Segunda-feira, 8 de abril de 2019 - 09h14
Bagé, RS, 14.03.2019
As contradições em torno das declarações do ex-funcionário Raimundo Pereira da Silva, do 6° Batalhão de Engenharia de Construção, são enormes e só a tal da “Comissão ia ‘In’Verdade” é capaz de qualificá-lo como testemunha idônea. Raimundo foi admitido no dia 03.05.1974 e pediu demissão em 30.05.1974.
ANEXO 2
Relatório da Comissão
Nacional da Verdade
Raimundo
Pereira da Silva, ex-mateiro da Funai que trabalhou na abertura da BR-174,
testemunhou a atuação do Batalhão de Infantaria na Selva [BIS] e informa como
o desaparecimento de muitos índios se relacionava diretamente com a atuação do
batalhão:
Eu fiquei impressionado
porque, antes do Exército entrar, a gente viu muito índio, muito índio. E eles
saíam no barraco da gente, muito, muito, muito [...]. Depois que o BIS entrou,
nós não vimos mais índios [...]. Antes cansou de chegar 300, 400 índios no
barraco da gente. ([1])
ANEXO 3
Relatório do Comitê
Estadual
da Verdade do Amazonas
Estatística
da FUNAI de 1972 refere que “na periferia
do posto de atração do Alalau, à margem direita do Rio Alalau, moravam 300
indígenas. Além das aldeias dos capitães Nenen, Juani, Elsa e Comprido”.
Informação confirmada por Raimundo Pereira da Silva, que trabalhou como mateiro
na abertura da picada da rodovia, no grupo que seguia no sentido de Roraima,
entre 1972 e 1977 ([2]):
Raimundo
Pereira da Silva –
Agora eu fiquei impressionado porque antes do Exército entrar, a gente via
muito índio, muito índio.
Tiago
Maiká Müller Schwade –
é mesmo?
Raimundo
Pereira da Silva – É,
eles saiam no barraco da gente, muito, muito, muito. Eu tinha um bocado de
coroa de ouro, eu. Eles eram doidos pra me levar pra lá, eles falavam: “maroca, maroca, maroca, vamo embora, maroca,
maroca‟. Eu dizia “não, Manaus,
Manaus, Manaus‟. Eles: “não, maroca,
maroca”, pra me levar pra lá. Todos os dias esses vinham com aquela
conversa.
[1] SCHWADE,
Egydio; SCHWADE, Tiago Maiká Müller (Orgs.). Entrevista
com
Raimundo Pereira da Silva sobre a construção da BR-174. 11.10.2012.
[2] Funcionário Raimundo Pereira da Silva que serviu no 6° BEC, na
época da abertura da estrada:
CPF 027876012-00;
Identidade: 11298/RR;
Filiação: Florência Pereira da Silva;
Nscimento: 25.05.1951, Vitória, Maranhão;
Foi admitido em: 03.05.1974;
Demissão a pedido: 30.05.1974.
Trabalhou 27 dias apenas e não era mais funcionário do 6° BEC em 1975.
Imagem 01 – Raimundo Pereira da Silva
Egydio
Schwade – E quase todos
os dias eles te encontravam?
Raimundo
Pereira da Silva – Todo
dia. [...]
Raimundo
Pereira da Silva –
Depois que o BIS [Batalhão de Infantaria na Selva] entrou, nós não vimos mais
índios.
Egydio
Schwade – Mas antes
disso?
Raimundo
Pereira da Silva –
Antes cansou de chegar 300 – 400 índios no barraco da gente. É... Levavam tudo
que a gente tinha. A gente tinha medo, sabe e esses índios aí não pediam não,
tomavam. Era troca, troca, troca. Davam uma flecha, qualquer coisa deles.
Na mesma
entrevista, o trabalhador ainda revela que, em 1976 (56), quando já
haviam realizado a travessia do rio Alalau, o Exército encontrou um grupo de
indígenas:
Raimundo
Pereira da Silva – Eles
acharam um grupo de índios, duns... uns 30 índios, o BIS. Aí trouxe pra cá,
chegou, eles deram 600 tiros aberando os índios.
Egydio
Schwade – Perto deles?
Raimundo
Pereira da Silva – É,
perto deles. Índio ficava com medo, medo. E eles empurravam eles na boca do
pau, pra subir na caçamba. “Sobe na
caçamba!”, empurravam na boca do pau. Rapaz índio ficavam assim ó, se
tremendo.
Egydio
Schwade – Depois dos
tiros?
Raimundo
Pereira da Silva –
Depois dos tiros. Aí botavam na caçamba e iam deixar lá na estrada. Agora lá
nós não íamos, os civis não iam. Só o Exército. Nós não sabe se eles matavam
eles lá ou soltavam. Civil nenhum sabe.
ANEXO 13
Relatório do Comitê
Estadual
da Verdade do Amazonas
INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO
N° 1.13.000.001356/2012-07
Objeto: “Apurar a responsabilidade do Estado
brasileiro pelas violações dos direitos do povo indígena Waimiri Atroari
durante a construção da Rodovia BR-174”
TERMO DE DEPOIMENTO
RAIMUNDO PEREIRA DA SILVA
No dia
02.06.2014, às 10h00, na Casa de Cultura Urubuí, [...] compareceu RAIMUNDO
PEREIRA DA SILVA, [...] que prestou as seguintes declarações: [...]
Havia
muitos índios. Apareciam mais de cem. Fui até o final da picada, passei pela
área indígena inteira. Sempre encontrei com muitos índios. A maior parte dos
índios estavam da área que vai do Abonarí até 20 quilômetros depois do Alalau.
Acho que havia uns 10 mil índios (???), em 28 malocas, pelo que o BEC
falou.
Vi apenas
duas malocas. Uma no km 25, depois do Alalau, e a outra no km 28. O barracão
ficava perto, uns cinquenta metros. Creio que havia de quinhentos a seiscentos
índios em uma maloca (???). O André
me disse uma vez que tinha seiscentos índios (???). Eles me convidavam para entrar na maloca. Comia anta, com o
próprio couro. Eu me reunia com eles. [...]
Lembro
bem da morte do Gilberto Figueiredo. Foi em 29.12.1975 ([1]).
Estávamos no acampamento do 6° BEC no Abonarí. Estávamos nos aprontando para
entrar na região do Alalau. A estrada na região do Alalau ainda não estava
pronta.
No dia
anterior, vi o Gilberto. Estava com os índios. O capitão Bonilla mandou
deixá-los no Abonarí. Nós acompanhamos o Gilberto até a canoa, ele estava com
os índios, daí ele foi para o posto. Os índios dormiram no posto da FUNAI, que
ficava a 6 km dali. No dia seguinte, o Capitão Bonilla pegou o avião pra Manaus
e viu, do alto, o Gilberto morto, daí voltou. [...]
Depois
desse fato, voltamos ao acampamento no km 30. Ficamos lá uns 10, 15 dias. Um
dia vi passando 43 carros do BIS, cheios de soldados [jipes, carros fechados,
camuflados]. Eu lembro que eram 43, porque contei. Passaram dois aviões do BIS.
Antes não havia avião do Exército. O avião passou por lá seis dias. O Exército
dizia que o BIS ia fazer uma manobra para conhecer a região, poder entrar para
trabalhar. Os carros voltaram depois de seis dias. [...]
Depois da
morte do Gilberto, os únicos índios que vi eram uns 20 que foram empurrados por
soldados do BIS para o caminhão. Eles iam ser levados para o acampamento. Os
índios tremiam. Ao chegarem no acampamento, deram 600 tiros para assustar os
índios. Os índios saíram correndo. Nunca mais vi índios. [...] Não vi carro ou
caminhão levando índios mortos em grande quantidade. Só sei dos casos em que
íamos resgatar, e nesses casos levávamos até o avião.
As
contradições numéricas quanto a estimativa populacional do Waimiri-Atroari são
evidentes. Embora a Funai defenda que eram 3.000 segundo um alegado sobrevoo do
Padre Calleri sobre a reserva, em 1968. Nenhum recenseador sério consideraria
esses números corretos. Realizei dois sobrevoos na região, em 1982, acompanhado
do Padre Giuseppe Craveiro, na época, Coordenador do Núcleo de Apoio
Waimiri-Atroari, que me apontou algumas aldeias abandonadas e que lá de cima
poderia se imaginar habitadas. Com a escassez de caça os WA migravam para outra
Aldeia e às vezes retornavam aquela de origem. Não raras vezes a Aldeia tinha
ser queimada em virtude da invasão de roedores e insetos ou mesmo em
decorrência de surtos de sarampo ou gripe.
Numa de
minhas visitas às aldeias WA encontrei um senhor idoso conhecido como Capitão
Tomáz. Tendo como intérprete o Craveiro, contei-lhe a respeito das doenças que
minavam a saúde de seu povo e de nossa intenção de vaciná-los já que o
atendimento da Funai se resumia em evacuá-los para Manaus. Tomáz emocionado, me
confidenciou que o costume do WA de adotar crianças capturadas durante os
ataques e o contato furtivo com brancos que os contatavam, sem autorização da
Funai, para presenteá-los com diversos artefatos, e roupas usadas, tinha
trazido uma terrível maldição para os WA. Muitos idosos e crianças morreram
depois de sua chegada. Sem saber os WA trouxeram para dentro de suas Aldeias uma
bomba bacteriológica implacável.
INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO
N° 1.13.000.001356/2012-07
TERMO DE DEPOIMENTO JOSÉ
PORFIRIO FONTENELE DE CARVALHO
No dia
20.03.2014, às 10h30min, na sede da Procuradoria da República no Amazonas,
compareceu JOSÉ PORFIRIO FONTENELE DE CARVALHO, [...], que prestou as seguintes
declarações: [...] Nesta época, tomávamos contato com os índios navegando pelos
rios Camanau e Uatumã. Não nos era permitido entrar nas aldeias.
Em 1969, fizemos um voo pela área, eu e Gilberto, quando identificamos 15 malocas diferentes na região. Concluímos em 1971 um trabalho, oportunidade em que fizemos uma estimativa de que cada maloca possuía 100 indígenas, o que daria mais ou menos 1.500 indígenas. Neste ano de 1971 foi criada a reserva. [...]
Imagem 02 – Diário do Pará, n° 1.390,
08.05.1987
Sobre o relatório de Gilberto, que, em 1973, estimava a
existência de 600 a 1.000 indígenas, tenho a impressão de que isso se deve
ao que ele conhecia. Ele não levou em consideração os Atroari, o que se depreende
das informações acerca dos rios que ele menciona. [...]
Sobre o
episódio em que houve o sobrevoo da maloca do Comprido, cuja foto está no
livro, tenho certeza de que os índios mesmos queimaram a maloca. Não foi o Exército que a queimou. O próprio Mário Parwe confirma isso.
[1] Demissão a pedido: 30.05.1974.
Fizeram isso para se proteger. [...] Em
1977, houve uma epidemia de sarampo, que
segundo a conta da FUNAI, teria atingido 21
indígenas. Deve ter morrido mais, pois houve fuga para dentro da mata.
INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO
N° 1.13.000.001356/2012-07
TERMO DE DEPOIMENTO
SEBASTIÃO AMÂNCIO DA COSTA
No dia
25.11.2014, às 09:00, na sede da Procuradoria da República no Amazonas,
compareceu SEBASTIÃO AMÂNCIO DA COSTA, que prestou as seguintes declarações:
[...]
Foi feita uma maquete da hidrelétrica, mas achamos que os índios não saberiam o alcance disso, então alguns índios foram a Tucuruí. Os líderes principais eram o Mário e o Viana. Explicamos o que seria Balbina e o que seria a estrada. [...] Eram de praxe fazer reuniões com os líderes para evitar que se repetissem ataques. Foi o que ocorreu após o ataque a Gilberto. Conversei com os líderes Mário e Viana e passei as informações, eles retransmitiam aos demais, Cheguei a conhecer o Comprido, Maruaga era o líder principal. Eles também estavam. Foi uma conversa tranquila, os índios manifestavam preocupação com a existência de doenças. [...] Viana tinha poucos anos nesta época e já despontava, assim como Mário, como líder natural. Conheciam toda a história da terra indígena. Sobre as mortes, estive meses no Rio Purus num momento posterior com Mário e Viana, tínhamos uma intimidade muito grande, eles nunca comentaram qualquer morte por parte da frente e do Exército. Sobre a morte de Comprido, nunca ouvi falar de qualquer suspeita de que Mário e Viana seriam responsáveis. A área Waimiri Atroari sempre foi um tabu para pessoas interessadas em obter recursos financeiros lá dentro. Sobre a alegação de que havia 6.000 índios lá, não era possível fazer censo, devido às dificuldades de contato, então não era possível estimar isso. [...] Não havia entrega de presentes, nosso contato era de reciprocidade. Confiávamos na relação de amizade. Havia um convívio diário, com visitas às aldeias, em que buscávamos ser aceitos. Eu ia com alguns funcionários, como João Dionísio, Paulo e outros da equipe de João Dionísio. José Porfirio de Carvalho não trabalhava lá nesta época. Na época do Gilberto, ele ficava na retaguarda de apoio, era administrador regional, oferecia meios para que os trabalhos ocorressem: alimentação, combustível, viatura, armas [apenas para caça e pesca]. [...] A falta de notícias sobre a presença dos indígenas após 75 deve-se ao fruto de nosso trabalho. As áreas são muito extensas, eles fazem visitas uns aos outros, possuem a caça e a pesca. Com relação à falta de documentos da época, o serviço de comunicação da FUNAI possui informações diárias sobre a atuação. Eu não fazia relatórios periódicos, apenas quando havia algum fato a ser informado à FUNAI de Brasília. [...]
MINISTÉRIO DO INTERIOR
FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO
- FUNAI
Of. N°
19/74 – 1ª DR
Do:
Subcoordenador Manaus,
02.07.1974
Ao: Sr.
Comandante do 6° BEC
Boa Vista
– Roraima
Senhor
Comandante,
Agradecemos
a honrosa visita que nos foi feita pelo Subcomandante desse Batalhão de Construção,
Major Kuhner, quando nos trouxe os cumprimentos desse Comando nos comunicando a
reabertura dos trabalhos na Estrada BR-174, Manaus ‒ Boa Vista, a cargo desse
comando, apresentamos na oportunidade os nossos cumprimentos, enviando votos de
êxitos na missão confiada a V. Sª e seus comandados.
Como e do
conhecimento de V. Sª a estrada BR-174 ‒ cruza a reserva Indígena dos índios
Waimiri-Atroari, sob jurisdição desta Subcoordenação e, pelo fato merece que
levemos ao conhecimento desse comando, o seguinte.
Os índios
Waimiri-Atroari, do grupo Karib, com população estimada na área compreendida
entre os rios Santo Antônio do Abonarí, Jauaperí e seus afluentes da margem
esquerda [Rio Alalau e Branquinho] e Rio Uatumã, de 1.200 indivíduos
encontram-se ainda em estado primitivo e arredios com contatos isolados,
exigindo assim de nossa sociedade, cuidados especiais para que não sejam
ultrajados os seus costumes e ritos, assim como não lhes sejam impostos novas
necessidades e males.
Os
principais males que as sociedades, ditas civilizadas, tem levado aos povos
primitivos, são as doenças que atingem em cheio, seu físico totalmente
desprovido das resistências contra as nossas doenças:
Baseados
em experiências em outras áreas onde foram realizados trabalhos semelhantes,
estrada Transamazônica, e outras, ainda nos termos do Estatuto do Índio e
visando ainda salvaguardar a integridade física e social dos silvícolas
habitantes na citada área, tomamos a liberdade de solicitar a V. Sª a
observação das seguintes recomendações, para serem observadas pois as pessoas
que irão trabalhar e circular dentro da área habitada pelos índios:
a) Evitar, até segunda
recomendação, a presença de pessoas do sexo feminino no trecho de reserva
Waimiri-Atroari. [...]
RAIMUNDO PEREIRA, EGYDIO SCHWADE E A COMISSÃO DA VERDADE MENTEM!!!
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H