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Hiram Reis e Silva

Projeto Jari – 2ª Parte


 Projeto Jari (Manchete, n° 1.422) - Gente de Opinião
Projeto Jari (Manchete, n° 1.422)

Projeto Jari – 2ª Parte

 

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 04.12.2019

 

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Revista Manchete, n° 1.422

Rio de Janeiro, RJ – Sábado, 21.07.1979

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Isto Está Acontecendo na Amazônia
[Laércio de Vasconcelos e David Louis Olson]

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a maior floresta equatorial do mundo está nascendo o fantástico Eldorado de Daniel Keith Ludwig, o homem mais rico da Terra. Numa extensão de 37.000 quilômetros quadrados ‒ mais do que o território de alguns países europeus ‒ brotaram, de repente, hidrelétricas, minas, portos, fábricas e cidades. Estima-se que cerca de 700 milhões de dólares ‒ equivalentes a uns 5% do total das exportações brasileiras ‒ foram lançados por Ludwig na região. O milagre tem um nome: Projeto Jari.

 

O

Jari é a obra brasileira mais assombrosa, depois de Itaipu e Brasília ‒ recentemente um especialista da UNESCO que havia visitado a região com o propósito indisfarçável de criticá-la. Surpreendido em plena Amazônia por uma composição ferroviária que conduzia matéria-prima para a fábrica de celulose, o funcionário internacional subitamente desabafou: “É um sonho ver sair da densa selva tropical aquela enorme locomotiva diesel arrastando os vagões de carga repletos de madeira”. De fato, o Projeto Jari conta com 46 km de ferrovias e 4.800 km de rodovias.

 

 

D

urante quase 14 anos, os idealizadores do Projeto Jari sofreram múltiplas acusações. Algumas delas: abuso do poder econômico, violação da soberania nacional, espoliação etc. Mas, em princípios de junho, quando o navio inglês “La Pampa” deixou porto de Munguba ‒ também construído por Ludwig ‒, com um carregamento de 10 mil toneladas de celulose branqueada, os acusadores emudeceram.

Nem mesmo o ex-ministro o Planejamento, Roberto Campos, que, em 1964, atraiu atenção do excêntrico bilionário Ludwig para a potencialidade da Amazônia, poderia imaginar o que está acontecendo no Jari. A fábrica de celulose já está produzindo 50 toneladas diárias desse insumo essencial à produção o papel. É um tipo de celulose que o Brasil importava até recentemente. Ainda este ano serão exportados quase 100 milhões de dólares em celulose branqueada. Para o interior da Amazônia foi trazida uma tecnologia altamente sofisticada, capaz de aproveitar completamente o cavaco da casca de gmelina, uma árvore originária da Ásia e adaptada para o terreno argiloso do Jari. Juntamente com o pinus, a gmelina permite a produção da celulose.

 

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ma comunidade de 30 mil pessoas vive em torno do Projeto Jari. Cerca de 7 mil têm empregos diretos no empreendimento. Apenas na capital, Monte Dourado, se encontram 10 mil pessoas e técnicos de 27 nacionalidades. Uma babel que se ocupa de atividades tão simples como a agricultura ou tão sofisticadas como a fabricação da celulose. No Eldorado de Ludwig já foram plantados 3.280 hectares de arroz, com uma produtividade excepcional: 9 toneladas de arroz por hectare. A criação de búfalos e gado bovino também inclui vastas áreas do projeto.

 

O Jari já Produz 140 mil Toneladas de Arroz
em duas Safras Anuais

 

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A grande meta inicial do Projeto Jari foi a produção de celulose. Mas os geólogos de Ludwig encontraram no Amapá a maior jazida de caulim do mundo, com reservas provadas de 50 milhões de toneladas.

 

Até a descoberta da mina, que poderá ser explorada durante 250, anos, o Brasil era dependente da importação desse insumo, vital para a produção de papéis especiais, produtos farmacêuticos etc. O tipo do caulim amazônico só é encontrado na Geórgia [EUA] e na Inglaterra.

 

O Potencial Hidrelétrico da Cachoeira de Santo Antônio, no rio Jari, vai ser Aproveitado. Está Prevista a Geração de 72 Mil Kwh/Dia. Mas as Novas Florestas Também Fornecem Madeira Para uma Usina de Força

 

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ara utilizar racionalmente a matéria-prima da celulose ‒ a madeira ‒, Daniel Ludwig se viu obrigado a reconstruir uma parte da floresta do Jari, dando-lhe homogeneidade. Em lugar das 200 espécies diferentes da floresta tradicional, foram plantados dois tipos de árvores capazes de oferecer melhor rendimento industrial e manter o equilíbrio ecológico na área: a gmelina arborea, originária do sudoeste da Ásia, e o pinus do Caribe. Uma área de 100 mil hectares já está recebendo as duas espécies e a meta do Jari é reflorestar 10 mil hectares anuais.

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Aliás, a fábrica de celulose funciona com a madeira extraída da gmelina e do pinus plantados no início dos anos 70 pelos técnicos de Ludwig. A gmelina é uma árvore milagrosa. Plantada em espaçamento de 3,5 metros permite produzir 38,5 m3 por hectare/ano.

 

Ela também é muito resistente às doenças e pestes que atacam a flora nas regiões tropicais, constituindo-se, portanto, em poderoso fator de preservação da floresta. Partindo da premissa de que “onde o homem chega, o homem polui”, os técnicos do projeto idealizaram um complexo sistema de defesa ecológica. Assim, toda a área desmatada é logo reflorestada, com exceção dos espaços necessários à urbanização. Para evitar a poluição, decorrente do cozimento dos cavacos de Madeira, os gases da combustão são queimados e reaproveitados.

 

Uma lagoa de 160 hectares ‒ uma boa parte da baía da Guanabara ‒ recebe os detritos industriais que ali passam cerca de 16 dias em depósito e após uma redução biológica são lançados, através de um emissário, no rio Jari. Como disse um técnico do projeto, o excêntrico Daniel Ludwig está demonstrando que, no Brasil, em se plantando, tudo dá. “Falta agora que o bilionário plante petróleo para a Amazônia dar...” E, de fato, é provável que dê.

 

Uma Lagoa Artificial Para a Estabilização Biológica Impede a Poluição da Bacia Amazônica. A Gigantesca Bacia ‒ 1,6 Milhão m2 ‒ Permite a Decantação do Líquido Poluído e seu Lançamento, em Boas Condições, no Jari

 

Um rebanho de 7 mil cabeças de gado bovino e 5 mil búfalos assegura a autossuficiência de carne para as cidades do Jari. Na área também estão as sementeiras de pinus e gmelina, que vão formar a futura floresta homogênea, fornecedora de matéria-prima para a indústria de celulose. A capital do Jari, Monte Dourado, já é uma grande cidade com os seus 10 mil habitantes. Vários conjuntos residenciais oferecem moradia aos funcionários do projeto.

 

Há 40 anos Pesquisadores Alemães
Estiveram na Área do Jari

 

Os repórteres de MANCHETE encontraram um pequeno cemitério no Jari. A cruz tombada, com uma suástica, estava no túmulo do alemão Joseph Greiner, morto em 02.01.1936, durante uma expedição científica germânica à região amazônica. O tempo e a chuva derrubaram a cruz, de madeira, o único marco da presença alemã na área do rio Jari.

 

Os Peões Saltaram da Caatinga
Para o Supermercado

 

Q

ual o significado do Projeto Jari para o Peão Paulo Nonato, 33 anos, casado, pai de 5 filhos, nascido no estado do Maranhão? Ele conta: “Eu sempre ouvi falar do salário, mas foi aqui que eu fui ver a cor dele”. De fato, antes de viajar para o Jari, recrutado por uma empreiteira, o maranhense de Bacabal jamais havia recebido um salário mínimo. “A gente nas grotas do Maranhão não ganha nem dinheiro” ‒ diz Nonato, que agora planta arroz em São Raimundo. Boa parte dos peões que trabalham no projeto Jari somente agora tomam conhecimento do sistema monetário. Em geral, eles saltaram da caatinga e do primitivo barracão, onde adquiriam mercadorias através de vales, para o supermercado, símbolo da economia mais sofisticada. “É curioso que tenham vindo conhecer o supermercado aqui no coração do Amazonas” diz um diretor do Jari. Daí que sejam poucos os que desejam regressar a seus estados. Quando o repórter perguntou a Nonato se voltaria ao Maranhão, ele respondeu taxativamente: “Volto não, moço. Volto não”.

 

014 foi

 

Daniel Ludwig
Aos 80 anos, seu Projeto mais Ambicioso

 

O

menino Daniel K. Ludwig tinha nove anos de idade quando soube que um pequeno barco havia afundado num lago, perto da casa onde morava, em Michigan. Tomou uma decisão rápida: deu um pulo em casa, catou jornais velhos, vendeu-os a quilo numa mercearia, abriu o cofrinho onde guardava suas economias e arranjou 25 dólares. Com esse dinheiro, comprou o barco afundado. Trouxe-o à tona, sem muita dificuldade, pois outros meninos o ajudaram nessa “brincadeira”. Durante três meses de um inverno, ele trabalhou no casco, tapando os buracos, calafetando as rachas e dando sucessivas mãos de tinta. Na primavera, o barco estava recuperado e ele o alugou a uma firma modesta que explorava passeios turísticos pelo lago. Na transação, ganhou seu primeiro capital. Aos 25 anos, com a ajuda do pai, que lhe emprestou cinco mil dólares, comprou uma velha ruína navegável e com ela iniciou a sua frota marítima, transportando petróleo. Em breve, seria o maior armador dos Estados Unidos, só perdendo para os chineses I. K. Pao e C. Y. Tung. Mas sua frota de petroleiros é maior do que a de Onassis e Niarchos juntas. Ludwig aprendeu muito desde que gastou aquele inverno de sua infância trabalhando num velho casco. Logo depois da Segunda Guerra Mundial, bolou um sistema de ampliar sua esquadra de petroleiros seus, sem fazer muita força e sem perda de tanto tempo visitava uma firma importadora ou exportadora de petróleo, firmava um contrato a longo prazo. De posse desse contrato, arranjava um financiamento dando como aval o próprio contrato. E assim, sem gastar um centavo, conseguiu construir os maiores superpetroleiros do mundo, ensinando o truque a Onassis e a Niarchos. Que fizeram o mesmo mas sem a mesma performance brilhante.

 

Ludwig nasceu predestinado a ser a maior fortuna individual do mundo ‒ e chegou lá, com muita garra e senso de oportunidade.

 

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inda durante a Segunda Guerra, Ludwig tomou conhecimento da potência dos estaleiros japoneses. A bomba atômica jogada em Hiroshima tinha um objetivo: destruir a cidade onde se abrigavam os operários e técnicos do melhor estaleiro do Japão, o mesmo que construíra as grandes belonaves imperiais que deram susto aos americanos, inclusive o célebre encouraçado “Yamato”. Logo depois da rendição japonesa, Ludwig conseguiu que o General Douglas Mac Arthur ‒ que recebeu a rendição do Japão ‒ o apresentasse aos dirigentes dos estaleiros de Kure. Ludwig se tornou amigo do principal técnico naval do Japão, Hisashi Shinto. Este, em face da conjuntura desfavorável em que vivia ‒ afinal, os japoneses haviam perdido a guerra ‒, aceitou um cargo na empresa de Ludwig. Tornaram-se amigos e até hoje Hisashi Shinto é o homem-forte de Ludwig no setor da construção naval. Lá construíram a fábrica de celulose que veio inteira do Japão para a floresta amazônica ‒ uma das etapas mais ambiciosas do Projeto Jari. Também de lá saiu a poderosa usina flutuante de 220 metros de comprimento que fornecerá 72 mil kw à fábrica de celulose.

 

Tudo isso revela a tenacidade do responsável pelo mais audacioso plano econômico dos últimos anos. Daniel Ludwig está com 83 unos, sua saúde não é das piores mas também não é perfeita. Ainda no ano passado, os médicos o proibiram de andar de avião, pois ele tem uma fratura nas costelas, devido a um acidente que sofreu há tempos, quando tentou salvar dois marinheiros de um de seus petroleiros.

 

Houve uma explosão, os dois homens morreram e Ludwig foi atirado à distância. Salvou-se do incêndio, mas teve a espinha dorsal atingida, o que lhe dá, até hoje, um andar meio gingado e fortes dores lombares.

 

No início, muita gente não acreditou quando Daniel K. Ludwig decidiu comprar uma extensão maior do que a Bélgica em plena selva amazônica, para ali desenvolver um projeto que incluía desde a fábrica de papel até a criação de gado. É, sem dúvida, o maior latifúndio do mundo ocidental, com 37.000 quilômetros quadrados. Ele tinha, então, quase oitenta anos ‒ e o projeto, para operar em sua plenitude, requisita pelo menos de cinco a dez anos de atividade. Evidente que se trata de uma personalidade muito peculiar.

 

Com as mortes de Howard Hughes e Paul Getty, Ludwig não só herdou o título de maior milionário dos Estados Unidos como também a glória de ser o mais excêntrico. Não cultiva o mundanismo no estilo de Onassis, nem o pão-durismo de Paul Getty. Vive em surdina, opera em surdina, só fala o que é necessário. Viaja em avião de carreira, na classe turística, não por economia, mas por ser avesso a qualquer tipo do exibição.

 

Quando vem ao Rio, compra ternos em lojas populares, dessas que vendem ternos com duas calças e um paletó. Pelo que se sabe, nunca dei uma entrevista e se revela sempre fechado com a imprensa. Diz habitualmente que nada tem a dizer a ninguém. Ludwig age. E nisso é mestre: seus negócios abrangem 23 países, empregando mais de 20 mil pessoas e vários bilhões de dólares. Sua frota de petroleiros ultrapassa os 50 navios-tanques, operando sob a bandeira da Libéria e registrados no Panamá.

 

Além disso, possui refinarias de petróleo, explora carvão com a United Pocahontas Coal Company, na Virgínia, com uma produção aproximada de um milhão de toneladas por ano, sendo que na Austrália possui outras minas, com produção calculada em 5 milhões de toneladas de coque. Explora ainda, através de suas diversas empresas, a venda de sal, salinas, cítricos, imóveis [mais de 100 mil unidades habitacionais na América Latina, África do Sul e Estados Unidos], bancos, financeiras e seguradoras. Até aí, tudo bem. Daniel K. Ludwig era um bilionário típico da economia capitalista. O que o tornou notável foi justamente o Projeto Jari, numa idade em que os homens de fortuna já pensam em aproveitar a vida de outra forma. Ele se comprometeu com um tipo de projeto que requer, além de tempo, uma estrutura global que foge às suas características. Pois Daniel K. Ludwig, como outros empresários bem-sucedidos, não gosta de delegar poderes e prefere resolver tudo sozinho. A complexi­dade do Projeto Jari revela em escala ampliada a com­plexidade do ser humano que o arquitetou. Casado duas vezes, Ludwig não tem filhos. Sua primeira mulher entrou recentemente na justiça, pedindo um reajuste de pensão. Sem herdeiros para o seu império, ele está disposto a doar todos os seus bens para os institutos que pesquisam o câncer. E não sofre de insônia mesmo quando ouve as piores críticas à sua atuação na Amazônia. Além de estar plantando arroz na região, ele providencia o replantio com espécies que vêm da Ásia e das Caraíbas. (REVISTA MANCHETE, N° 1.422)

 

Fonte:

 

MANCHETE, N° 1.422. Isto Está Acontecendo na Amazônia [Laércio de Vasconcelos e David Louis Olson] ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Revista Manchete, n° 1.422, 21.07.1979.

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

·      Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·      Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

·      Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·      Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·      Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·      Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·      Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·      Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·      Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·      Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·      Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·      Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·      Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·      E-mail: hiramrsilva@gmail.com.

Galeria de Imagens

  • Manchete, n° 1362, 27.05.1978
    Manchete, n° 1362, 27.05.1978
  •  Geisel e Ludwig (Manchete, n° 1.422)
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  •  Projeto Jari (Manchete, n° 1.422)
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  • Ludwig (Manchete, n° 1.422)
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  • Jornadas Amazônicas
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