinais que deverão emitir para os aviões que sobrevoam a região.
Indicam
também os panfletos que devem ser construídas cruzes gigantes de madeira em
todas as clareiras para observação dos tripulantes dos voos de reconhecimento.
As notícias
sobre a presença de um branco entre os Atroari, ocupando uma função de
liderança, corre há muito tempo por toda a região. Após o relato do mateiro
Álvaro Paulo da Silva e a confirmação feita pelo engenheiro Eduardo Celestino
Santana ‒ que constrói a BR-174 ‒ as autoridades colocaram o fato como uma
pista importante para elucidar o desaparecimento dos membros da expedição.
As pessoas
que já viram o branco venezuelano descrevem-no como um elemento alto e idoso e
que exerce autoridade muito grande entre os indígenas que demonstraram em seus
contatos anteriores com a equipe que trabalha na abertura da rodovia terem “profundo respeito pelo chefe Maruaga”.
As operações
de vasculhamento da área onde se localizam as malocas geminadas, último contato
conhecido da expedição na selva, não evoluíram em nada mas deverão continuar
com dois helicópteros. [...] (DDN, N° 232)
Fontes:
DDN, N° 232. Surgiu a Estória de um Branco no Massacre
‒ Brasil – Porto Alegre, RS – Diário de Notícias, n° 232, 30.11.1968.
DIÁRIO CARIOCA, N°
11.309. Dente de Elefante paga Catequese
de Índio na Amazônia – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Diário Carioca, N°
11.309, 02.02.1965
JDC, N° 19.961. Buscas do PARASAR Revelam Chacina no Alalau
‒ Brasil – Manaus, AM – Jornal do Comércio, n° 19.961, 23.11.1968.
Solicito publicação:
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
Campeão
do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira
(SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com;
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H