Quinta-feira, 21 de março de 2019 - 12h21
Florianópolis, SC, 11.03.2019
As contradições em torno das declarações
do ex-funcionário Raimundo Pereira da Silva, do 6° Batalhão de Engenharia de
Construção, são enormes e só a tal da “Comissão ia ‘In’Verdade” é capaz
de qualificá-lo como testemunha idônea. Raimundo foi admitido no dia 03.05.1974
e pediu demissão em 30.05.1974.
Relatório da Comissão Nacional da Verdade –
Anexo 2
Raimundo Pereira da Silva, ex-mateiro
da Funai que trabalhou na abertura da BR-174, testemunhou a atuação do Batalhão
de Infantaria na Selva [BIS] e informa como o desaparecimento de muitos índios
se relacionava diretamente com a atuação do batalhão:
Eu
fiquei impressionado porque, antes do Exército entrar, a gente viu muito índio,
muito índio. E eles saíam no barraco da gente, muito, muito, muito [...].
Depois que o 1° BIS entrou, nós não vimos mais índios [...]. Antes cansou de
chegar 300, 400 índios no barraco da gente. ([1])
Relatório do Comitê Estadual
da Verdade do Amazonas – Anexo 3
Estatística da FUNAI de 1972 refere
que “na periferia do posto de atração do Alalau, à margem direita do Rio
Alalau, moravam 300 indígenas. Além das aldeias dos capitães Nenen, Juani, Elsa
e Comprido”. Informação confirmada por Raimundo Pereira da Silva, que trabalhou
como mateiro na abertura da picada da rodovia, no grupo que seguia no sentido
de Roraima, entre 1972 e 1977 ([2]):
Raimundo Pereira da
Silva – Agora eu
fiquei impressionado porque antes do Exército entrar, a gente via muito índio,
muito índio.
Tiago Maiká Müller
Schwade – é mesmo?
Raimundo Pereira da
Silva – É, eles
saiam no barraco da gente, muito, muito, muito. Eu tinha um bocado de coroa de
ouro, eu. Eles eram doidos pra me levar pra lá, eles falavam: “maroca,
maroca, maroca, vamo embora, maroca, maroca‟. Eu dizia “não, Manaus,
Manaus, Manaus‟. Eles: “não, maroca, maroca”, pra me levar pra lá.
Todos os dias esses vinham com aquela conversa.
Egydio Schwade – E quase todos os dias eles te
encontravam?
Raimundo Pereira da
Silva – Todo dia.
[...]
Raimundo Pereira da Silva – Depois que o BIS [Batalhão de Infantaria na Selva] entrou, nós não vimos mais índios.
Egydio Schwade – Mas antes disso?
Raimundo Pereira da
Silva – Antes cansou
de chegar 300 – 400 índios no barraco da gente. É... Levavam tudo que a gente
tinha. A gente tinha medo, sabe e esses índios aí não pediam não, tomavam. Era
troca, troca, troca. Davam uma flecha, qualquer coisa deles.
Na mesma entrevista, o trabalhador
ainda revela que, em 1976 (4), quando já haviam realizado a
travessia do rio Alalau, o Exército encontrou um grupo de indígenas:
Raimundo Pereira da
Silva – Eles acharam
um grupo de índios, duns... uns 30 índios, o BIS. Aí trouxe pra cá, chegou,
eles deram 600 tiros aberando os índios.
Egydio Schwade – Perto deles?
Raimundo Pereira da
Silva – É, perto
deles. Índio ficava com medo, medo. E eles empurravam eles na boca do pau, pra
subir na caçamba. “Sobe na caçamba!”, empurravam na boca do pau. Rapaz
índio ficavam assim ó, se tremendo.
Egydio Schwade – Depois dos tiros?
Raimundo Pereira da Silva – Depois dos tiros. Aí botavam na caçamba e iam deixar lá na estrada. Agora lá nós não íamos, os civis não iam. Só o Exército. Nós não sabe se eles matavam eles lá ou soltavam. Civil nenhum sabe.
Relatório do Comitê Estadual
da Verdade do Amazonas – Anexo 13 – Inquérito Civil Público
n° 13.000.001356/2012-07
Termo de Depoimento
Raimundo Pereira da Silva
No dia 02.06.2014, às 10h00, na Casa de Cultura Urubuí, [...]
compareceu RAIMUNDO PEREIRA DA SILVA, [...] que prestou as seguintes
declarações: [...]
Depois
desse fato, voltamos ao acampamento no km 30. Ficamos lá uns 10, 15 dias. Um
dia vi passando 43 carros do BIS, cheios de soldados [jipes, carros fechados,
camuflados]. Eu lembro que eram 43, porque contei. Passaram dois aviões do BIS.
Antes não havia avião do Exército. O avião passou por lá seis dias. O Exército
dizia que o BIS ia fazer uma manobra para conhecer a região, poder entrar para
trabalhar. Os carros voltaram depois de seis dias. [...]
Depois
da morte do Gilberto, os únicos índios que vi eram uns 20 que foram empurrados
por soldados do 1° BIS para o caminhão. Eles iam ser levados para o
acampamento. Os índios tremiam. Ao chegarem no acampamento, deram 600 tiros
para assustar os índios. Os índios saíram correndo. Nunca mais vi índios. [...]
Não vi carro ou caminhão levando índios mortos em grande quantidade. Só sei dos
casos em que íamos resgatar, e nesses casos levávamos até o avião.
As contradições
numéricas quanto a estimativa populacional do Waimiri-Atroari são evidentes.
Embora a Funai defenda que eram 3.000 segundo um alegado sobrevoo do Padre
Calleri sobre a reserva, em 1968. Nenhum recenseador sério consideraria esses
números corretos. Realizei dois sobrevoos na região, em 1982, acompanhado do
Padre Giuseppe Craveiro, na época, Coordenador do Núcleo de Apoio
Waimiri-Atroari, que me apontou algumas aldeias abandonadas e que lá de cima
poderia se imaginar habitadas. Com a escassez de caça os WA migravam para outra
Aldeia e às vezes retornavam aquela de origem. Não raras vezes a Aldeia tinha ser
queimada em virtude da invasão de roedores e insetos ou mesmo em decorrência de
surtos de sarampo ou gripe. Numa de minhas visitas às aldeias WA encontrei um
senhor idoso conhecido como Capitão Tomáz. Tendo como intérprete o Craveiro,
contei-lhe a respeito das doenças que minavam a saúde de seu povo e de nossa
intenção de vaciná-los já que o atendimento da Funai se resumia em evacuá-los
para Manaus. Tomáz emocionado, me confidenciou que o costume do WA de adotar
crianças capturadas durante os ataques e o contato furtivo com brancos que os
contatavam, sem autorização da Funai, para presenteá-los com diversos
artefatos, e roupas usadas, tinha trazido uma terrível maldição para os WA.
Muitos idosos e crianças morreram depois de sua chegada. Sem saber os WA trouxeram
para dentro de suas Aldeias uma bomba bacteriológica implacável.
Inquérito Civil Público
n° 1.13.000.001356/2012-07
Termo de Depoimento
José Porfirio Fontenele de Carvalho
No dia 20.03.2014, às 10h30min, na sede da Procuradoria da
República no Amazonas, compareceu JOSÉ PORFIRIO FONTENELE DE CARVALHO, [...],
que prestou as seguintes declarações: [...] Nesta época, tomávamos contato com
os índios navegando pelos rios Camanau e Uatumã. Não nos era permitido entrar
nas aldeias.
Em
1969, fizemos um voo pela área, eu e Gilberto, quando identificamos 15 malocas
diferentes na região. Concluímos em 1971 um trabalho, oportunidade em que
fizemos uma estimativa de que cada maloca possuía 100 indígenas, o que daria
mais ou menos 1.500 indígenas. Neste ano de 1971 foi criada a reserva. [...]
Sobre o relatório de Gilberto, que, em 1973, estimava a existência de 600 a
1.000 indígenas, tenho a impressão de que isso se deve ao que ele conhecia. Ele
não levou em consideração os Atroari, o que se depreende das informações acerca
dos rios que ele menciona. [...] Sobre o episódio em que houve o sobrevoo da
maloca do Comprido, cuja foto está no livro, tenho certeza de que os índios
mesmos queimaram a maloca. Não foi o Exército que a queimou. O próprio Mário
Parwe confirma isso. Fizeram isso para se proteger. [...] Em 1977, houve uma
epidemia de sarampo, que segundo a conta da FUNAI, teria atingido 21 indígenas.
Deve ter morrido mais, pois houve fuga para dentro da mata.
Inquérito Civil Público
n° 13.000.001356/2012-07
Termo de Depoimento
Sebastião Amâncio da Costa
No dia 25.11.2014, às 09:00, na sede da Procuradoria da
República no Amazonas, compareceu SEBASTIÃO AMÂNCIO DA COSTA, que prestou as
seguintes declarações: [...]
Foi
feita uma maquete da hidrelétrica, mas achamos que os índios não saberiam o
alcance disso, então alguns índios foram a Tucuruí. Os líderes principais eram
o Mário e o Viana. Explicamos o que seria Balbina e o que seria a estrada.
[...]
Eram
de praxe fazer reuniões com os líderes para evitar que se repetissem ataques.
Foi o que ocorreu após o ataque a Gilberto. Conversei com os líderes Mário e
Viana e passei as informações, eles retransmitiam aos demais, Cheguei a
conhecer o Comprido, Maruaga era o líder principal. Eles também estavam. Foi
uma conversa tranquila, os índios manifestavam preocupação com a existência de
doenças. [...]
Viana
tinha poucos anos nesta época e já despontava, assim como Mário, como líder
natural. Conheciam toda a história da terra indígena. Sobre as mortes, estive
meses no Rio Purus num momento posterior com Mário e Viana, tínhamos uma
intimidade muito grande, eles nunca comentaram qualquer morte por parte da
frente e do Exército. Sobre a morte de Comprido, nunca ouvi falar de qualquer
suspeita de que Mário e Viana seriam responsáveis. A área Waimiri Atroari
sempre foi um tabu para pessoas interessadas em obter recursos financeiros lá
dentro. Sobre a alegação de que havia 6.000 índios lá, não era possível fazer
censo, devido às dificuldades de contato, então não era possível estimar isso.
[...]
Não
havia entrega de presentes, nosso contato era de reciprocidade. Confiávamos na
relação de amizade. Havia um convívio diário, com visitas às aldeias, em que
buscávamos ser aceitos. Eu ia com alguns funcionários, como João Dionísio,
Paulo e outros da equipe de João Dionísio. José Porfirio de Carvalho não
trabalhava lá nesta época. Na época do Gilberto, ele ficava na retaguarda de
apoio, era administrador regional, oferecia meios para que os trabalhos ocorressem:
alimentação, combustível, viatura, armas [apenas para caça e pesca]. [...]
A
falta de notícias sobre a presença dos indígenas após 75 deve-se ao fruto de
nosso trabalho. As áreas são muito extensas, eles fazem visitas uns aos outros,
possuem a caça e a pesca. Com relação à falta de documentos da época, o serviço
de comunicação da FUNAI possui informações diárias sobre a atuação. Eu não
fazia relatórios periódicos, apenas quando havia algum fato a ser informado à
FUNAI de Brasília. [...]
MINISTÉRIO DO INTERIOR
FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO -
FUNAI
Of. N° 19/74 – 1ª DR
Do: Subcoordenador Manaus, 02.07.1974
Ao: Sr. Comandante do 6° BEC
Boa Vista – Roraima
Senhor Comandante,
Agradecemos a honrosa visita que nos
foi feita pelo Subcomandante desse Batalhão de Construção, Major Kuhner, quando
nos trouxe os cumprimentos desse Comando nos comunicando a reabertura dos trabalhos
na Estrada BR-174, Manaus ‒ Boa Vista, a cargo desse comando, apresentamos na
oportunidade os nossos cumprimentos, enviando votos de êxitos na missão
confiada a V. Sª e seus comandados.
Como e do conhecimento de V. Sª a
estrada BR-174 ‒ cruza a reserva Indígena dos índios Waimiri-Atroari, sob
jurisdição desta Subcoordenação e, pelo fato merece que levemos ao conhecimento
desse comando, o seguinte. Os índios Waimiri-Atroari, do grupo Karib, com
população estimada na área compreendida entre os rios Santo Antônio do Abonarí,
Jauaperí e seus afluentes da margem esquerda [Rio Alalau e Branquinho] e Rio
Uatumã, de 1.200 indivíduos encontram-se ainda em estado primitivo e
arredios com contatos isolados, exigindo assim de nossa sociedade, cuidados
especiais para que não sejam ultrajados os seus costumes e ritos, assim como
não lhes sejam impostos novas necessidades e males.
Os principais males que as
sociedades, ditas civilizadas, tem levado aos povos primitivos, são as doenças
que atingem em cheio, seu físico totalmente desprovido das resistências contra
as nossas doenças:
Baseados
em experiências em outras áreas onde foram realizados trabalhos semelhantes,
estrada Transamazônica, e outras, ainda nos termos do Estatuto do Índio e
visando ainda salvaguardar a integridade física e social dos silvícolas
habitantes na citada área, tomamos a liberdade de solicitar a V. Sª a
observação das seguintes recomendações, para serem observadas pois as pessoas
que irão trabalhar e circular dentro da área habitada pelos índios:
a)
Evitar, até segunda recomendação, a presença de pessoas do sexo feminino no
trecho de reserva Waimiri-Atroari. [...]
RAIMUNDO
PEREIRA, EGYDIO SCHWADE E A COMISSÃO DA VERDADE MENTEM!!!
Solicito publicação:
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
Campeão
do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com;
[1] SCHWADE, Egydio; SCHWADE, Tiago Maiká Müller
(Orgs.). Entrevista com Raimundo Pereira da Silva sobre a construção da BR-174.
11.10.2012.
[2] Raimundo Pereira da Silva serviu no 6° BEC,
na época da abertura da estrada:
CPF
027876012-00; Identidade: 11298/RR;
Filiação:
Florência Pereira da Silva; Nascimento: 25.05.1951, Vitória, Maranhão;
Foi admitido
em: 03.05.1974; Demissão a pedido: 30.05.1974.
Trabalhou 27 dias apenas e não era mais
funcionário do 6° BEC em 1975.
[3] Os sertanistas estimavam um máximo de 100
índios em cada Aldeia.
[4] Demissão a pedido: 30.05.1974.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H