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Gente de Opinião

Hiram Reis e Silva

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – XLIII


Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – XLIII - Gente de Opinião

Bagé, 05.03.2025

 

Continuando engarupado na memória:

 

 

Tribuna da Imprensa n° 4.312, Rio, RJ

Segunda-feira, 30.03.1964

 

A Renúncia de Jango

 

 

O sr. João Goulart não é mais o presidente da República. Renunciou voluntariamente em favor do CGT, do Partido Comunista, dos grupos mais radicais de esquerda. Quem comanda o País são alguns marinheiros sublevados, são os representantes do Partido Comunista enquistados em alguns sindicatos, e nos postos chaves do governo, são os comuno-carreiristas, são os “nacionalistas”, são alguns elementos minoritários das três Armas, precisamente os de pior reputação, sem passado, sem credenciais e sem tradição.

 

O maquiavelismo de subúrbio de S. Exª teria que dar nisso. Cansamos de alertá-lo para os resultados a que o seu excesso de habilidade levaria o País. Dotado de uma espantosa intuição política, mas nem a menor base intelectual, histórica, ideológica ou filosófica, o sr. João Goulart teria que ser engolido pelos grupos subversivos que se serviram dele fingindo que serviam aos seus objetivos.

 

Tendo chegado ao poder pela renúncia de Jânio, Jango renuncia por sua vez 30 meses depois, deixando o País entregue ao caos e à anarquia, sem liderança em nenhum setor, com o princípio da disciplina e da hierarquia deliberadamente subvertido, com as classes armadas mais perplexas do que manietadas, com as forças econômicas mais apavoradas do que desarticuladas, com o povo muito mais inquieto do que satisfeito, com o País à beira da guerra civil.

Nesta hora em que Jango renuncia efetivamente aos seus poderes constitucionais, deixando-se conduzir por meia dúzia de pelegos boçais e por alguns militares e “juristas” espertos demais, os alhos inquietos da Nação se voltam para o Congresso.

 

É dali, é do povo representado pelos seus legítimos procuradores que são os deputados e senadores, que deve surgir a solução salvadora, que evitará que o País se transforme numa nova Hungria, numa outra Tchecoslováquia, numa sangrenta e quase inacreditável Cuba.

 

Não é mais possível transigir com a indisciplina, com a subversão, com a sedição, com a traição ao País.

 

Depois de restabelecida a ordem: depois de restabelecidas as prerrogativas constitucionais dos Poderes: depois que o Executivo abandonar a sua louca ideia de governar por decretos com objetivo mais do que evidente de marginalizar o Congresso: depois que restaurada a dignidade das Forças Armadas atingida pelas manobras, de meia dúzia de carreiristas comunistas: depois que a vida econômica se livrar do fantasma da comunização: depois que a intervenção de órgãos ilegais como o Partido Comunista e o CGT for debelada: depois que enfim a loucura de alguns momentos ceder lugar à serenidade de sempre, então será hora de pensar nas reformas, nas reivindicações legitimamente expostas, na integração do maior número de cidadãos na vida efetiva do País.

 

Enquanto perdurar o caos e a anarquia não se pode pensar em reformas. Ou melhor: a única reforma que o momento exige é a reforma de mentalidade, é a reforma de métodos, e a reforma de homens. Não se trata nem de discutir ou de votar o “impeachment” do presidente da República, pois ele já renunciou voluntariamente, não ocupa mais o cargo de presidente da República nem DE FATO nem DE DIREITO.

As inconstitucionalidades praticadas pelo sr. João Goulart são gritantes, não necessitam nem de Juristas para caracterizá-las, pois elas podem ser ressaltadas e definidas por qualquer estudantezinho do primeiro ano de Direito. Desde que deliberadamente violou a independência dos Poderes, desde que conscientemente invadiu a área do Legislativo, desde que se arrogou o direito de praticar atos que a Constituição lhe proíbe expressamente, o sr. João Goulart deixou de ser o presidente Constitucional da República.

 

De Fato o sr. João Goulart já não manda mais nada, pois é prisioneiro de um triunvirato composto por Assis Brasil, Assis Brasil e Assis Brasil. Subordinados a este, e cumprindo suas ordens, espoletas e inocentes úteis do tipo de Darci Ribeiro, Osvino, Valdir Pires, Crisanto, Dante Pelacani, Osvaldo Pacheco, Hércules Correia, Luís Carlos Prestes, Aragão, Abelardo Jurema, e órgãos subversivos e ilegais como o Partido Comunista e o CGT.

 

Ou o Congresso reage agora e devolve o CGT e o Partido Comunista aos limites da sua ilegalidade, ou teremos jogado fora com consequências imprevisíveis a nossa liberdade, a nossa independência, o direito de decidir por nós mesmos, e o caminho que queremos trilhar no futuro.

 

Se o Congresso restaurar a legalidade no País, AS FORÇAS ARMADAS ESTARÃO INCONDICIONALMENTE AO SEU LADO. Não importa o que se diga, o que os porta-vozes do governo, espalhem, os comunistas sussurrem, ou alguns traidores mais afoitos proclamem em voz alta. A VERDADE É QUE AS FORÇAS ARMADAS ESPERAM A DECISÃO DO CONGRESSO E HÃO DE CUMPRI-LA SEM UM MINUTO DE HESITAÇÃO.

 

JANGO está superado. Como Instrumentos do Poder, tem apenas os palácios, mais ou menos como mensagem, a capacidade de requisitar aviões para os seus intermináveis passeios de fazenda a fazenda, e a sua imensa capacidade de se enganar pensando que está enganando a todos. Não tem mais nem o direito ao tratamento de Excelência, pois é um pobre coitado que trocou os poderes que já tinha pela louca ideia de que se poderia transformar em ditador. Um homem que pensa que pode cavalgar o Partido Comunista, coisa que ninguém conseguiu no mundo todo, ou é um irresponsável ou um primário. E o sr. João Goulart é as duas coisas. A sorte está lançada. Os próximos dias serão decisivos. A iniciativa está com o Congresso, que tem a cobertura total da Nação e das Forças Armadas. Do seu poder de discernir, do seu poder de agir, do seu poder de resolver dependerão os rumos deste País.

 

Oficiais não Transigem na Disciplina

 

Mais de três mil oficiais do Armada reuniram-se, secretamente, no Clube Naval para discutir se acatariam ou não as ordens do novo ministro da Marinha, almirante Paulo Mário da Cunha Rodrigues, face às circunstâncias que o conduziram à pasta e diante da impunibilidade dos marujos revoltados.

 

À reunião, onde foi vetada a presença de repórteres e fotógrafos, compareceram o sr. Augusto do Amaral Peixoto, o Marechal Augusto Magessi e até o Coronel Ardovino Barbosa. Apesar do sigilo, transpirou que a oficialidade não se renderá à não punição dos marujos indisciplinados.

 

Sobressalto

 

Às 20h30, os oficiais que se encontravam reunidos suspenderam a Assembleia com gritos de regozijo e palmas, descendo de imediato, alguns às carreiras, as escadarias do Clube. O sr. Augusto do Amaral Peixoto, que também saiu na mesma ocasião, revelou à imprensa que o II Exército se levantara e que, por isto, fora suspensa a reunião para que todos pudessem chegar até suas Unidades e aguardar o desenrolar dos acontecimentos. Após a saída do Sr. Amaral Peixoto, diferentes versões foram ouvidas entre as rodas de oficiais do lado de fora do Clube sobre a notícia do levante do II Exército. Alguns diziam que a notícia tinha sido mandada espalhar pelo sr. João Goulart para que a reunião se dissolvesse. Outros diziam que fora, também, uma jogada de Jango para que “nos apresentássemos nas Unidades e Navios e lá chegando eles nos prendessem”. A oficialidade fazia os seus comentários em grupos de quatro ou cinco e quando percebia a aproximação de qualquer repórter procurava afastar-se ou mudar de assunto.

 

Magessi Solidário

 

O Marechal Augusto Magessi, ao sair do Clube Naval foi abordado pela imprensa e declarou:

 

Não posso dizer nada quanto às decisões da oficialidade da Marinha no que diz respeito à crise do momento. Minha presença aqui foi para autenticar o meu manifesto e hipotecar a solidariedade do Clube Militar aos companheiros da Armada. O Exército, Marinha e Aeronáutica só divergem em seus fardamentos mas a disciplina é a mesma, não sendo portanto justo que fiquemos alheios aos acontecimentos. Na reunião agora realizada revelei aos oficiais da Marinha que hoje convocarei uma reunião no Clube Militar e depois darei uma Nota oficial esclarecendo a nossa posição diante da crise.

 

Assembleia Permanente

 

Mantendo a fidelidade ao sigilo dos assuntos discutidos na reunião a oficialidade, já à zero hora de hoje, começou a voltar para o Clube Naval onde ficou em Assembleia permanente durante toda a madrugada.

 

# Aragão Perdeu Pose e foi Preso Mesmo #

 

A lenda da bravura do almirante Aragão terminou com os incidentes da Semana Santa. Na Marinha ninguém tinha dúvida da sua covardia. O almirante comandante dos Fuzileiros tem apenas arrogância, e só grita quando está cercado dos seus capangas. Eis um episódio que mostra seguramente quem é o almirante Aragão.

 

Depois de ficar escondido por mais de 24 horas, com medo de ser preso, o almirante Aragão, com o movimento dos marinheiros já vitorioso, e empossado o almirante Paulo Mário, indicado por ele, foi assistir à posse do novo ministro. Quando ia entrando no Ministério da Marinha, o capitão Clinton de Queirós Barros encostou-lhe a metralhadora na barriga e deu-lhe voz de prisão. Já assustado, o almirante pediu-lhe que tirasse a metralhadora, e tentou aparentar coragem, dizendo: “Isso não dispara sozinha”. Respondeu-lhe o Capitão de Fragata: “Na mão de macho dispara mesmo, almirante”.

 

Fingindo despreocupação o almirante Aragão tentou seguir em frente, mas esfriou completamente quando o capitão Clinton disse-lhe com a voz mais dura possível:

 

Se o senhor der um novo passo, almirante será o último;

 

Vendo que o capitão Clinton não estava brincando, o comandante dos Fuzileiros saiu pela tangente afirmando que só podia ser preso por um outro almirante. Foi chamado então o almirante Paulo Guilhobel que lhe deu voz de prisão levando-o para o 7° andar do Ministério onde ele ficou durante duas horas, debaixo de insultos de muitos oficiais. Depois de libertado o almirante tentou posar de machão, dizendo que não havia sido preso. Mas foi e em condição nada honrosa para um oficial general.

Na sexta-feira, em conversa com amigos e capangas o almirante Aragão afirmou que o capitão Clinton não perde por esperar “pois ele vai ver o que vai lhe acontecer”. Ontem no Clube Naval foi discutida essa questão. E ficou resolvido que todas as garantias serão dadas ao capitão Clinton de Queiroz Barros. Se alguma coisa lhe acontecer dose igual, seja o que for, será aplicada imediatamente ao almirante Aragão.

 

Outro episódio que demonstra que o almirante Aragão além de covarde é primário: o chefe da 3ª seção, Capitão de Mar e Guerra, Roberval Pizarro Marques, preparou um manual secreto contendo normas de adestramento contra a guerra revolucionária Levou esse manual ao almirante Aragão que o assinou. Isso foi há uns 10 dias atrás. Logo que se tomou conhecimento desse manual, oficiais “nacionalistas” procuraram o almirante Aragão revoltados. E espinafraram-no por ter assinado um documento que seria usado contra ele mesmo.

 

Apavorado, o almirante foi ao ministro Sílvio Mota e comunicou-lhe que não poderia cumprir o documento. Perguntou-lhe o ministro:

 

Como não pode cumprir se ele está assinado por você mesmo?

 

Respondeu o comandante dos Fuzileiros:

 

Fui iludido.

 

De volta ao seu gabinete, desesperado, o almirante se lamentava exclamando em altos gritos:

 

Sou um desgraçado. E agora o que é que vão dizer de mim os homens das Ligas Camponesas?

 

É esse o homem que o sr. João Goulart mandou perdoar e renomear para o comando do Corpo de Fuzileiros.

 

Ainda sobre a crise que esta estarrecendo todo o País: um almirante da ativa, se for preciso eu publico o seu nome, logo depois da demissão de Sílvio Mota, foi no gabinete do ministro, e disse-lhe cara a cara:

 

Você é o responsável por tudo o que está acontecendo. Foi a sua covardia, a sua consideração com homens como Aragão e outros que levaram a situação ao ponto de hoje. Você é o coveiro da Marinha.

 

A primeira medida do Capitão de Mar e Guerra, comunista, Paulo Werneck que é o homem indicado para chefiar o gabinete do “ministro” Paulo Mário e teleguiado foi determinar que todos os oficiais ao entrarem no Ministério da Marinha sejam revistados e desarmados. Como é natural a medida causou revolta na Marinha. Paulo Mário passou o sábado e o domingo no seu gabinete do Ministério. Só foi visitado por um almirante: o tristemente célebre Cândido Aragão. Isso dá uma ideia do prestígio do novo ministro da Marinha.

 

# Finanças e Negócios #

 

Há Outras Coisas, Presidente

 

Ontem resumimos para V Exª sr. presidente três importantes itens do retrospecto anual elaborado pela “Conjuntura Econômica” da Fundarão Getúlio Vargas. Por ali se viu:

 

Que o Brasil em vez de progredir sofreu um atraso no seu desenvolvimento;

 

Que os brasileiros dispuseram em 1963 de menor quantidade de alimentos que em 1962;

 

Que a atividade industrial cresceu menos que nos anos anteriores e que, pela primeira vez, nos últimos 15 anos diminuiu o consumo de energia elétrica, o que não é nada lisonjeiro para um País que se diz em desenvolvimento.

 

Vamos contar hoje mais alguma coisa para seu conhecimento e dos leitores deste jornal:

 

1) A indústria automobilística, em 1963, quebrou seu ritmo de aumento registrando-se uma queda de 9% na produção;

 

2) A indústria têxtil permaneceu estagnada. O que significa menos tecidos para o povo vestir, pois a população aumentou;

 

3) Registrou-se sensível redução na oferta de empregos na indústria. Essa deve ser uma importante revelação para V. Exª que é um presidente trabalhista.

 

4) O balanço de pagamentos acusou um “déficit” de 220 milhões de dólares. A bem da verdade deve-se dizer que esse é um dado superior ao ano anterior, quando bise “déficit” foi de 360 milhões. Entretanto o governo foi beneficiado pela conjuntura internacional do mercado de café;

 

5) O dólar subiu de aproximadamente 770 cruzeiros para 1.400 em dezembro continuou a subir até 1.700 depois disso.

 

6) O desequilíbrio inflacionário registrou um novo “record”. Enquanto o Plano Trienal previa emissões da ordem de 34% e aumento do custo de vida em torno de 25% os verdadeiros resultados foram 74,7°: e 80%;

 

7) As emissões de capital foram inferiores à taxa de desvalorizarão da moeda. Em termos reais, diminuíram essas emissões.

 

Entretanto para que não se diga que a “Conjuntura” é uma revista de oposição, devemos anotar que durante o governo de V. Exª continuou a acentuada expansão nos transportes terrestres inclusive a rede pavimentada aumentou em 18%. Mas para um presidente que pretende dar ao País novas estruturas esse resultado é mesquinho. V. Exª não acha que já é tempo de colocar outra vez esse País em andamento ou, se lhe faltarem condições políticas para isso, apresentar uma solução qualquer? Sim, porque deixando que o País prossiga nesse declive, já agora comprovado pelos números, V. Exª vai acabar dando razão ao professor Gudin.

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

Link: https://youtu.be/9JgW6ADHjis?feature=shared

 

Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989);

Ex-Vice-Presidente da Federação de Canoagem de Mato Grosso do Sul;

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS);

Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO);

Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTAP)

Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS);

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG);

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN);

E-mail: hiramrsilva@gmail.com

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