Segunda-feira, 11 de março de 2019 - 09h48
Florianópolis, SC, 08.03.2019
Gilberto Pinto Figueredo
Costa e os índios Waimiri-Atroari
Jornal do Brasil, n° 145 ‒
Rio de Janeiro, RJ
Quarta-feira, 24.09.1968
FUNAI Detém Chefe Atroari
Temendo Sarampo na Aldeia
Brasília
[Sucursal] ‒ O Sertanista Gilberto Pinto está se defrontando com um sério
problema: impedir que o Cacique Maruaga dos Atroari regresse de imediato à sua
aldeia, pois pode estar levando doença que dizimará seu povo. Maruaga esteve
recentemente no Posto Indígena Jatapu, onde quatro crianças se encontram com
sarampo. Se ele ou um dos seus 23 guerreiros retornar à aldeia com o bacilo da
doença, os Atroari, cerca de 2 mil, poderão morrer da doença, que normalmente lhes
é fatal.
PACIFICAÇÃO |
Desde
que massacraram a expedição do Padre Calleri os Atroari vêm sendo alvo das
atenções da FUNAI, que tem desenvolvido todos os esforços para pacificá-los. Em
maio, um grupo desses índios aproximou-se do Posto Irmãos Bríglia, ocorrendo
novos encontros nos últimos meses. O sertanista Gilberto Pinto, considerado na
FUNAI como o melhor depois de Francisco Meireles, acertou com o cacique
Maruaga, através de índios que apareceram no posto, um encontro a várias luas,
mais ou menos em fins de outubro. Foi surpreendido com a notícia de que
Maruaga, acompanhado de 23 guerreiros, apareceu no Posto do Rio Jatapu. Nesse
Posto, quatro crianças encontram-se com sarampo. Ao ser avisado do aparecimento
de Maruaga, Gilberto deslocou-se para o local, mas já não o encontrou.
Após dias e
noites de marcha batida, de acordo com notícias chegadas ontem, conseguiu
encontrar Maruaga já nas cachoeiras do Rio Camanau. A missão principal de
Gilberto é de colocar Maruaga e seus 23 guerreiros de quarentena, até que se
verifique se algum deles contraiu ou não a doença. O receio da FUNAI é que
estes índios, ao regressarem, contaminem a Aldeia, o que representará morte
certa para vários Atroari, pois são muito sensíveis ao sarampo e à gripe.
O sertanista
Gilberto Pinto, no entanto, não pode explicar aos índios essa circunstância,
pois são desconfiados e há receio de que se revoltem. No primeiro contato,
mantido a 19 último. Gilberto não conseguiu convencê-los a ficarem para caçadas
e pescarias porque, argumentavam, “estavam
sem suas Marias”, as mulheres. Ainda que Gilberto Pinto não tenha notado
qualquer sinal da doença nos índios no encontro mantido a 19 último, poderá
haver dificuldades mesmo que ele consiga, retê-los. Os índios, que se mostram
muito desconfiados, se algum deles vier a ficar com sarampo poderão considerar
isto uma consequência de terem sido retidos pelo sertanista. (JB, N° 145)
Revista O Cruzeiro, n° 33 ‒
Rio de Janeiro, RJ
Terça-feira, 11.08.1970
Missão de Paz Entre os Atroari
Reportagem de Ubiratan de
Lemos e
Geraldo Viola
Eis o
relatório do sertanista Gilberto Pinto Figueredo Costa, da FUNAI, sobre
contatos com os índios Waimiri e Atroari, tribos guerreiras o inimigas, por
muitos anos, mas que agora formam uma só comunidade, sob o comando supremo do
célebre cacique Maruaga, que comandou o massacre contra a Missão do Padre
Calleri.
A importância
dos contatos narrados decorre do fato de que essa aproximação com os índios
belicosos se verificou pouco depois do massacre brutal, sem que o sertanista
Gilberto tivesse conhecimento do fato, porque se encontrava, há meses,
internado na selva, inspecionando postos indígenas e procurando encontros com
tribos arredias.
O relatório é
uma peça de substância informativa. O sertanista ‒ o único que manteve contato
com os terríveis Atroari ‒ conta detalhes curiosos do encontro.
A história
desses índios contém aspectos fortes de sua índole guerreira. Quando Barbosa
Rodrigues, o famoso botânico autor de “Certum
Palmarum”, alcançava o Rio Alalau, em missão científica, foi atacado pelos
Atroari. Durante a última guerra, oficiais americanos procuraram filmar esses
índios e foram massacrados. Há 20 anos, eles atacaram o Posto Irmãos Bríglia,
do então SPI, e mataram quem lá se encontrava: homens, mulheres, crianças e até
animais domésticos.
A sua aversão
ao branco é muito antiga e remonta à conquista pioneira do Amazonas, na época
em que o colonizador português Pedro Favela ‒ conforme nos conta o historiador
Arthur César Ferreira Reis ‒ matou mais de 40 mil índios nas cabeceiras do rio
Urubu.
No começo do
século, a invasão do interior amazonense para conquistas de seringais era um
gesto feroz, assim como acontecia nos Estados Unidos em relação ao Oeste
americano.
Os Atroari não
esqueceram essas lutas. Por isso a FUNAI se empenha em produzir, nesses índios
‒ como nas muitas tribos do Brasil ‒ a imagem positiva do branco, respeitando
suas terras e seus costumes, e combatendo com mão de ferro a ocupação violenta
do terras ocupadas por silvícolas.
Na realidade, qualquer denúncia de ação armada de
branco contra índio tem como consequência imediata a punição drástica por parte
das autoridades. Essa evidência, de
64 em diante, trouxe a paz nas selvas do Brasil. E
os comentários de certa imprensa estrangeira, quanto à matança de índios, não
passou de invencionice criminosa de grupos subversivos interessados em pichar o
nome do Brasil no exterior.
Esta
reportagem reproduz o relatório do sertanista amazônida Gilberto Pinto
Figueredo Costa, da FUNAI. Foi ele quem realizou o primeiro contato com o chefe
índio Maruaga, o cacique Atroari que deu a ordem para o massacre da Missão do
Padre Calleri. O sertanista, em seu falar relatorial e simples, narrou todos os
episódios do expedição. Em nenhuma ocasião os índios abordaram o massacre. E
tudo correu bem, com saldo de maior confraternização entre silvícolas e
servidores da FUNAI.
RELATÓRIO |
Ainda sob
forte impressão do encontro que mantivemos Com os Waimiri, nos primeiros dias
de setembro [1969], e em consequência da comunicação procedente do Posto
Camanau, informando haver chegado naquela unidade, dia 17, 24 índios chefiados
pelo Tuchaua Maruaga, o maioral, quando recebi ordem de serviço interna para
que, em caráter urgente, seguisse com destino àquela região e contatasse com o
famoso chefe indígena.
Tomadas as
providências, saímos desta capital [Manaus] dia 18, às 17 horas. Antes, porém,
através da fonia, instruímos Estêvão da Silva Rodrigues, atual encarregado
daquele setor, no sentido de envidar todos os esforços para fazer com que o
Tuchaua Maruaga e seus guerreiros ali nos aguardassem, com chegada prevista
para as 12 horas do dia 19.
Dada a
urgência e importância do encontro viajamos sem descanso, tendo chegado ao
Camanau às 14h45 do dia previsto, onde não mais encontramos o chefe Maruaga e
sua gente.
Estávamos
muito preocupados que os índios viessem a se contagiar com sarampo,
considerando que teria casos da doença em filhos de funcionários que servem no
Camanau.
Chegando ao
Posto, fomos informados pelo encarregado de que o Tuchaua Maruaga, após esperar
até as 12 horas sem que chegássemos, preparou-se e disse que iria embora,
porque “não vem, não vem”, querendo
dizer que, na hora marcada, ninguém estava lá; e demonstrando com isso que uma
promessa feita deveria ser cumprida à risca.
ALEGRIA |
Imediatamente,
pela fonia, comuniquei a essa chefia o ocorrido, informando que partiria
naquele instante atrás dos índios. Tendo deixado no Posto o telegrafista Alberto
A. Sandoval, para manter contato permanente com esta sede, ainda viajando na
lancha “José Bonifácio” saímos Rio
acima, às 15h30, levando o encarregado Estêvão, o trabalhador Manoel Rodrigues,
o motorista José Hilário da Silva e o ajudante de motorista Florentino
Ferreira Lima.
Como
os índios levavam uma vantagem de horas, procuramos ganhar terreno e, às 18
horas, conseguimos alcançá-los. Eles estavam acampados na margem esquerda do
Camanau.
Fomos
recebidos alegremente, o que nos encheu de satisfação. Imediatamente embarcaram
em nossas lanchas para nos abraçar. As apresentações foram protocolares, tendo
o índio Capitão Cândido à frente, como se fosse um embaixador.
Conhecemos,
enfim, o tão falado Maruaga. Não houve coquetel e, sim, café com bolachas,
após o que fomos todos para terra, onde jantamos juntos. Pernoitamos nesse
local.
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O Relatório
Realizado Pelo Sertanista Gilberto Pinto Figueredo Costa Destaca a Maneira
Cordial Como Foram Recebidos Pelos
Índios Atroari. Munido de Câmara Fotográfica, Gilberto Focalizou Grupos de
Homens e Mulheres da Temível Tribo Amazônica,
Após a Chegada à Sua Maloca
NO MESMO PRATO |
Pela manhã, dia 20, o Tuchaua Maruaga pediu-me para seguir conosco na
lancha, rebocando suas ubás [canoas cavadas em troncos]. Havia muita água no
Rio, permitindo a navegação, e assim prosseguimos viagem, parando s 11h30 para
fazer refeição. Comemos todos no lugar denominado Estrela.
Preparei um
prato, tamanho família, e desembarquei, rumando para o grupo de índios, tendo
convidado o Cacique e seus guerreiros para almoçar comigo. O convite foi aceito
e comemos no mesmo prato, numa demonstração de amizade e companheirismo.
Os índios,
por sua vez, trouxeram peixe assado à sua moda, tendo havido um verdadeiro
banquete.
Enquanto
isso, a bordo, os companheiros faziam o mesmo com os outros índios, num
ambiente de tocante cordialidade. Terminado o almoço, foi servido café com
bolacha, muito apreciado pelos índios.
GRAVADOR |
Nessa
ocasião, aproveitei para mostrar o gravador de fita. Fiz funcionar o aparelho,
que reproduziu a voz do Capitão Cândido. Maruaga escutou com muita atenção. No
começo ficou sério e depois desandou a rir gostosamente.
Aproveitei a
oportunidade e perguntei a Maruaga se ele queria falar para o gravador. Ele
respondeu negativamente, mandando o capitão Cândido falar novamente. Na
qualidade de porta-voz oficial, Cândido falou bastante, terminando por pedir
muitas ferramentas e acessórios de mata. Outros índios ‒ sempre entre risos ‒
falaram para o gravador.
MATÁ-MATÁ |
Às 12h30,
prosseguimos viagem até às 16 horas, quando paramos no Pedral Matá-matá [nome
de uma tartaruga feia, antediluviana, o bicho mais asqueroso da região].
Lá teríamos
de deixar a lancha José Bonifácio porque não havia mais água no Rio, que só
permitia a viagem de canoa. Teríamos de continuar a viagem em motor de popa.
Enquanto
permanecíamos a bordo da lancha para dormir, os índios seguiram um pouco mais
em suas ubás, Rio acima, tendo ficado próximos a nós apenas 4 deles, sendo 3
guerreiros filhos de Maruaga. Acredito que estes receberam a incumbência de nos
vigiar.
Dia 21, às
duas da manhã, ouvimos barulho de canoa que se aproximava. Ficamos em alerta.
As canoas atracaram na nossa lancha. Eram 4 índios que vinham se abrigar do
temporal que ameaçava desabar e desabou mesmo. Uma chuva torrencial, com
trovões e relâmpagos. Desses temporais que parecem o fim do mundo. Agasalhamos
os índios e caímos em sono profundo, porque estávamos fatigados.
CACHOEIRA |
Quando o dia
amanheceu, nossos hóspedes prepararam seus jamaxis [grandes cestos que carregam
às costas, com apoio de cipó na testa]. Queriam viajar conosco, no motor de
popa.
No dia
anterior, sofremos um encalhe e os índios tiveram de desatracar suas ubás, indo
descarregar seus mantimentos num lajedo próximo, de onde voltaram para nos
ajudar a desencalhar a lancha.
Às 8 horas,
atracamos a ubá dos 4 índios que tinham dormido a bordo e prosseguimos viagem.
Às 08h30, encontramos os demais, que haviam seguido na frente, a remo. Nessa
altura, já rebocávamos 6 ubás, com meninos [curumins] e 20 homens. Entre estes,
4 Chefes ‒ além de Maruaga, o filho deste, Mina, o Capitão Cândido e outro
índio cujo nome não consegui saber. Havia 8 guerreiros que eram do Alalau e 4
homens eu os reconheci de uma viagem que fiz àquela região, em 1966.
Às 10 horas
passamos pelo antigo Posto Tubal, e às 11 chegamos à cachoeira Travessão. Os
índios nos ajudaram a transpor o trecho encachoeirado, onde por pouco não
sofremos um naufrágio. O cevador de mandioca chegou a cair no Rio, sendo
retirado pelo mergulho profundo do índio Comprido. O próprio Maruaga e seus
filhos deram sua ajuda nessa operação da cachoeira.
PIRANHA ASSADA |
Às 12h30,
topamos nova cachoeira a nos desafiar. Nós ajudamos os índios a atravessar suas
ubás e depois eles retribuíram o gesto ajudando-nos a transpor nossa canoa.
Vencida a cachoeira sem maiores incidentes preparamo-nos para o almoço.
Foi
oferecimento de Maruaga: piranha assada e jaboti. Comida feita na hora e à moda
dos índios: o assado com tripa e tudo.
O nosso
avanço tinha de ser vagaroso. Havia muitas surpresas desagradáveis: pedras
pontiagudas afiadas como navalhas e que poderiam romper o casco das ubás e da nossa
canoa. Prosseguimos depois do almoço e, às 17h30, paramos numa ponta de terra
firme, a pedido de Maruaga. Ele queria pernoitar ali e concordamos com sua
ordem.
MUITO SALGADO |
Estêvão
sugeriu que deveríamos dormir um pouco afastados do acampamento dos índios. Eu
estava para concordar, quando Maruaga nos veio convidar para dormir no mesmo
local. Aceitamos.
Uns
índios preparavam suas redes, outros foram pescar piranhas. Depois de
prepararmos nossa dormida, assamos um pedaço de carne-seca. Convidamos para o
jantar Maruaga e sua gente, que aceitaram a nossa comida e trouxeram muita
farinha e as piranhas assadas. Os índios tentaram comer o charque, mas
desistiram porque estava “muito salgado”.
Dia 22, muito
cedo, os índios prepararam suas coisas para prosseguir viagem. Oferecemos a
eles café com bolacha e eles a nós uma cuia com farinha de tapioca.
Entramos,
juntos, novamente no Rio, fazendo roncar o motor de popa, que rebocava todo
mundo.
TRACAJÁS |
Daí por
diante, em toda ponta de praia, os índios faziam um alvoroço dos diabos.
Mostravam os tracajás [tipo de tartaruga] que saiam do Rio para a praia para
desovar. Eles recolhiam os ovos, às braçadas, mas não comiam nenhum. Diziam que
era para levar para as suas “Marias”.
Não só os ovos, mas tudo de bom que encontravam, inclusive grandes peixes.
Estavam com
muita pressa. Quando o motor enguiçava, o primeiro a desatracar a sua ubá era o
próprio Maruaga. Para dar a sua ajuda imediata. E explicava a sua pressa: “Muita demora e ‘Maria’ chorar”.
Nesse dia o
almoço foi feito a bordo. O servidor Manoel Rodrigues pescou um lindo tucunaré
de 10 quilos, que foi transformado em caldeirada com pirão, a nossa parte, e a
dos índios em moquém, uma espécie de churrasco de peixe.
Quando já
estávamos em nossas redes para dormir chegaram os índios. Sentaram-se à nossa
volta, falando sem parar, rindo a valer, em movimentos largos e alegres.
Soubemos, então, a razão de todo esse furor de alegria: era que, no dia
seguinte, chegaríamos à maloca deles, objetivo de nossa excursão de trabalho, e
onde estavam saudosas as suas “Marias”.
MALOCA |
Dia 23, dia
da nossa chegada à maloca. Os índios acordaram aos pinotes de alegria. A viagem
continuou até alcançarmos a mais difícil das cachoeiras ‒ a de Japiim. Os
índios misturam o seu trabalho de atravessar as canoas para o outro lado do
Rio, além cachoeira, com a operação do cata do ovos de tracajás.
Às 10 horas,
ao fazermos uma curva do Rio, pudemos ver a maloca. Eles desatracaram as suas
ubás e prosseguiram a remo, numa loucura de alegria. Nosso motor quebrou o pino
num pau submerso e nós tivemos também de seguir atrás deles, a remo.
Fomos os
últimos a atracar no porto, onde já nos aguardavam dois índios, que haviam
permanecido na maloca. Começamos a descarregar as canoas, inclusive os dois
cevadores de mandioca ‒ um para Maruaga, outro para Cândido. Eis quando aparece
Maruaga rindo e alegre, convidando-nos a ir até a maloca. Era, aliás, o nosso
grande desejo. Mas não poderíamos sequer sugerir. Ele mesmo teria de nos
convidar ou ficaríamos num local qualquer por perto.
IGUARIAS |
Cândido pediu
que déssemos um tiro para o ar para avisar às “Marias”. Caminhamos para a maloca e fomos encontrando índios, aqui
e ali. Eles nos ofereceram piranhas assadas, traíras, um peixe muito gostoso,
beijus de mandioca, farinha à farta. A fome era grande e comemos até tocar com
o dedo.
Maruaga
reapareceu e em sua companhia estava a sua mulher e um filho do 4 anos. O índio
Nina também trouxe a sua “Maria” para
nos apresentar. Depois que os Chefes tomaram essa atitude, todos os índios os
imitaram, trazendo cada qual a sua “Maria”
para apertar as nossas mãos. Foi uma ampla confraternização.
Eu disso a
eles que também tinha a minha “Maria”
e 8 filhos. Contei nos dedos. Eles vibraram. Parece que gostam de quem possui
muitos curumins. Cessadas as apresentações, informaram que tinham aberto um
grande roçado e queriam plantar milho, cana, mandioca e melancia. Nós lhe demos
as sementes e ensinamos como plantar essas culturas, novas para eles.
Eu mesmo
ensinei o plantio. Com paciência, procurando fazer com que me entendessem.
FOTOS |
Perguntei a
Maruaga se poderia tirar fotos de todo o pessoal. Ele permitiu. Comecei a
operar com a pequena câmera que levava. Fotografei o Capitão Nina com sua
esposa e dois filhos. A mulher não queria olhar a câmera e foi forçada a isso
pelo marido. Acabou rindo e gostando. Havia ali entre 70 e 80 índios.
Não entramos
na maloca, porque não houve convite. Fingimos até desinteresse. Vimos com o
rabo do olho detalhes interiores. Todos os homens estavam conosco, enquanto as “Marias” se meteram dentro da maloca.
Maruaga transpirava alegria. Falava nos roçados que ia rasgar na selva. Haveria
muita comida para as “Marias”,
crianças e guerreiros.
|
Maruaga,
Chefe dos Atroari, Responsável
pelo Massacre da Missão do Padre Calleri, Comanda a Tribo sem Discussão
A VOLTA |
Os chefes
Maruaga e Cândido conversavam baixinho. Notei que falavam sobre o nosso rancho,
que estava quase a zero. Trouxeram para nós farinha, bola de goma para fazer
beiju e outras iguarias silvestres. E prepararam paneiros para botar mais
mantimentos para a nossa volta.
Os próprios
índios arrumaram os mantimentos na nossa canoa. Às 14 horas, iniciamos o
regresso. Satisfeitos, missão cumprida. Maruaga e sua tribo ficaram no barranco
acenando. Ele ‒ um guerreiro de 60 anos, de 1,80 de altura, postura normal de
seriedade. Uma ordem sua ‒ e basta. Todo mundo o atende sem discutir.
PENETRAS |
O relatorista denuncia o fato dos penetras que invadem os Altos Rios
Camanau, Jauaperí e Alalau ‒ região dos Waimiri-Atroari ‒ em
busca de peles silvestres. E, se veem um
índio, espantam-no a tiros, com medo, e com isso
causam dificuldades ao processo de atração da FUNAI. Propõe: “A FUNAI deve tomar uma série de medidas,
visando interditar os rios Camanau, Jauaperí, Alalau. Curiau e Uatumã [Baixo
Amazonas], proibindo, terminantemente, o trânsito de pessoas estranhas, a fim
de não prejudicar o trabalho que pretendo realizar junto aos índios”.
A solução é
tão exata que a FUNAI, agora sob rigorosa supervisão, está estudando o caso com
seriedade.
É oportuno
sublinhar o risco que o grande sertanista Gilberto ‒ um homem profundamente
devotado à causa do índio ‒ correu com seus companheiros. Como já foi escrito,
eles não sabiam do massacre da Missão Calleri, provocado exclusivamente pela
ausência de tato do missionário. Se o índio deitava na rede do Padre, o Padre
o expulsava com pontapés. Como negava presentes, isto é, o que o índio pedia. O
somatório dessas ocorrências resultou no massacre. Evidentemente. Maruaga e
seus guerreiros confiaram na pessoa de Gilberto e seus comandados. E foi
generoso com eles.
Índio é como
criança. Igualzinho. Faz festa quando é bem tratado. E pode ficar um amigão do
branco. (O CRUZEIRO, n° 33)
Fontes:
JB, N° 145. FUNAI Detém Chefe
Atroari Temendo Sarampo na Aldeia ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Jornal do
Brasil, n° 145, 24.09.1968.
O Cruzeiro, n° 33. Missão de Paz
entre os Atroari ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ – Revista O Cruzeiro, n° 33,
11.08.1970.
Solicito publicação:
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
Campeão
do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com;
Blog: desafiandooriomar.blogspot.com.br
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H