Segunda-feira, 23 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Hiram Reis e Silva

Os Waimiri-Atroari – Parte V - Novos Massacres


Os Waimiri-Atroari – Parte V - Novos Massacres - Gente de Opinião

Florianópolis, SC, 11.03.2019

 

Novos Massacres

 

18.01.1973 índios atacam um posto de Atração da FUNAI, matando quatro funcionários.

 

01.10.1974 o Posto Alalau II não responde ao chamado.

O avião da Igreja Adventista de Manaus aquatizou. Pedimos ao Pastor que, caso morrêssemos, contasse nossos últimos desejos a nossas famílias e saímos correndo em ziguezague. Na entrada do Posto, uma cabeça estava equilibrada no batente da porta. Era do companheiro Faustino Faria [...] No ataque morreram seis servidores da FUNAI, todos índios aculturados. Três mortos no Posto, por Comprido, Bornaldo e seus guerreiros; três, no Rio Alalau, massacrados pelo Chefe Elso quando se dirigiram para o Posto em uma canoa.

 

18.11.1974 dia que ficou conhecido como o “Massacre dos Maranhenses”. Quatro trabalhadores maranhenses, da turma de desmatamento, foram emboscados e mortos.

 

29.12.1974 Às 06h00, Ivan foi se banhar no Rio e, em meio à névoa que cobria a água, ouviu uma fuzilaria. E então, apesar do nevoeiro, viu Gilberto Pinto na porta do posto agitando os braços, enquanto os Waimiri-Atroari o cercavam. Ivan não esperou mais. Saiu correndo pelo mato em busca de socorro no acampamento do 6° Batalhão de Engenharia de Construção [6° BEC], onde chegou esbaforido às 08h00. (SABATINI)

 

No massacre do Posto Abonarí II, morreram o sertanista Gilberto e dois outros companheiros, um foi considerado desaparecido e um outro escapou.

 

Guerreiros” Waimiri-Atroari

 

Os ataques dos Waimiri-Atroari, desde 1856, se caracterizaram, sistematicamente, por emboscadas cruéis e covardes aproveitando-se, em diversas oportunidades, da boa-fé e amizade que lhes devotavam funcionários do SPI ou FUNAI.

 

As atrocidades cometidas contra funcionários desarmados e suas famílias por grupos numericamente superiores não fazem, absolutamente, jus à sua pretérita e tão propalada fama de “guerreiros”.

 

Infelizmente alguns indigenistas como José Porfírio Carvalho e prelados como o do Padre italiano Silvano Sabatini apontam o Exército e a Força Aérea Brasileiras como responsáveis pelo genocídio dos WA.

 

Baseados em relatos orais infundados afirmam nos seus livros que estas Forças teriam atirado em indígenas desarmados e usado armas biológicas para diminuir a agressividade dos WA.

 

Se verificarmos o padrão dos massacres, vamos notar que eles só atacavam quando sua superioridade numérica era considerável e quando suas vítimas não tinham qualquer possibilidade de reagir.

 

Para garantir a segurança dos trabalhadores da BR-174 foi determinado que os grupos não trabalhassem dispersos e que se tivesse uma força de dissuasão pronta para agir, caso necessário.

 

Revista Veja, n° 331 ‒ São Paulo, SP

Domingo, 29.12.1974

ÍNDIOS ‒ Outro Massacre

 

Flechas cruzadas com penas de arara vermelha são um seguro indício de que os índios Waimiri-Atroari planejam um ataque.

 

Para a delegacia da Fundação Nacional do índio [FUNAI], em Manaus, estes sinais de guerra encontrados no Posto Abonarí-II, às margens da rodovia BR-174, ao Norte do Amazonas, no último dia 26, eram apenas uma pequena mentira de dois de seus mateiros que queriam passar o ano novo em casa.

 

Na manhã de domingo, dia 29, os Atroari, responsáveis pela chacina da Expedição do Padre Calleri, em 1968, atacaram e mais uma vez cumpriram com exemplar regularidade uma das características de suas devastadoras incursões: deixaram um sobrevivente.

Às 06h00, o índio aculturado Ivã Lima Ferreira abandonou uma das casas do Posto, onde esteve escondido por mais de uma hora, e foi pedir socorro aos soldados do 6° Batalhão de Engenharia de Construção do Exército, no quilômetro 220 da BR-174, que liga Manaus a Caracaraí, em Roraima. No Posto o sertanista Gilberto Pinto de Figueiredo e mais três ajudantes estavam mortos a flechadas e a golpes de borduna e facão.

 

Não tão Pacíficos ‒ Em 33 anos de contato com os Atroari, a FUNAI parece ter aprendido muito pouco sobre seus métodos de vida, pois, apesar de ter perdido 62 homens, considerava-os “praticamente pacificados”. Desde 1950, catorze missões de contato foram liquidadas pelos guerreiros e, nos últimos três meses, três ataques mataram catorze pessoas.



 

Imagem 01 – Corpo do Sertanista Gilberto Pinto


 

Imagem 02 – Corpo do Sertanista Gilberto Pinto



Imagem 03 – Corpo de Funcionário da FUNAI

 


Imagem 04 – Funcionário da FUNAI degolado (29.10.1974)

O ataque do dia 29 mostrou não apenas que os Atroari não estão pacificados mas também que a FUNAI prefere considerar todos os índios sob sua guarda e responsabilidade tão pacíficos, infantis e curiosos quanto os que confraternizaram com a Expedição de Pedro Álvares Cabral, em 1500. O engano custou-lhe a morte do sertanista mais capacitado para a pacificação deste grupo indígena. Figueiredo conhecia os Atroari desde os primeiros contatos, considerava-os inteligentes e astutos em suas táticas de guerra, e era chamado pelos guerreiros de “Pai Gilberto”. Esta intimidade fez com que a Funai, em lugar de evacuar o Posto ameaçado, o enviasse ao Abonarí-II numa operação de rotina.

 

Mateiros Fictícios ‒ “Vou porque não sou covarde”, teria dito o sertanista a mulher e aos nove filhos, na despedida, segundo o Jornal “A Notícia”, de Manaus. A mesma fonte colocaria mais tarde a FUNAI em comprometedora contradição. Figueiredo teria dado a notícia da ameaça indígena ao Jornal, pedindo para não ser citado. Então, inventou-se a história dos mateiros, e nada se fez. O relato parece algo fantástico, mas não chegou a ser desmentido. As informações sobre o que ocorreu no Posto ainda são poucas, pois o sobrevivente Ferreira entrou em estado de choque. Sabe-se, contudo, que no sábado Figueiredo encontrou 27 Atroari liderados pelo Chefe “Capitão Comprido”, significativamente sem suas mulheres e crianças. Após uma amistosa conversa, os índios ficaram para dormir, tendo a delegacia de Manaus recebido informações de que estava tudo bem. Na manhã seguinte, atacaram.

 

É possível que o experiente sertanista tenha se enganado sobre os indígenas, mas do depoimento detalhado de Ferreira deverão surgir informações mais convincentes. Pois, apesar de guerreiros valentes, os Atroari sofriam muitos problemas com a invasão de suas terras. Num relatório ao comando do 6° BEC, em 1973, o mateiro André Nunes escreveu:

 

A avidez dos índios pelos alimentos dos operários é enorme. Eles comem sal com tanta volúpia que podem ser comparados a um rebanho bovino. (REVISTA VEJA, N° 331)

 

Correio Braziliense, n° 4.395 ‒ Brasília, DF

Sábado, 04.01.1975

O Episódio dos Waimiri-Atroari

 

Não faz muito tempo, encontrava-se o Brasil nas páginas das mais destacadas publicações mundiais, acusado de executar uma política de extermínio das suas populações indígenas. A campanha coincidia com os planos de abertura da Transamazônica.

 

Na realidade, a coincidência era outra e muito mais grave. Constatava-se que na luta para alcançar objetivos nacionais mais importantes, estreitamente ligados à problemática da sua defesa e segurança ‒ a ocupação dos espaços vazios ‒ o Brasil encontrava obstáculos no seu caminho. Um deles se inseria precisamente na ardilosa campanha contra a política indigenista que a administração brasileira estaria pondo em prática.

 

A verdade é que acontecia conosco [ou se repetia] o mesmo problema enfrentado por outras nações do Hemisfério. No correr do processo de desenvolvimento econômico, verifica-se num ponto ou noutro um choque entre as frentes pioneiras de penetração da civilização e os aborígenes, ciosos da preservação da sua cultura e das suas terras de origem. E todo o problema se resume numa questão muito simples: Como evitar o choque?

 

Jamais passou pela cabeça de qualquer brasileiro reeditar com os nossos homens pré-cabralianos a política do General Custer ([1]) nos Estados Unidos. Não negamos ter existido no correr dos anos da nossa história fatos lamentáveis, ainda hoje ocorrendo na imensidão desse mundo vazio que é o nosso Centro-Oeste, mas sem o aval das autoridades. Mas nunca o massacre deliberado, como se homens se constituíssem em gafanhoto ou formigas.

 

Toda a questão se relaciona com o ataque dos índios Waimiri-Atroari, no Setentrião amazônico, onde está sendo aberta uma estrada que nos levará à fronteira da Venezuela. Os sertanistas encarregados do trabalho de amaciamento dos selvagens foram massacrados impiedosamente.

Os atacantes saíram incólumes do choque. E conta a testemunha da tragédia que o sertanista chefe do grupo da FUNAI, Gilberto Pinto de Azevedo, no auge da luta, atirava para o alto, enquanto era flechado pelas costas, obediente ao lema de Rondon: “Morrer, se preciso for; matar, nunca”.

 

Cabe a FUNAI, dentro das suas normas de conduta, obedientes aos princípios humanitários que condicionam o comportamento do nosso espírito cristão, continuar, prosseguir, quando retornar aos postos ora abandonados, na tarefa de atrair para o convívio da nação, sem desvirtuar-lhes as características culturais, os Waimiri-Atroari, de modo a que eles se integrem, sem maiores sacrifícios de qualquer das partes, no grande esforço de ocupação dos vazios brasileiros.

 

Quanto ao episódio, ainda que doloroso nas suas consequências, deve ele ficar como um marco nos anais dessa grande luta de conquista e povoamento dos nossos espaços geográfico. (CB, N° 4.395)

 

Revista Manchete, n° 1.189 ‒ Rio de Janeiro, RJ

Sábado, 01.02.1975



 

Imagem 05 ‒ Revista Manchete ‒ n° 1.189, 01.02.1975

 

“Tenho Absoluta Certeza de que os Atroaris não Atacarão mais. Nossa Tarefa Agora é Reabrir o Posto da FUNAI, Colocar lá um sertanista Experimentado e Começar Tudo de Novo”

[...] A seguir, Orlando aborda o problema da morte do sertanista Gilberto Pinto, assassinado pelos Waimiri-Atroari:

 

O índio Waimiri-Atroari não é exceção no panorama indígena nacional. É a mesma coisa: índio reage sempre da mesma forma. Os Atroari mantinham contato há muito tempo com os seringueiros da região. Mas a área que eles habitavam não despertava muito interesse dos brancos e foram deixados em paz. Só quando tiveram início os trabalhos de construção da estrada Manaus‒Caracaraí, é que começaram os conflitos entre índios e brancos. A FUNAI contava na área com um sertanista excepcional: Gilberto Pinto Figueiredo. Ele tinha nas mãos todo o controle Atroari.

 

Posso garantir, sem medo de errar, que quem matou Gilberto não foram os Atroari, mas sim um Atroari. O índio é completamente independente dentro de sua comunidade e inteiramente responsável pelos seus atos. Foi um deles que, por vontade própria, sacrificou o sertanista experimentado. E porque fez isso? Não sei. Talvez porque o índio se sentia pressionado por todos os lados. Pela construção da estrada, que violava o seu território. Contra quem reagir? Contra o mais fraco. Ele tinha ali, nas suas mãos, um núcleo de civilizados, de brancos no posto da FUNAI.

Ele sabia que aquele grupo já fora sacrificado algumas vezes sem reagir. E assim não teve dúvidas, agiu violentamente. Acho lamentável o que aconteceu, Gilberto era realmente excepcional. Mas agora devemos olhar o futuro. Creio que a FUNAI deve destacar um outro sertanista para a área. Um homem experiente, que fique lá por longo tempo. Não adianta mandá-lo para lá e depois de alguns meses removê-lo. Deve fazer um trabalho a longo prazo, paciente e permanente. Nesse trabalho, ele vai precisar de pelo menos outros 25 sertanistas, também experimentados no trato com o índio. Tenho absoluta certeza que os Atroari não atacarão mais. O novo posto deve ser aberto com presentes, sem pensar no passado, sempre com as vistas voltadas para o futuro.

 


Imagem 06 ‒ Revista Manchete ‒ n° 1.189, 01.02.1975

Não podemos esquecer que no trabalho com os índios, sempre que acontece um incidente como este, nossa missão é perder. Outra coisa: o Atroari não vai aparecer logo. Ele passará uns três meses na aldeia, escondido, mas não resistirá à tentação de voltar ao posto para receber presentes. Então será a nossa vez de recebê-lo sem mágoas e começar tudo de novo. (REVISTA MANCHETE, N° 1.189)

 

Fontes:

 

CB, N° 4.395. O Episódio dos Waimiri-Atroari ‒ Brasil – Brasília, DF – Correio Braziliense n° 4.395, 04.01.1975.

REVISTA VEJA, N° 331. ÍNDIOS ‒ Outro Massacre ‒ Brasil ‒ São Paulo, SP ‒ Revista Veja, n° 331, 29.12.1974.

REVISTA MANCHETE, N° 1.189. Tenho Absoluta Certeza de que os Atroaris não Atacarão mais... ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Revista Manchete, n° 1.189, 01.02.1975.

 

 

Solicito publicação:

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

E-mail: hiramrsilva@gmail.com;

Blog: desafiandooriomar.blogspot.com.br



[1]    George Armstrong Custer: oficial do exército dos Estados Unidos e comandante de uma unidade de cavalaria durante a Guerra Civil Americana e as Guerras Indígenas.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoSegunda-feira, 23 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X

Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória:  Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI

Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória:  Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas  T

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV

Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória:  Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III

Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória:  Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira  O jornalista H

Gente de Opinião Segunda-feira, 23 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)