Segunda-feira, 9 de dezembro de 2019 - 18h34
Projeto Jari – 2ª Parte
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 04.12.2019
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Revista Manchete, n° 1.422
Rio de Janeiro,
RJ – Sábado, 21.07.1979
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Isto Está Acontecendo na Amazônia
[Laércio
de Vasconcelos e David Louis Olson]
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a maior floresta
equatorial do mundo está nascendo o fantástico Eldorado de Daniel Keith Ludwig,
o homem mais rico da Terra. Numa extensão de 37.000 quilômetros quadrados ‒
mais do que o território de alguns países europeus ‒ brotaram, de repente,
hidrelétricas, minas, portos, fábricas e cidades. Estima-se que cerca de 700
milhões de dólares ‒ equivalentes a uns 5% do total das exportações brasileiras
‒ foram lançados por Ludwig na região. O milagre tem um nome: Projeto Jari.
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Jari é a obra brasileira
mais assombrosa, depois de Itaipu e Brasília ‒ recentemente um especialista da
UNESCO que havia visitado a região com o propósito indisfarçável de criticá-la.
Surpreendido em plena Amazônia por uma composição ferroviária que conduzia
matéria-prima para a fábrica de celulose, o funcionário internacional
subitamente desabafou: “É um sonho ver
sair da densa selva tropical aquela enorme locomotiva diesel arrastando os vagões de carga
repletos de madeira”. De fato, o
Projeto Jari conta com 46 km de ferrovias e 4.800 km de rodovias.
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urante quase 14 anos, os
idealizadores do Projeto Jari sofreram múltiplas acusações. Algumas delas:
abuso do poder econômico, violação da soberania nacional, espoliação etc. Mas,
em princípios de junho, quando o navio inglês “La Pampa” deixou porto de Munguba ‒ também construído por Ludwig ‒,
com um carregamento de 10 mil toneladas de celulose branqueada, os acusadores
emudeceram.
Nem mesmo o ex-ministro
o Planejamento, Roberto Campos, que, em 1964, atraiu atenção do excêntrico
bilionário Ludwig para a potencialidade da Amazônia, poderia imaginar o que
está acontecendo no Jari. A fábrica de celulose já está produzindo 50 toneladas
diárias desse insumo essencial à produção o papel. É um tipo de celulose que o
Brasil importava até recentemente. Ainda este ano serão exportados quase 100
milhões de dólares em celulose branqueada. Para o interior da Amazônia foi
trazida uma tecnologia altamente sofisticada, capaz de aproveitar completamente
o cavaco da casca de gmelina, uma árvore originária da Ásia e adaptada para o
terreno argiloso do Jari. Juntamente com o pinus, a gmelina permite a produção
da celulose.
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ma comunidade de 30 mil
pessoas vive em torno do Projeto Jari. Cerca de 7 mil têm empregos diretos no
empreendimento. Apenas na capital, Monte Dourado, se encontram 10 mil pessoas e
técnicos de 27 nacionalidades. Uma babel que se ocupa de atividades tão simples
como a agricultura ou tão sofisticadas como a fabricação da celulose. No
Eldorado de Ludwig já foram plantados 3.280 hectares de arroz, com uma
produtividade excepcional: 9 toneladas de arroz por hectare. A criação de
búfalos e gado bovino também inclui vastas áreas do projeto.
O Jari já Produz 140 mil Toneladas de
Arroz
em duas Safras Anuais
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A grande meta inicial do Projeto
Jari foi a produção de celulose. Mas os geólogos de Ludwig encontraram no Amapá
a maior jazida de caulim do mundo, com reservas provadas de 50 milhões de
toneladas.
Até a descoberta da
mina, que poderá ser explorada durante 250, anos, o Brasil era dependente da
importação desse insumo, vital para a produção de papéis especiais, produtos
farmacêuticos etc. O tipo do caulim amazônico só é encontrado na Geórgia [EUA]
e na Inglaterra.
O Potencial Hidrelétrico da Cachoeira de
Santo Antônio, no rio Jari, vai ser Aproveitado. Está Prevista a Geração de 72
Mil Kwh/Dia. Mas as Novas Florestas Também Fornecem Madeira Para uma Usina de
Força
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ara utilizar
racionalmente a matéria-prima da celulose ‒ a madeira ‒, Daniel Ludwig se viu
obrigado a reconstruir uma parte da floresta do Jari, dando-lhe homogeneidade.
Em lugar das 200 espécies diferentes da floresta tradicional, foram plantados
dois tipos de árvores capazes de oferecer melhor rendimento industrial e manter
o equilíbrio ecológico na área: a gmelina arborea, originária do sudoeste da
Ásia, e o pinus do Caribe. Uma área de 100 mil hectares já está recebendo as
duas espécies e a meta do Jari é reflorestar 10 mil hectares anuais.
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Aliás, a fábrica de celulose
funciona com a madeira extraída da gmelina e do pinus plantados no início dos
anos 70 pelos técnicos de Ludwig. A gmelina é uma árvore milagrosa. Plantada em
espaçamento de 3,5 metros permite produzir 38,5 m3 por hectare/ano.
Ela também é muito
resistente às doenças e pestes que atacam a flora nas regiões tropicais,
constituindo-se, portanto, em poderoso fator de preservação da floresta.
Partindo da premissa de que “onde o homem
chega, o homem polui”, os técnicos do projeto idealizaram um complexo
sistema de defesa ecológica. Assim, toda a área desmatada é logo reflorestada,
com exceção dos espaços necessários à urbanização. Para evitar a poluição,
decorrente do cozimento dos cavacos de Madeira, os gases da combustão são
queimados e reaproveitados.
Uma lagoa de 160
hectares ‒ uma boa parte da baía da Guanabara ‒ recebe os detritos industriais
que ali passam cerca de 16 dias em depósito e após uma redução biológica são
lançados, através de um emissário, no rio Jari. Como disse um técnico do
projeto, o excêntrico Daniel Ludwig está demonstrando que, no Brasil, em se
plantando, tudo dá. “Falta agora que o
bilionário plante petróleo para a Amazônia dar...” E, de fato, é provável
que dê.
Uma Lagoa Artificial Para a Estabilização
Biológica Impede a Poluição da Bacia Amazônica. A Gigantesca Bacia ‒ 1,6 Milhão
m2 ‒ Permite a Decantação do Líquido Poluído e seu Lançamento, em
Boas Condições, no Jari
Um rebanho de 7 mil
cabeças de gado bovino e 5 mil búfalos assegura a autossuficiência de carne
para as cidades do Jari. Na área também estão as sementeiras de pinus e
gmelina, que vão formar a futura floresta homogênea, fornecedora de
matéria-prima para a indústria de celulose. A capital do Jari, Monte Dourado,
já é uma grande cidade com os seus 10 mil habitantes. Vários conjuntos
residenciais oferecem moradia aos funcionários do projeto.
Há 40 anos Pesquisadores Alemães
Estiveram na Área do Jari
Os repórteres de
MANCHETE encontraram um pequeno cemitério no Jari. A cruz tombada, com uma
suástica, estava no túmulo do alemão Joseph Greiner, morto em 02.01.1936,
durante uma expedição científica germânica à região amazônica. O tempo e a
chuva derrubaram a cruz, de madeira, o único marco da presença alemã na área do
rio Jari.
Os Peões Saltaram da Caatinga
Para o Supermercado
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ual o significado do
Projeto Jari para o Peão Paulo Nonato, 33 anos, casado, pai de 5 filhos,
nascido no estado do Maranhão? Ele conta: “Eu
sempre ouvi falar do salário, mas foi aqui que eu fui ver a cor dele”. De
fato, antes de viajar para o Jari, recrutado por uma empreiteira, o maranhense
de Bacabal jamais havia recebido um salário mínimo. “A gente nas grotas do Maranhão não ganha nem dinheiro” ‒ diz
Nonato, que agora planta arroz em São Raimundo. Boa parte dos peões que
trabalham no projeto Jari somente agora tomam conhecimento do sistema monetário.
Em geral, eles saltaram da caatinga e do primitivo barracão, onde adquiriam
mercadorias através de vales, para o supermercado, símbolo da economia mais
sofisticada. “É curioso que tenham vindo
conhecer o supermercado aqui no coração do Amazonas” diz um diretor do
Jari. Daí que sejam poucos os que desejam regressar a seus estados. Quando o
repórter perguntou a Nonato se voltaria ao Maranhão, ele respondeu
taxativamente: “Volto não, moço. Volto
não”.
Daniel Ludwig
Aos 80 anos, seu Projeto mais Ambicioso
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menino Daniel K. Ludwig
tinha nove anos de idade quando soube que um pequeno barco havia afundado num
lago, perto da casa onde morava, em Michigan. Tomou uma decisão rápida: deu um
pulo em casa, catou jornais velhos, vendeu-os a quilo numa mercearia, abriu o
cofrinho onde guardava suas economias e arranjou 25 dólares. Com esse dinheiro,
comprou o barco afundado. Trouxe-o à tona, sem muita dificuldade, pois outros
meninos o ajudaram nessa “brincadeira”.
Durante três meses de um inverno, ele trabalhou no casco, tapando os buracos,
calafetando as rachas e dando sucessivas mãos de tinta. Na primavera, o barco
estava recuperado e ele o alugou a uma firma modesta que explorava passeios
turísticos pelo lago. Na transação, ganhou seu primeiro capital. Aos 25 anos,
com a ajuda do pai, que lhe emprestou cinco mil dólares, comprou uma velha
ruína navegável e com ela iniciou a sua frota marítima, transportando petróleo.
Em breve, seria o maior armador dos Estados Unidos, só perdendo para os
chineses I. K. Pao e C. Y. Tung. Mas sua frota de petroleiros é maior do que a
de Onassis e Niarchos juntas. Ludwig aprendeu muito desde que gastou aquele
inverno de sua infância trabalhando num velho casco. Logo depois da Segunda
Guerra Mundial, bolou um sistema de ampliar sua esquadra de petroleiros seus,
sem fazer muita força e sem perda de tanto tempo visitava uma firma importadora
ou exportadora de petróleo, firmava um contrato a longo prazo. De posse desse
contrato, arranjava um financiamento dando como aval o próprio contrato. E
assim, sem gastar um centavo, conseguiu construir os maiores superpetroleiros
do mundo, ensinando o truque a Onassis e a Niarchos. Que fizeram o mesmo mas
sem a mesma performance brilhante.
Ludwig nasceu
predestinado a ser a maior fortuna individual do mundo ‒ e chegou lá, com muita
garra e senso de oportunidade.
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inda durante a Segunda
Guerra, Ludwig tomou conhecimento da potência dos estaleiros japoneses. A bomba
atômica jogada em Hiroshima tinha um objetivo: destruir a cidade onde se abrigavam
os operários e técnicos do melhor estaleiro do Japão, o mesmo que construíra as
grandes belonaves imperiais que deram susto aos americanos, inclusive o célebre
encouraçado “Yamato”. Logo depois da
rendição japonesa, Ludwig conseguiu que o General Douglas Mac Arthur ‒ que
recebeu a rendição do Japão ‒ o apresentasse aos dirigentes dos estaleiros de
Kure. Ludwig se tornou amigo do principal técnico naval do Japão, Hisashi
Shinto. Este, em face da conjuntura desfavorável em que vivia ‒ afinal, os japoneses
haviam perdido a guerra ‒, aceitou um cargo na empresa de Ludwig. Tornaram-se
amigos e até hoje Hisashi Shinto é o homem-forte de Ludwig no setor da
construção naval. Lá construíram a fábrica de celulose que veio inteira do
Japão para a floresta amazônica ‒ uma das etapas mais ambiciosas do Projeto
Jari. Também de lá saiu a poderosa usina flutuante de 220 metros de comprimento
que fornecerá 72 mil kw à fábrica de celulose.
Tudo isso revela a
tenacidade do responsável pelo mais audacioso plano econômico dos últimos anos.
Daniel Ludwig está com 83 unos, sua saúde não é das piores mas também não é
perfeita. Ainda no ano passado, os médicos o proibiram de andar de avião, pois
ele tem uma fratura nas costelas, devido a um acidente que sofreu há tempos, quando
tentou salvar dois marinheiros de um de seus petroleiros.
Houve uma explosão, os
dois homens morreram e Ludwig foi atirado à distância. Salvou-se do incêndio,
mas teve a espinha dorsal atingida, o que lhe dá, até hoje, um andar meio
gingado e fortes dores lombares.
No início, muita gente
não acreditou quando Daniel K. Ludwig decidiu comprar uma extensão maior do que
a Bélgica em plena selva amazônica, para ali desenvolver um projeto que incluía
desde a fábrica de papel até a criação de gado. É, sem dúvida, o maior
latifúndio do mundo ocidental, com 37.000 quilômetros quadrados. Ele tinha,
então, quase oitenta anos ‒ e o projeto, para operar em sua plenitude,
requisita pelo menos de cinco a dez anos de atividade. Evidente que se trata de
uma personalidade muito peculiar.
Com as mortes de Howard
Hughes e Paul Getty, Ludwig não só herdou o título de maior milionário dos
Estados Unidos como também a glória de ser o mais excêntrico. Não cultiva o
mundanismo no estilo de Onassis, nem o pão-durismo de Paul Getty. Vive em
surdina, opera em surdina, só fala o que é necessário. Viaja em avião de
carreira, na classe turística, não por economia, mas por ser avesso a qualquer
tipo do exibição.
Quando vem ao Rio,
compra ternos em lojas populares, dessas que vendem ternos com duas calças e um
paletó. Pelo que se sabe, nunca dei uma entrevista e se revela sempre fechado
com a imprensa. Diz habitualmente que nada tem a dizer a ninguém. Ludwig age. E
nisso é mestre: seus negócios abrangem 23 países, empregando mais de 20 mil
pessoas e vários bilhões de dólares. Sua frota de petroleiros ultrapassa os 50
navios-tanques, operando sob a bandeira da Libéria e registrados no Panamá.
Além disso, possui
refinarias de petróleo, explora carvão com a United Pocahontas Coal Company, na
Virgínia, com uma produção aproximada de um milhão de toneladas por ano, sendo
que na Austrália possui outras minas, com produção calculada em 5 milhões de
toneladas de coque. Explora ainda, através de suas diversas empresas, a venda
de sal, salinas, cítricos, imóveis [mais de 100 mil unidades habitacionais na
América Latina, África do Sul e Estados Unidos], bancos, financeiras e
seguradoras. Até aí, tudo bem. Daniel K. Ludwig era um bilionário típico da
economia capitalista. O que o tornou notável foi justamente o Projeto Jari,
numa idade em que os homens de fortuna já pensam em aproveitar a vida de outra
forma. Ele se comprometeu com um tipo de projeto que requer, além de tempo, uma
estrutura global que foge às suas características. Pois Daniel K. Ludwig, como
outros empresários bem-sucedidos, não gosta de delegar poderes e prefere
resolver tudo sozinho. A complexidade do Projeto Jari revela em escala
ampliada a complexidade do ser humano que o arquitetou. Casado duas vezes,
Ludwig não tem filhos. Sua primeira mulher entrou recentemente na justiça,
pedindo um reajuste de pensão. Sem herdeiros para o seu império, ele está
disposto a doar todos os seus bens para os institutos que pesquisam o câncer. E
não sofre de insônia mesmo quando ouve as piores críticas à sua atuação na
Amazônia. Além de estar plantando arroz na região, ele providencia o replantio
com espécies que vêm da Ásia e das Caraíbas. (REVISTA MANCHETE, N° 1.422)
Fonte:
MANCHETE, N°
1.422. Isto Está Acontecendo na Amazônia
[Laércio de Vasconcelos e David Louis Olson] ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ
‒ Revista Manchete, n° 1.422, 21.07.1979.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel
de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
·
Campeão do
II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
·
Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
·
Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
·
Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
·
Ex-Membro
do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
·
Presidente
da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
·
Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
·
Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
·
Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
·
Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
·
Comendador
da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
·
Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
·
Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
·
E-mail:
hiramrsilva@gmail.com.
Galeria de Imagens
* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H