“Em 14 de abril de 1998, o presidente Fernando Henrique Cardoso homologou cinco terras indígenas em São Gabriel da Cachoeira, região conhecida como Cabeça do Cachorro, formando um polígono contínuo de 10,6 milhões de hectares (quase o tamanho de Cuba), área ainda maior que a descomunal reserva ianomâmi (9,4 milhões de hectares)”. (Hiram Reis e Silva)
- Grandes vazios demográficos
As águas pretas do Rio Negro serpenteiam de Cucuí até Santa Isabel, dentro de uma grande, descomunal mesmo, reserva indígena. Em nome de um resgate histórico, totalmente inexplicável e infundado, a FUNAI vem, ao longo dos últimos anos, demarcando reservas sem qualquer critério histórico ou científico. Nossa descida, de caiaque, de São Gabriel da Cachoeira até Santa Isabel do Rio Negro permitiu-nos identificar o enorme vazio demográfico, nas margens do rio, justamente onde a própria FUNAI afirma existir a ‘maior concentração de comunidades indígenas’ de toda a região da Cabeça do Cachorro. As pequenas comunidades gravitam em extensões extremamente limitadas, não se atrevendo a enfrentar os pequenos afluentes da bacia do Negro onde se encontram seus recursos pesqueiros mais importantes. Ao invés disso cobram taxas de não índios que queiram pescar ou desfrutar de outros recursos naturais de ‘suas terras’.
Os valorosos guerreiros do passado dependem hoje, totalmente, dos ‘arrendamentos ilegais’ e das ‘bolsas famílias’. Esta dependência dos ‘civilizados’ tornou-os verdadeiros espectros humanos, decadentes física e moralmente. Meu sangue Charrua fez-me voltar os olhos, novamente, para meus irmãos do Alto Solimões, os altivos Ticunas. Mesmo diante de todos os problemas que encaram frente à modernidade, suas sadias lideranças estão se adaptando, lutando e procurando novas alternativas de vida para suas comunidades. O contraste das belas paisagens do Negro com o desânimo dos nativos cravou suas garras na minha alma e até agora sinto uma nostalgia e um desencanto que nunca sentira antes.
Ao demarcar reservas em grandes áreas contínuas, a FUNAI afirma saldar uma dívida histórica. A visão falaciosa e romanesca da FUNAI vem protagonizando uma política totalmente contrária aos interesses nacionais e ao da própria população indígena a longo prazo. Os nativos do alto Rio Negro são uma mostra do quanto equivocada tem sido essa política. Os declínios populacionais verificados nas comunidades ribeirinhas, ao longo dos tempos, provocado pela migração em busca do conforto e assistência das cidades de São Gabriel e Santa Isabel confirmam essa afirmativa.
- Dívida Histórica?
"O Brasil resgatará uma dívida histórica com os povos indígenas quando consolidar o processo de demarcação de suas terras. Tenho a convicção de que esse processo estará concluído até 2006.” (Mércio Pereira Gomes - Presidente da FUNAI)
A história não ampara esta necessidade de se pagar qualquer dívida histórica. Pena que não tenham sobrevivido nenhum dos sambaquieiros, tapajós ou marajoaras e tantos outros mortos ou devorados pelas hordas migratórias que dominaram vastos territórios desde a Bacia do Orinoco até a Bacia do Prata. Estariam, hoje, solicitando, estes sim merecidamente, um resgate dos nativos atuais que os exterminaram.
O jornalista Leandro Narloch, no seu livro ‘Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil’, afirma que a visão, de que os índios viviam em harmonia entre si e com a natureza, é totalmente equivocada e que, na verdade, os índios travavam guerras permanentes entre eles, destruíam as florestas, exterminavam animais, pessoas e culturas.
Vamos reproduzir pequenos trechos de um dos livros do professor Evaristo Eduardo de Miranda que corroboram o pensamento de Narloch: “(...) Se existe um aspecto comum e marcante na história das populações indígenas, antes da chegada dos europeus, são as migrações, os grandes deslocamentos espaciais e os conflitos e guerras entre diferentes grupos, caracterizadas por expansões e contrações geográficas, crescimentos e declínios demográficos e até extinções.
Os diversos grupos tupis (...) penetraram territórios alheios e, de forma pacífica ou belicosa, conquistaram novas terras, submeteram outros povos, roubaram suas mulheres, devoraram seus guerreiros, incorporaram elementos de sua cultura e impuseram sua língua, especialmente nas áreas florestais”. (Miranda)
Antonio Ladislau Monteiro Baena relata em 1839, sem devaneios literários, quem era o lendário herói Ajuricaba tão citado, na atualidade, pelos poetas, líderes indígenas locais e seus simpatizantes. Certamente, Ajuricaba não foi um herói para os nativos que aprisionava e vendia para os holandeses. Cita Baena: “Na adjacência deste mesmo lugar habitou antigamente o nefário Ajuricaba, principal dos Manaos e flagelo dos Índios Aldeados do Rio Negro (...) o qual se aliançara com os holandeses de Suriname, aonde ia pelo rio Branco permutar com eles os índios, que fazia escravos por meio de assíduas e poderosas correrias praticadas nas aldeias discorrendo pelo rio Negro à frente de uma esquadra de 25 canoas com a Bandeira dos Países Baixos”. (BAENA)
- “Os índios sempre souberam como lidar com a terra"
Mais uma vez, o presidente Mércio Pereira Gomes, da famigerada FUNAI, mostra desconhecer a cultura que tanto defende e as leis que regem a sobrevivência dos povos nativos. O professor Evaristo Eduardo de Miranda afirma que o processo de savanização da floresta não só teve origem com os povos primitivos, mas como continua até os dias de hoje.
Evaristo Eduardo de Miranda: Possui graduação em Ingénieur Agricole - Institut Superieur d Agriculture Rhone Alpes Isara (1976), mestrado em Ecologia - Université de Montpellier II (Scient. et Tech du Languedoc) (1978) e doutorado em Ecologia - Université de Montpellier II (Scient. et Tech du Languedoc) (1980). Atualmente é consultor - Food And Agriculture Organization - FAO, assessor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP, assessor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul - FAPERGS, consultor - United Nations Educational Scientific And Cultural Organization - UNESCO, membro do Conselho Consultivo do Planeta Sustentável do Grupo Abril, Pesquisador - Embrapa Monitoramento por Satélite, assessor científico do Ministério das Relações Exteriores, representante do Ministério da Agricultura na Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional e diretor do Instituto Ciência e Fé. Tem experiência na área de Ecologia, com ênfase em Ecologia Aplicada, atuando principalmente nos seguintes temas: Ecologia, Sustentabilidade, Desequilíbrio Ambiental, Cartografia Ambiental, Monitoramento por Satélite e Gestão Territorial do Agronegócio. (Sistema Currículo Lattes)
"São eles que nos ajudam a manter vivas nossas matas e contribuem para a preservação de nossos mananciais.” (Mércio Pereira Gomes)
“O uso sistemático do fogo pelos humanos, principalmente como técnica de caça, favoreceu a extensão ou a manutenção de ecossistemas abertos como as savanas ou cerrados, em detrimento das áreas florestais, mesmo em condições climáticas desfavoráveis.
(...) Condicionamentos locais de clima e solo podem acelerar ou limitar esse processo, mas o caráter nômade de vários grupos de caçadores-coletores espalhou esse fenômeno em diversos locais da região amazônica.
Esse processo de savanização, de ampliação de áreas de cerrados em detrimento das florestas, ainda segue seu curso nos dias de hoje, em vários locais da Amazônia, promovido por culturas ameríndias bem posteriores aos primeiros caçadores-coletores. (...)
A regressão das florestas e a ampliação dos cerrados devido ao uso do fogo podem ser observadas nitidamente em sequências de imagens de satélite, de vários anos, tiradas de áreas indígenas no norte do Pará, na região dos Tiriós, próxima da fronteira com o Suriname. Ali, os indígenas promoveram um crescimento anual da área dos cerrados em detrimento da floresta, pelo uso generalizado do fogo em grande escala. Eles alteram a dinâmica vegetal com a promoção de gigantescos incêndios anuais, os maiores de todo o Brasil. Eles propagam-se ao sabor dos ventos alísios do hemisfério norte, na direção nordeste-sudoeste”. (Miranda)
- Escravidão
A origem da escravidão deve igualmente ser revista para que o resgate proposto, sistemas de cotas, comunidades quilombolas, não acabe fomentando, no país, um ‘apharteid étnico’ idêntico ao que se vê hoje implantado pelos indígenas da Raposa e Serra do Sol, em relação aos não índios. O costume de vender os prisioneiros de guerra era bastante comum entre as diversas etnias africanas; a escravidão foi durante muito tempo uma prática corriqueira em todas as civilizações independente da cor da pele.
"Se algum escravo fugia dos Palmares, eram enviados negros no seu encalço e, se capturado, era executado pela ‘severa justiça’ do quilombo” (Carneiro)
Os negros africanos foram, de longe, os maiores traficantes de escravos negros. A tradição estava tão arraigada que um escravo liberto, imediatamente, buscava adquirir um escravo para si mesmo. O ‘herói’ Zumbi dos Palmares, personagem que virou símbolo da luta contra o racismo no país, tinha seus próprios escravos. Os escravos que se negavam a fugir das fazendas e ir para os quilombos eram capturados e transformados em cativos dos quilombos. Palmares lutava contra a escravidão própria, mas não pela escravidão alheia. Para reforçar a idéia de que os escravos brasileiros, talvez, tenham sobrevivido somente porque vieram para o Brasil, vamos lembrar que os países da ‘Mãe África’ foram os últimos a abolir a escravidão e que os genocídios étnicos, na região, continuam acontecendo nos dias de hoje. Certamente, os grupos capturados, na época, caso não fossem vendidos teriam sido sumariamente exterminados lá mesmo.
Fonte:
BAENA, Antônio Ladislau Monteiro. Ensaio Chorographico do Pará. 1839 - Brasil - Brasília, 2004 - Senado federal.
CARNEIRO, Edison. O Quilombo dos Palmares - Brasil - Rio de Janeiro, 1966 - Editora Civilização Brasileira.
MIRANDA, Evaristo Eduardo de. Quando o Amazonas corria para o Pacífico - Brasil - Rio de Janeiro, 2007 - Editora Vozes.
NARLOCH Leandro. Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil - 2009 - Editora LeYa.
Fonte: Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS)
Acadêmico da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB)
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS)
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional