Sábado, 29 de dezembro de 2012 - 08h41
Hiram Reis e Silva, Cruzeiro do Sul, Acre,
27 de dezembro de 2012.
Desde menino eu os conhecia com os nomes de mosquito pólvora ou pium, à beira do Rio Piracicaba... Mandei juntar esterco de gado e atear fogo ao mesmo, a fim de produzir fumaça abundante para afugentar os quase invisíveis maruins. (IGLESIAS Francisco)
- Rumo à Comunidade Ruças – Rio Valparaíso (25.12.2012)
O Angonese resolveu tentar a sorte na pescaria embarcando na lancha “Mirandinha” e o Marçal assumiu o comando do “indomável” me acompanhando neste percurso de mais de 55 km até o Rio Valparaíso. Partimos às 7h15, o nível das águas do Juruá baixara mais de um metro em 24 horas e, em consequência, a velocidade das águas diminuíra consideravelmente. Como se isso não bastasse o sol inclemente e a ausência de nuvens minou sensivelmente nossas energias e chegamos bastante cansados ao Valparaíso onde tivemos ainda de remar uns 500 metros Rio acima para alcançar a Comunidade de Ruças.
O Angonese e o Mário já tinham conseguido com o Sr. Antonio, morador local, autorização para acamparmos na Escolinha Municipal Alfredo Said. Poderíamos fazer uso das instalações sanitárias e tomar um bom banho de caneca usando a água da cisterna alimentada por água da chuva. O excelente carreteiro para nosso almoço foi preparado pelo Marçal na residência do Sr. Antonio, tudo corria bem, havia apenas um senão, enxames de carapanãs, piuns e maruins disputavam nosso sangue avidamente. Alguns deles conseguiam passar pela tela das barracas a situação era drástica. O Mário conseguiu uma chapa metálica e iniciou um pequeno fogo onde colocou folhas verdes de ingá. O Angonese escudado pelo Mário foi pescar e eu e o Marçal ficamos sofrendo com o ataque dos pequenos insetos que não se sentiram intimidados com a fumaça até que resolvemos fazer uso de uma antiga e infalível receita. Recolhemos esterco seco de gado e alimentamos o pequeno fogo, o efeito logo se fez sentir – os famigerados seres alados sumiram e nos deixaram em paz.
Quando criança acompanhava meu pai nas caçadas e pescarias e este remédio contra os insetos sempre se mostrou eficiente. Diferente das noites anteriores em que os maruins conseguiam passar pelas telas das barracas e os carapanãs ficavam zumbindo do lado de fora tivemos uma noite agradável e reparadora.
- Rumo à Comunidade Nova Cintra (26.12.2012)
Partimos eu e o Angonese logo depois das sete horas. Diferente do dia anterior a manhã já se iniciou bastante nublada e uma garoa fina me acompanhou até a Comunidade Nova Cintra aonde cheguei por volta das 12h10, plenamente em forma, depois de percorrer 65 km. Estranhei a demora de minha equipe e resolvi adiantar os contatos. Puxei o caiaque barranco acima e procurei a moradora cuja casa ficava mais próxima. A simpática Dona Maria de Nazaré de Souza Correia muito prestativa informou-me onde ficava a residência da Sra. Nonata encarregada da modelar Escola Estadual José de Souza Martins.
Depois de recorrer a diversos moradores cheguei, finalmente, à residência da Dona Nonata, uma simpática idosa, que informou que não tinha autoridade para liberar as instalações para montarmos nosso acantonamento, mas que podíamos utilizar a varanda e a grande cozinha de sua casa para nos instalarmos. Frustrado nas minhas pretensões de acampar na escolinha resolvi deixar o material que carregava na casa de minha nova anfitriã e voltei para a margem para aguardar minha equipe.
Estava observando o Rio quando se aproximou Dona Maria de Nazaré e perguntei se poderíamos usar a igreja em construção para acampar e ela informou que sim. A igreja ficava bem mais perto da margem do que a residência de Dona Nonata. Poderíamos fazer a comida na cozinha de Dona Maria e tomar banho na cacimba logo abaixo. Ficamos conversando durante uma hora até que avistamos o Coronel Angonese. Chamei o amigo e ajudei-o a puxar o caiaque pelo escorregadio barranco. Aguardamos uns dez minutos até que o Mário e o Marçal apareceram subindo o Rio. Os marinheiros não haviam notado o meu caiaque na barranca e passaram ao largo, o curioso é que eles tinham fotografado a Comunidade Nova Cintra e meu caiaque “Cabo Horn” aparecia nitidamente nas fotos.
Falei, brincando, que como castigo o Mário teria de ir até a casa de dona Nonata buscar minhas coisas e trazê-las para a igreja onde iríamos acampar. Descarregamos o material da lancha e eu estava fazendo uma faxina na igreja em construção quando o Mário disse que estávamos autorizados a acampar na escolinha. Quando lá cheguei estava Dona Nonata gerenciando a limpeza do local para nosso acampamento, ela liberou, também, através da servente da escola, a cozinha e as instalações sanitárias. Realmente eu soube escolher devidamente o Mário para contatar os ribeirinhos e conseguir deles o maior apoio possível. Tomamos um bom banho com água de poço artesiano e fomos almoçar, o saboroso carreteiro preparado pelo Marçal, na residência da querida senhora Maria de Nazaré. Enquanto almoçávamos Dona Maria de Nazaré relatou a passagem do místico Irmão Francisco José da Cruz pela Comunidade nos idos de 1968, quando ela tinha apenas 5 anos, e o Cruzeiro que o mesmo fez erigir na elevação mais alta defronte ao Rio Juruá. A Cruz foi atacada pelos cupins, mas os fiéis erigiram uma nova cruz no mesmo local e a ela amarraram a antiga cruz venerada pelos seus seguidores. Redigiremos, mais tarde, um capítulo à parte sobre este estranho pregador que plantou inúmeras cruzes ao longo da Bacia do Amazonas.
Acordamos ao clarear o dia e depois de fazer uma faxina completa nas instalações da escolinha e nos despedir de Dona Maria de Nazaré iniciamos nossa jornada.
- Rumo a Cruzeiro do Sul (27.12.2012)
O ritmo das remadas foi bem mais lento que o dos dias anteriores. Apenas 38 km nos separavam de Cruzeiro do Sul onde tínhamos marcado, com o repórter Leandro Altheman, jornalista da TV Aldeia, grupo SBT, em Cruzeiro do Sul, que passaríamos pela Ponte da União exatamente às 13 horas. Um profissional honesto e competente: http://www.youtube.com/watch?v=U_KL4hwykRE
A “Mirandinha” teve de abastecer 20 litros em Rodrigues Alves, a 30 km de nosso destino, nossa lancha, na descida mantera uma média preocupante de apenas 2 km/l. Aproveitamos para curtir a natureza, observar as frágeis embarcações ribeirinhas que passavam carregadas de gêneros e pessoas, em algumas cinco a seis cães acompanhavam seus donos sem esboçar qualquer movimento o que, certamente, poderia comprometer o equilíbrio das instáveis voadeiras, botes, montarias e canoas.
Aportamos às onze horas em uma praia 500 metros à montante da Foz do Moa e fizemos contato com o Leandro, através de minha querida parceira Rosângela, para tentar antecipar em uma hora a reportagem. O Leandro acionou imediatamente sua equipe e agendamos então para o meio dia a passagem pela Ponte. O dia claro e com poucas nuvens prometia facilitar as tomadas da equipe de televisão. Às 11h30, iniciamos lentamente nossa aproximação, o tempo começou a mudar, nuvens pesadas surgiram pela proa trazendo logo em seguida chuva, ventos fortes encapelando as águas. Era cedo ainda, eu e o Angonese nos agarramos a alguns arbustos nas margens, aguardando a hora marcada. Às 11h40, mandei a equipe de apoio realizar um reconhecimento para verificar se os repórteres estavam a postos e, como a resposta foi negativa, ficamos realizando pequenas remadas rio acima, para aquecer, aguardando a hora exata da transposição.
A chuva e o vento castigavam nossos corpos e ao meio-dia, em ponto, resolvi abordar a Ponte. Não notamos nenhum movimento da reportagem e resolvi rumar diretamente para o Porto do 61º BIS. A meio caminho a Rosângela me informou que a repórter Glória Maria estava na Ponte nos aguardando. Determinei à equipe de apoio que buscasse a equipe de reportagem e que eles fizessem as tomadas a partir da lancha “Mirandinha” do 8º BEC. Depois de feitas as tomadas do deslocamento abordamos a lancha e a simpática e inteligente repórter nos entrevistou enquanto as embarcações desciam de bubuia.
Depois da entrevista fomos para o Porto do 61º BIS onde uma viatura nos aguardava e nos deslocou até o Hotel de Trânsito. Tivemos, finalmente, a oportunidade de conhecer o Tenente-Coronel Alexandre Guerra, Comandante do 61º BIS, que hipotecou total apoio à Expedição.
- Localização de Comunidades e Acidentes Naturais
(08º07’36,5”S/72º48’29,5”O)
(08º05’12,7”S/72º46’39”O)
(08º01’09,5”S/72º44’43,1”O)
(07º52’45,3”S/72º45’58,6”O)
(07º49’28,1”S/72º39’31,1”O)
Fonte: IGLESIAS Francisco. Caatingas e chapadões: (notas, impressões e reminiscências do meio-norte brasileiro, 1912-1919) - Companhia Editora Nacional, 1958.
- Livro do Autor
O livro “Desafiando o Rio-Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS e na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br). Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:
http://books.google.com.br/books?id=6UV4DpCy_VYC&printsec=frontcover#v=onepage&q&f=false
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Fonte: Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS);
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.
E-mail: hiramrs@terra.com.br
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