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Gente de Opinião

Hiram Reis e Silva

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – II


Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – II - Gente de Opinião

Bagé, 29.11.2024

 

Continuando engarupado na memória:

 

 

Jornal do Brasil n° 174, Rio de Janeiro, RJ

Sábado, 27.07.1963

 

Processo em Marcha

 

 

O Chefe da Redação da Tribuna da Imprensa, jornalista Guimarães Padilha, enviou manifesto ao Sindicato dos Proprietários de Jornais e Revistas no qual afirma que: 

Está, em marcha um plano de amordaçamento das liberdades públicas em nosso País, cuja primeira, etapa teve início com, a prisão do nosso companheiro Hélio Fernandes, e ameaça consubstanciar-se no fechamento da Tribuna da Imprensa, cujos telefones já estão sob censura. 

É a seguinte a íntegra do manifesto: 

Como jornalista profissional e em nome das equipes deste jornal, trazemos no conhecimento desse Sindicato que está em marcha um plano de amordaçamento das liberdades públicas em nosso País, cuja primeira etapa teve início com a prisão do nosso companheiro Hélio Fernandes, e ameaça consubstanciar-se no fechamento da Tribuna da Imprensa, cujos telefones já estão sob censura. 

Compreende ainda este primeiro capítulo da nova história da liberdade em nosso País o cerceamento do exercício de informar e formar a opinião pública brasileira, através das órgãos situados nas áreas não submetidas ao Governo Federal, condicionando a circulação de notícias e o direito de reunião a uma unilateral submissão à vontade do Poder Federal. 

Ainda nesta etapa inicial do plano, estão ameaçados entre outros, os jornais O Globo e Jornal do Brasil, e toda a cadeia dos Diários Associados, incluindo suas emissoras de rádio e de TV: a TV Tupi, cujo canal seria cedido à Rádio Mauá, e demais órgãos de imprensa que não se situarem na faixa de submissão incondicional à política do atual Governo. 

Paralelamente a esta denúncia, que fazemos com a consciência de sua gravidade, lembramos aos companheiros deste órgão de classe que a liberdade é uma só e sua restrição, neste ou naquele setor, fatalmente se expandirá para as demais manifestações da coletividade. 

Portanto, não é apenas a Tribuna da Imprensa, com o seu diretor encarcerado e seus telefones praticamente arrolhados, que está em perigo: são todas as forças democráticas da Nação, quer na direita, quer na esquerda. 

Esta denúncia, feita com base em fatores irretorquíveis, identificados por trás das manobras que estão partindo da área do Governo, poderá ser o próprio grito de alerta a todos os brasileiros que, isentos das paralisações de grupos ou facções, não subestimam a importância que as liberdades públicas têm para a vida da Nação, seu desenvolvimento, suas tradições, seu futuro. 

E é exatamente às lideranças dos trabalhadores de todas as categorias profissionais, liberais ou artesãos, que nos dirigimos nesse momento, na esperança de despertar-lhes o senso de responsabilidade na condução da massa e do processo democrático. 

Na expectativa de que, numa hora grave como a que vivemos, desaparecerão as fronteiras ideológicas e políticas, propiciando a união de todo o povo brasileiro em torno dos superiores interesses da Nação, confiamos no sentimento do solidariedade dos nossos patrícios e contamos com o seu apoio, na defesa da nossa liberdade de informar, que é a própria liberdade de manifestar-se da Nação brasileira. 

Saudações – Guimarães Padilha, Chefe de Redação.

 

Significado da Prisão

 

O jornalista Guimarães Padilha esteve, às 18h30 de ontem, com o Presidente do Sindicato das Empresas Proprietárias de Jornais e Revistas, Sr. Chagas Freitas, para colocá-lo a par de sua interpretação sobre a prisão de Hélio Fernandes. Em face do relato do Chefe da Redação da Tribuna da Imprensa, o Sr. Chagas Freitas assegurou que convocará uma reunião com os diretores de jornais da Guanabara para a próxima segunda-feira, quando terão analisadas as informações recebidas do jornalista Guimarães Padilha. 

O Sr. Chagas Freitas disse que está tranquilo quanto à garantia material da Tribuna, ressalvando no entanto que, diante das informações que acabava de receber, ficava algo apreensivo em relação à garantia de liberdade para os jornais. O jornalista Guimarães Padilha disse ao Jornal do Brasil que, as informações pelas quais julga ser a prisão de Hélio Fernandes um fato dentro do esquema de restrição liberdade de imprensa no País foram obtidas junto a pessoas ligadas no Gabinete do Ministro da Justiça, cujas informações anteriores fornecidas à Tribuna da Imprensa se tem confirmado.

 

Telegramas

 

Aos jornais das principais cidades do País, o Chefe da Redação da Tribuna da Imprensa dirigiu, ontem, o seguinte telegrama: 

A maneira como nos dirigimos ao Congresso Nacional através de ofício ao Presidente Ranieri Mazzilli, pedindo providências acauteladoras à liberdade de Informar, flagrantemente violada com a prisão de nosso companheiro Hélio Fernandes, fazemo-lo agora aos colegas jornalistas de todo o País para invocar-lhes, a solidariedade indispensável à autodefesa da imprensa brasileira no momento em que o direito da força ameaça sobrepor-se e aos princípios democráticos mais caros da nacionalidade. Solicitamos aos nossos companheiros que tal como vêm falando os jornalistas profissionais da Guanabara e São Paulo, engrossem o movimento de protesto contra o encarceramento de Hélio Fernandes, considerado por juristas como Nélson Hungria uns ato de força sem sustentação legal, típico dos regimes de exceção. Pedimos que enviem telegramas de protesto ao Governo federal, ao Congresso Nacional, às Cortes Supremas e às Chefias das Forças Armadas, ressaltando a necessidade de ser urgentemente restabelecida a garantia constitucional do livre exercício da imprensa em nosso País, mediante a libertação do nosso companheiro Hélio Fernandes. Outrossim, pedimos ressaltar seu noticiário que nada calará a Tribuna da Imprensa, continuando em sua luta em defesa da democracia. 

Ao Deputado Ranieri Mazzilli foi enviada, simultaneamente, a seguinte mensagem: 

Na iminência de novas medidas de opressão, desta vez contra este Jornal, cujo Diretor-Presidente se encontra encarcerado, solicitamos à Câmara dos Deputados, na pessoa de Vossa Excelência nos sejam asseguradas as garantias constitucionais para o exercício da liberdade de informar. Estamos com os telefones censurados e informados de que setores do Governo Federal tem plano de asfixiamento progressivo da imprensa oposicionista, do qual a Tribuna é a primeira etapa. 

Lembramos a V. Exª, que com o funcionamento do dispositivo-mordaça contra o rádio e televisão, os jornais são os últimos meios de livre esclarecimento da opinião pública nas áreas não submetidas politicamente ao Governo. Confiamos em que esse apoio não será uma advertência tardia.

 

Jornalistas Protestam 

A Diretoria da Federação Nacional dos Jornalistas Profissionais decidiu protestar: 

Contra a prisão do jornalista Hélio Fernandes e contra a aplicação da antidemocrática Lei de Segurança Nacional. 

Condenando ao mesmo tempo a: 

Entrega dos documentos secretos e privativos dos altos escalões do Exército à divulgação da imprensa oposicionista e golpista.

 A decisão foi tomada em reunião de ontem, quando foi apreciado o assunto em reunião especial, e acrescenta que serão tomadas ainda pela entidade as seguintes atitudes: 

Bater-se no sentido de que, para coibir o abuso na prática do jornalismo, seja aplicada a Lei de Imprensa, através do recurso ao Poder Judiciário;

 Frisar, como tem sido repetidamente denunciado pelos trabalhadores e pelas forças democráticas e está a exigir providências legais e políticas urgentes, que vem crescendo no País a audácia dos golpistas, tendo ficado caracterizada nos episódios em foco a infiltração dos gorilas no mecanismo do Governo, ao ponto de documentos secretos e privativos dos altos escalões do Exército serem entregues à divulgação da imprensa oposicionista e golpista; 

Refletindo a opinião pública e os profundos interesses nacionais, afirmar que espera do governo da República, providências concretas de respeito à liberdade de imprensa e à democracia brasileira, com a libertação do jornalista Hélio Fernandes; a punição dos gorilas que traíram o Exército em favor da agitação antinacional e a adoção de medidas contra os golpistas que querem impor um retrocesso ao País e impedir a realização das reformas progressistas que o povo do Brasil está a exigir.

 

Repto de Jurema 

O Sr. Abelardo Jurema lançou um repto à Tribuna da Imprensa para que prove sua afirmação de que: 

O Ministro da Justiça conspira contra o regime juntamente com o Presidente João Goulart. 

Comprometendo-se a deixar a Pasta (“vou criar macacos na minha terra”) se o jornal comprovar a denúncia. 

Lamento que a prisão do jornalista Hélio Fernandes “sirva para tais especulações”. O Ministro procurou, em conversa com os jornalistas em seu Gabinete, restringi-la aos dispositivos militares alegados pelo Ministro da Guerra. Assinalou que o episódio era bem diferente do ocorrido após a morte do Major Vaz, que tinha natureza civil e todavia, se transformou em matéria militar.

 

Liberdade de Imprensa 

Deteve-se o Ministro da Justiça em negar que o Governo tenha qualquer intuito de cercear a liberdade de imprensa como tem alegado a Tribuna da Imprensa. 

Disse que as medidas restritivas tomadas em relação ao rádio e TV não tem caráter político e sim ético. As próprias emissoras, observou: 

É que exercem a fiscalização, impedindo, por sua própria conta, que determinados políticos, conhecidos pela violência de sua linguagem, usem os horários. Informou o Ministro, ter chegado no seu conhecimento que alguns políticos de evidência têm oferecido milhões em troca do horário, mas mesmo assim não conseguem convencer os diretores das emissoras. Entre esses políticos, o Sr. Abelardo Jurema citou o Deputado Brizola. 

Quanto aos discursos dos deputados. lembrou o Ministro da Justiça que já são censurados pela própria Mesa da Câmara, que lhes aplica o critério do decoro parlamentar. Depois disso, podem ser transmitidos em qualquer estação do País. O Sr. Abelardo Jurema disse que enfrenta grandes dificuldades para se manter informado sobre as entrevistas e palestras dos políticos pelo rádio e TV, mas pretende instalar um serviço, mesmo precário, no Rio e em Brasília, para ouvir esses pronunciamentos e anotar suas impressões. 

Arguiu o Sr. Abelardo Jurema que o seu ofício circular tinha servido para a defesa apresentada contra o Sr. João Calmon, perante a Justiça, sustentando a tese de não dar oportunidade à resposta do Sr. Leonel Brizola e declarou-se satisfeito com os medidas postas em prática que: 

Longe de restringir qualquer liberdade pública assegura o princípio do sadio trânsito de ideias, mas não o xingamento, a expressão depreciativa. 

O Ministro acha que é tranquila a aprovação pelos Senado da Mensagem propondo o nome do atual Ministro do Exterior para o Supremo Tribunal Federal e que na condição de “jurista e criminalista brilhante” o Sr. Evandro Lins e Silva provavelmente colaborará no inquérito policial-militar instaurado contra o jornalista Hélio Fernandes. Por fim. Informou o Sr. Abelardo Jurema que o Ministro da Guerra comunicou ao Governo, “com a necessária antecedência”, a medida que iria tomar, isto é, a prisão do diretor da Tribuna da Imprensa.

 

Passo Para a Ditadura 

Brasília (Sucursal) – Através de seus principais líderes, Deputados Adauto Cardoso, Pedro Aleixo e Flores Soares, a UDN iniciou ontem na Câmara um movimento de protesto contra a prisão do jornalista Hélio Fernandes, classificando-a em sucessivos pronunciamentos da tribuna, como uma violência contra a liberdade de imprensa e um passo para o regime da ditadura. 

Um protesto ainda mais enérgico foi leito pelo Deputado Marechal Juarez Távora, que, invocando seus “10 anos de serviços em defesa da liberdade”, declarou que deplorava a atitude tomada pelo Ministro da Guerra em decretar a prisão do Diretor da Tribuna da Imprensa. 

O Presidente em exercício da UDN. Sr. Flores Soares, abriu a série de pronunciamentos contra a decisão do Ministro da Guerra, afirmando ter o ato decorrido da invocação da Lei de Segurança Nacional, “um resquício da ditadura e do poder pessoal discricionário”. 

O fato, em si, é da mais alta gravidade, é um sintoma alarmante, um sinal melancólico dos tempos. Está se apunhalando, está se matando a própria democracia, quando se estrangula, quando se atenta contra a liberdade de imprensa. 

O líder da Minoria na Câmara, Deputado Pedro Aleixo, ocupou a tribuna minutos mais tarde, para afirmar que ao decretar a prisão do jornalista Hélio Fernandes, o Governo demonstrara a sua intenção de transformar todos os jornais em departamentos de sua serventia. 

Nunca é demais se repetir aqui as palavras imortais de Rui Barbosa: “não se elimina a liberdade de imprensa a menos que se queira ocultar a ausência de todas as demais liberdades”, frisou o líder Pedro Aleixo antes de responder a um aparte do Deputado João Dória, do PDC da Bahia, que declarava dar seu apoio à prisão do Diretor da Tribuna da Imprensa. 

Lamento que companheiros nossos da Câmara, apoiem um jornalista sobre cujo comportamento pairam dúvidas – disse. Há diferença bem grande entre a liberdade de imprensa e o abuso da linguagem. 

Outra afirmação do Deputado João Dória, de que teria o jornalista Hélio Fernandes declarado possuir cifras e outros dados confidenciais sobre o Serviço Secreto do Exército, foi imediatamente contestada pelo líder da UDN, Sr. Adauto Cardoso, que é um dos advogados encarregados da defesa do Diretor da Tribuna da Imprensa. 

Outro protesto enérgico contra a prisão do jornalista Hélio Fernandes foi feito já ao final da sessão, em discurso, pelo líder Adauto Cardoso. 

É um episódio degradante o desse jornalista lançado no cárcere, afirmou. Ninguém nesta casa deu o mínimo crédito às versões de que fosse realmente segredo de Estado aquilo que o jornalista Hélio Fernandes revelou em seu jornal.

 Deviam lembrar-se que o jornalista também tem um dever: o de informar, de informar bem, com veracidade, com precisão. É esse mais um atentado do Governo contra as liberdades de pensamento, para somar-se a tantos outros, como aquela atitude do Ministro da Justiça de impedir a palavra de deputados da oposição no rádio e na televisão.

 

Repúdio

 Outro deputado da UDN na Guanabara, Sr. Arnaldo Nogueira, tomou a palavra em aparte ao seu Líder para ler a íntegra do manifesto de repúdio à prisão do Diretor da Tribuna da Imprensa assinado pelos jornalistas credenciados na Câmara. O manifesto expressa o seguinte: 

1)     A repulsa mais inequívoca aos métodos que permitiram levar o jornalista à prisão, sem processo ou ordem judicial e em virtude do simples arbítrio de uma ilustre autoridade militar. 

2)     A certeza de que, com o amparo da Constituição Federal e das leis que seguem o seu espírito, todas os crimes contra a segurança nacional ou praticados com excesso ou abuso dos direitos do cidadão podem ser reprimidos. 

3)     A confiança no Supremo Tribunal Federal, que consideram o poder competente para fazer cessar o arbítrio e indicado para reconduzir à órbita da justiça comum a eventual apuração de responsabilidades pelo delito ou delitos, cuja prática se imputa. 

4)     A convicção de que o Exército Nacional, conduzido sob a inspiração dos líderes militares que, no passado, forjaram o espírito democrático das Forças Armadas do Brasil, não servirá de instrumento para que, em nome de alegados interesses da segurança nacional, se pratiquem violações flagrantes aos direitos fundamentais da pessoa humana, que quando se verificam definem e consagram os regimes totalitários que todos nós repudiamos.

 

No Senado 

Brasília (Sucursal) – Falando na qualidade de líder da Minoria, o Senador Daniel Krieger condenou, ontem, a prisão do jornalista Hélio Fernandes, apontando-a como ilegal e atentatória à liberdade de imprensa, negando, também, competência ao Gen Crisanto Figueiredo para determinar a prisão do jornalista, no que teria praticado um ato arbitrário e sem base na lei. 

O líder do PTB, Senador Artur Virgílio, discursando depois, declarou-se solidário com quase todo o discurso do líder udenista, justificando, no entanto, o procedimento do Ministro cia Guerra, recriminando abusos que afirmou serem cometidos com frequência, “felizmente por pequena minoria da, imprensa”. Defendeu o líder petebista a necessidade de se elaborar uma lei que reprima com eficiência os crimes de imprensa, sobretudo da “imprensa marrom”. (JORNAL DO BRASIL N° 174, 27.07.1963)

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989);

Ex-Vice-Presidente da Federação de Canoagem de Mato Grosso do Sul;

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS);

Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO);

Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS);

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG);

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN);

Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTAP)

E-mail: hiramrsilva@gmail.com

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