Quinta-feira, 9 de janeiro de 2020 - 08h58
Bagé, RS, 09.01.2020
Entrevista
com João “Brabo”
Em Cacoal, por volta
das 17 horas do dia 21 de setembro, como já tínhamos combinado no nosso
primeiro encontro com o Cacique João “Brabo”,
nos deslocamos até sua residência para uma entrevista.
O Dr. Marc demonstrou
preocupação com minha conduta durante a entrevista, disse a ele que não se
preocupasse, nas minhas descidas já havia entrevistado Comandantes Militares de
Área (Gen Heleno e Gen Villas Bôas), Comandantes de Brigada (Gen Paulo Sérgio e
Poti), Comandantes da PM de todos os níveis, inúmeros Prefeitos, líderes
comunitários nativos e não-índios... Não ia ser agora que eu ia me desviar de
minha meticulosa rotina. Marcelo Cinta-Larga filho de João “Brabo” traduziu a entrevista concedida
por seu pai:
Marcelo: Ele está dizendo que antigamente, antes de ter contato com homem
branco, ele vivia no meio do mato, não sabia que existia homem branco, até
pensava que homem branco era bicho, e não tinha ideia de que os homens brancos
queriam amansar os índios até porque eles fugiam dos homens brancos.
Quando
começaram a observar, mais de perto, os homens brancos, eles comentavam entre
eles pra saber que bicho era aquele tão semelhante a eles, mas bem mais peludo.
Tomaram conhecimento do homem branco quando eles começaram a deixar facão,
panela e os índios foram então se aproximando para ver o que era aquilo e foram
pegando estes materiais e assim foram estabelecendo os primeiros contatos com
os homens brancos e foram sendo amansados aos poucos.
Em 1971, que eles amansaram mais ainda em
decorrência do contato com a FUNAI, garimpeiros e seringueiros que cada vez
mais se aproximavam deles, foi desta maneira que tiveram os primeiros contatos
com o homem branco.
Nessa época que ele ficava isolado no meio do
mato não tinham doenças contagiosas. Ficar no meio do mato isolado era melhor,
eles tinham, na época, mais saúde, mais força. Ele disse que não acreditava no
que seus pais diziam que ia acontecer quando os homens brancos entrassem na
terra deles para amansar, querendo, na realidade, algo da terra deles, foi
assim então que ele teve os primeiros contatos com os homens brancos.
(Marcelo)
Hiram: Eu queria que o Cacique João “Brabo” contasse algo de sua origem suas
experiências de vida como criança. (Hiram)
Marcelo: Ele está dizendo que nasceu em Juína, no
meio de um cemitério, muitos de seus parentes tinham sido mortos em guerras
intertribais e que não sabia que aquele local seria, mais tarde, o Mato Grosso.
Teve uma infância muito difícil, em que chegou a ter de comer argila. Somente
a mãe cuidava dele porque o pai se encontrava constantemente em guerra. O pai
dele escolheu-o, ainda pequeno, como Cacique, e ele teve de iniciar seu
treinamento muito cedo e com dez anos ele já estava bem adestrado.
O treinamento era muito rígido, o pai dele
atirava flechas nele para que ele se desviasse delas. Ele e mais dois estavam
sendo submetidos ao mesmo treinamento e ele foi o único sobrevivente e, por
isso mesmo, foi escolhido pelo pai para a liderança desde criança. Por isso ele
é o líder até hoje, naquela época o sobrevivente era aclamado líder.
Ele diz que agora as coisas são mais fáceis,
na época dele para ser líder, tinha de caçar jacaré, cobras venenosas, permanecer
um dia inteiro dentro d’água numa cachoeira do Rio para amadurecer mais rápido.
Naquela época de conflito os perdedores serviam de repasto aos vencedores e é
por isso que ele é até hoje um líder que não foi escolhido apenas por ser um
guerreiro, mas porque todos respeitavam o pai dele que o indicara como líder e
aqui está ele até hoje para cuidar de seu povo. Ele disse que naquela época não
tinha ideia que ao encontrar homem branco tudo isso aconteceria, ele não
acreditava, naquela época, que o presságio vaticinado por seus pais era tão
verdadeiro, senão ele teria preferido ficar no meio do mato. (Marcelo)
Hiram: A mídia se refere a um grande extermínio
dos Cinta-Larga, conhecido como Paralelo 11, gostaria que o Cacique fizesse um
relato deste acontecimento. (Hiram)
Massacre
do Paralelo 11° (1963)
Esses índios são parasitas, são vergonhosos. É hora de acabar com eles,
é hora de eliminar essas pragas. Vamos liquidar esses vagabundos. (Antonio
Mascarenhas Junqueira)
Farei uma breve
interrupção na nossa entrevista para, engarupados na memória, voltarmos os
olhos para o passado e relembrarmos este terrível massacre promovido pelo
empresário Antonio Mascarenhas Junqueira chefe da empresa de extração de
borracha Arruda, Junqueira & Cia Ltdª, nos idos de 1963, em que foram
mortos, com requintes de crueldade, trinta Cinta-Larga. Este Massacre aconteceu
nas cabeceiras do Rio Aripuanã (MT) onde a empresa de Antonio Mascarenhas
planejava explorar a seringa e por isso resolveu remover a força os Cinta-Larga
da área.
Uma aeronave lançou
dinamite sobre a aldeia destruindo-a e logo depois, homens armados com metralhadoras
atacaram a aldeia com ordem de eliminar os sobreviventes. Um dos assassinos
tirou um bebê da mãe que o amamentava, deu um tiro na cabeça da criança e
penduraram a mãe de cabeça para baixo e a cortaram ao meio. Neste ataque, 30
(há uma discrepância numérica nos relatórios) Cinta-Larga foram trucidados e
somente dois ou três teriam sobrevivido. No julgamento de um dos acusados, o
juiz afirmou:
Nunca ouvimos um caso em que havia tanta violência,
tanta ignomínia, egoísmo e selvageria e tão pouca apreciação da vida humana.
Detalhes do massacre
foram incluídos no “Relatório Figueiredo”
de 1967, que resultou na extinção do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e a
criação da Fundação Nacional do Índio (FUNAI).
Jornal do Brasil, n° 22 – Rio,
RJ
Domingo e Segunda-feira, 05 e
06.05.1968
Todos os Meios Foram Lícitos
Para Liquidar os Índios
² Departamento de Pesquisa ²
‒ Nunca vi tanta corrupção na minha vida!
Esta exclamação do Ministro do Interior,
General Afonso de Albuquerque Lima, retrata a indignação da opinião pública do
Brasil e de vários países do mundo quando foram revelados os últimos vinte anos
de massacre, assassinatos, escravidão, lenocínio e roubo sofridos pelas nações
índias em nosso País.
‒ Do roubo ao estupro, da grilagem ao
assassinato, do suborno às torturas medievais, passando pelo lenocínio ([1]),
pelos desregramentos e taras sexuais, por todos os crimes contra a
administração pública, tudo se cometeu contra a lei e contra a moral.
Afirmou o Presidente da Comissão de
Inquérito, Procurador Jader de Figueiredo Correia.
A
Devassa
Para chegar a essas conclusões, os membros da
Comissão de Inquérito do Ministério do Interior viajaram 58 dias, por 15
Estados e 3 Territórios, percorrendo 15 mil quilômetros, interrogaram dezenas
de testemunhas e apreenderam centenas de documentos. Durante as investigações,
a Comissão afastou 200 servidores do extinto Serviço de Proteção aos Índios e
indiciou 134 outros, entre os quais dois ex-Ministros de Estado, dois
Generais, um Tenente-Coronel e dois Majores. Destes acusados, 17 já sofreram
prisões administrativas e 38 foram dispensados a bem do serviço público. Anteriormente,
em 1964, uma Comissão Parlamentar de Inquérito instalada na Câmara Federal
apurara, superficialmente, denúncias de Padres Salesianos sobre matanças de
índios nos anos de 1962 e 1963, nas
jurisdições das 1ª, 5ª e 6ª Inspetorias [a primeira no Amazonas e as duas
últimas em Mato Grosso]. Os resultados dessa CPI foram enviados ao Chefe da
Casa Civil da Presidência da República em 1967, e dali encaminhados ao
Ministério do Interior, onde foram transformados no Inquérito Administrativo
n° 154-67.
Mais
Poderes para Apurar
Esse primeiro inquérito administrativo
constatou “a geral corrupção e a anarquia
total imperantes no Serviço de Proteção aos Índios em toda a sua Área, como,
também, através dos tempos”. Em consequência deste relatório, o Presidente
da República enviou mensagem ao Congresso Nacional criando a Fundação Nacional
do Índio, que absorveria o Serviço de Proteção aos Índios, o Parque Nacional do
Xingu e o Conselho Nacional de Proteção ao Índio. Aprovado pelo Congresso em
menos de dois meses, foi sancionado em dezembro último pelo Presidente da
República ([2]).
Mas enquanto o projeto que criava a Fundação
tramitava no Congresso, a 3 de novembro do ano passado, o Ministério do
Interior expedia a Portaria 239.67, instaurando uma segunda Comissão de Inquérito,
com amplos poderes e sem limite de jurisdição, para “produzir prova testemunhal e documental” dos fatos relatados pela
primeira Comissão e de outras denúncias que surgissem.
Os
Fatos e as Provas
Coube a essa Comissão, presidida pelo
Procurador Jader de Figueiredo Correia, o levantamento mais completo, com “prova testemunhal e documental”, sobre
os massacres de índios e as irregularidades no extinto Serviço de Proteção aos
Índios [SPI]. As causas principais do quase extermínio das populações indígenas
do Brasil, segundo a Comissão, são a apropriação de suas ricas terras [minérios,
madeira, plantações e gado] e uma política errada de integração na sociedade
civilizada.
Entre os crimes cometidos contra os
Indígenas, o massacre dos Cinta-Larga, em 1963, no Paralelo 11° de Mato Grosso,
foi um dos mais selvagens de que teve notícia o País.
Como
foi
A chacina dos Cinta-Larga, conforme
depoimentos gravados e assinados em Cuiabá, na 6ª Inspetoria do ex-SPI, pelo
Inspetor Ramis Bucair, foi ordenada por Antônio Mascarenhas Junqueira, cujo
sócio é Sebastião Palma Arruda, irmão do ex-Prefeito de Cuiabá e ex-Presidente
do Banco da Amazônia. A firma dos dois, uma dos mais ricas do Estado, chama-se
Arruda e Junqueira. A história dessa matança só veio a público porque o
pistoleiro Ataíde Pereira dos Santos, um dos homens, do grupo de matadores, não
recebeu os NCr$ 50,00 prometidos pela empresa. Ataíde confessou que apenas
matou o chefe dos Cinta-Larga, com um tiro de mosquetão no peito, e que os
outros foram metralhados e retalhados a facão por Francisco Luís, vulgo Chico
Luís, o chefe do bando, e pelos outros membros da expedição. Ataíde afirmou
que viu Chico Luís matar uma criança com um tiro de 45 na testa e depois pendurar
pelos pés a mãe da criança a uma árvore e a retalhar a facão, quase de um só
golpe, o seu corpo. Em seguida, atearam fogo a todas as malocas e jogaram os
corpos dos índios mortos no Rio Aripuanã. Nenhum índio teve tempo de usar suas
armas [arco e flecha] e só dois ou três conseguiram escapar, embrenhando-se no
mato.
Formas
de Extermínio
Além dos massacres, por pistoleiros,
profissionais contratados, os fazendeiros, seringalistas e funcionários do
extinto SPI usavam as seguintes formas para dizimar as tribos índias: privação
dos meios de subsistência, expulsão dos índios de suas terras e introdução
sistemática e em escala sempre crescente de vícios e doenças.
Foi assim com os Maxacalis, que vivem em três
aldeamentos ao Nordeste de Minas Gerais ‒ Pradinhos, Micael e Água Boa,
regiões ricas em gado, terra e minérios. Para acabar com os 300 índios remanescentes
que ali se encontravam, os fazendeiros e mineradores, em conluio com os agentes
do ex-SPI, distribuíram aguardente fartamente e contrataram pistoleiros. A
bebida fazia com que lutassem entre si, aqueles que não tivessem sido atingidos
pelas balas dos bandoleiros ou pelas epidemias.
Os índios chegaram a tal ponto de embriaguez
que trocavam, satisfeitos, um saco de feijão por uma garrafa de cachaça. Em
outubro do ano passado, graças ao Capitão Manuel dos Santas Pinheiro, do
Policiamento Rural da Polícia Militar de Minas Gerais, os Maxacalis voltaram a
uma vida normal.
Arsênico
e Formicida
Para matar os integrantes da tribo dos
Beiço-de-Pau, de Mato Grosso, contou o chefe da 6ª Inspetoria, Ramis Bucair que
os seringalistas formaram uma expedição e subiram o Rio Arinos, levando
presentes, miçangas e colares, e grande quantidade de comida para os índios. Na
viagem, os gêneros se estragaram e apenas o saco de açúcar ficou intacto. A
este açúcar, os seringalistas adicionaram arsênico e formicida, distribuindo-os
aos índios. Na manhã seguinte, muitos índios estavam mortos e os seringalistas
espalharam a notícia de que grassava uma grande epidemia no local. Este crime
ocorreu perto da Barra dos Rios Tomé de França e Miguel de Castro com o Rio
Arinos.
Os Beiço-de-Pau, cujas terras são cobiçadas
tanto por fazendeiros como por seringalistas, não tem saída; ao Norte, está a
Empresa Colonizadora Gaúcha, que explora os seringais; ao Sul, encontra-te a
frente de expansão da civilização, que se irradia de Cuiabá; a Leste, estão os
colonizadores das fazendas paulistas; e a Oeste, o Rio do Sangue, Onde vivem
os índios Canoeiros.
Integração
e Pobreza
O Inspetor Ramis Bucair diz que os
seringalistas ficarão pobres no dia em que os índios forem pacificados e se
integrarem na civilização.
‒ Às vezes, um capataz manda matar alguns
seringueiros e culpa os índios: onde o punhal se cravou, fincam uma flecha.
Para o Inspetor Bucair, a modalidade mais
nova no extermínio das nações índias é o lançamento de bananas de dinamite por
aviões, que “evita as caras e cansativas
expedições de matança”. Este processo foi usado contra os Cinta-Larga, a
mando, segundo o Procurador Jader de Figueiredo Correia, de uma das maiores
firmas comerciais de Mato Groso, que se beneficiou do crime especulando com as
terras tomadas aos índios. O piloto do avião seria Toschio Lombardi Xatô, empregado
do Antônio Mascarenhas Junqueira, segundo denúncia do ex-Chefe da 5ª Inspetoria
do ex-SPI, Hélio Jorge Bucker, que disse ainda que nem o Exército teria
condições de impedir essa matança, tal o poder dos grupos mandantes no Estado.
O Procurador Jader de Figueiredo Correia diz em seu relatório que o piloto
chamasse Donato. O denunciante, Hélio Jorge Bucker, esteve preso, por ordem do
Presidente da Comissão de Inquérito por desvio de dinheiro.
As
Torturas
O Procurador Jader de Figueiredo Correia
revelou que é impossível estimar o número exato de crimes, mas acredita que,
dos 90 mil índios existentes há 20 anos, milhares foram assassinados. Disse o
Presidente da Comissão de Inquérito que na 7ª Inspetoria, no Paraná, para
torturar os índios, enfiavam estacas de massapé no terreno, formando um ângulo
agudo, e trituravam o osso do prisioneiro.
‒ O trabalho escravo tomou-se rotina, inclusive
com a participação de mulheres de funcionários. Uma delas obrigou um
Cinta-Larga, em Mato Grosso, a passar a noite numa cisterna entupida de
excrementos, acocorado no espaço de um metro quadrado. Em Nonoai, Rio Grande do
Sul, dias antes da chegada da Comissão, o chefe do posto construiu no local uma
cadeia para os índios. A prisão, para os agentes mentes cruéis, representa um
estágio superior. Numa enfermaria construída especialmente para a vistoria da
Comissão, surpreendemos uma índia enferma dormindo com um cão doente, um porco
e oito leitões, todos abrigados num espaço exíguo.
A Comissão de Inquérito possui confissões
completas de incitamento a prostituição, sevícias, trabalho escravo, usurpação
de trabalho índio, desvio de recursos, fraudes na venda de gado, madeira,
minério etc.
‒ O genocídio vem sendo praticado impunemente. Os
espancamentos, independentes de idade e sexo, são praticados como rotina e só
despertam atenção quando, aplicados em exagero, provocam a morte. Outra forma
de castigo empregada usualmente pelos agentes do ex-SPI é o de obrigar o índio
a castigar seus próprios parentes e amigos. Os filhos castigam as mães, irmãos
as irmãs e assim por diante ‒ afirmou o Procurador.
O trabalho escravo de um a dois anos, segundo
o Presidente da Comissão de Inquérito, era imposto como pena por falta tola
cometida pelo índio. E era normal a troca de objetos banais por jovens índias
que depois seriam encaminhadas à prostituição.
Números
da Matança
As tribos mais afetas nos últimos vinte anos
foram as seguintes: Mundurucu: eram 19.000 há 20 anos e hoje são 1.200:
Nhambiquara: eram 10.000 e agora são 1.000, a maioria doente: Carajá: de 4.000
passaram a ser 600: Xócren: eram 800 e hoje são 200: Gaiacu ou Cinta-Larga: de
10.000 são apenas 400 que morrem na Serra de Bodoquena, longe de suas
verdadeiras terras.
O Comandante da Colônia Militar de Tabatinga,
Amazonas, Major José Luís Leal dos Santos, declarou em março deste ano que os
índios Ticuna eram torturados no vilarejo de Belém, na foz do Rio Tacamã,
acrescentando que ele próprio esteve no local e comprovou a veracidade do fato.
‒ O que mais me revoltou ‒ disse o Major Leal
dos Santos ‒ foram os depoimentos das jovens índias, violadas pelo filho do
proprietário do vilarejo. O ritual de eleição da virgem era precedido de uma
festa em que a cachaça era distribuída em quantidade, a tal ponto que os índios
caíam no chão. O filho de Jordão Aires de Almeida, Leandro Sousa Aires de
Almeida, de 23 anos, escolhia, então, sua presa, geralmente a índia mais nova
de todas.
O pai não tem culpa. É um homem de 60 anos,
que :se criou entre os Ticuna e realmente organizou o aldeamento de Belém. É
certo que explorava os índios, mas em compensação ensinava-lhes muita coisa e
supria a comunidade de gêneros alimentícios em troca de produtos regionais- O
rapaz. Leandro, implantou o terror na Aldeia. Anos atrás ele fora expulso do
Exército por ter violado quatro meninas da fronteira. Pai e filho estão, agora,
presos no quartel de Tabatinga para serem processados pela Delegacia de
Repressão ao Tráfico de Pessoas.
Aldeia
Escrava
Uma segunda investigação à Aldeia de Belém,
em face de denúncia do índio Veríssimo, revelou que os Aires de Almeida
mantinham as 600 índios sob regime de escravidão. Esta investigação,
determinada pela Polícia Federal, foi comandada pelo Capitão José da Cunha
Barros Filho, Comandante da 7ª Companhia de Fronteiras, com sede em Tabatinga.
Em seu relatório final, a Delegada Neves da
Costa, da Repressão ao Tráfico de Pessoas, informa ao então Diretor-Geral do
Departamento Federal de Segurança Pública, Coronel Florimar Campelo, que, em
depoimento, o fazendeiro Jordão Aires de Almeida confessou que as índios eram
seus trabalhadores e que, para mantê-los num regime disciplinar austero,
formara uma polícia própria, composta pelos caboclos Zé Cazuza, Iricino Laguri,
Manuel Porfírio, Francisco das Chagas, Torquato Mendes, Nagib Dick e Raimundo
Salustiano.
Disse mais, que os índios, quando
descomprimam as ordens, eram aprisionados pela sua polícia e acorrentados em um
poste de aroeira, existente na varanda de sua casa.
O índio Veríssimo, que denunciou as
atrocidades, foi um deles. Passou sete dias sem comer e sem beber, com as mãos
e os pés acorrentados, satisfazendo em pé suas necessidades fisiológicas. Seu
corpo ficou todo picado por mosquitos carapanã. Depois da denúncia ao
Comandante da 7ª Cia de Fronteiras, Veríssimo retornou ao vilarejo e foi
espancado com chicote de couro de peixe-boi, entregando as costas para que não
atingissem sua filha de poucos anos que trazia nos braços. Ameaçado de morte,
fugiu de Belém.
Apenas 10 índios depuseram, confirmando as
denúncias de Veríssimo. A maioria dos Ticuna mostrou-se com medo de
represálias.
A índia Lita Jacamim, de 13 anos, disse ter
sido violentada por um parente de Jordão Aires de Almeida, o que lhe provocou
um aborto. Ela acredita que o violador cumpra a promessa de casar-se com ela.
Outra índia Alaíde Dick tem uma filha pequena, Jandira, do mesmo parente de
Jordão.
Para manter os índios na fazenda, sob
trabalho escravo, além da polícia particular, os Aires de Almeida instituíram o
sistema de fornecimento: pagavam a índios como Veríssimo NCr$ 0,50 e lhes
vendiam um pedaço de sabão por NCr$ 3,00, o que os deixava sempre como
devedores. Os que fugiam eram presos como ladrões, por não terem pago suas
dívidas. Jordão e seu filho Leandro estão sendo processados apenas pelos crimes
de agressão e sequestro.
Devastação
no Sul
No Rio Grande do Sul, no Município de Cacique
Doble, a 78 quilômetros da Cidade de Lagoa Vermelha, 300 mil pinheiros foram
devastados nos últimos vinte anos. A terra é habitada por remanescentes dos
Guarani e Kaicangue. São ao todo 23 Guarani e 207 Kaicangue. Hoje, na reserva
florestal, aos 300 mil pinheiros não há madeira sequer para construir casas
para os índios que sobraram. Bento Manuel Antônio, atual chefe dos Kaicangue
recorda, que muitos índios morreram e outros fugiram para evitar maus tratos
nas celas construídas especialmente para aprisiona-los.
Segundo os índios informaram à Comissão de
Inquérito, quem mandava na Aldeia era uma mulher, Juraci Batista, que ficou
célebre pela frase que repetia todo momento:
‒ Remédio para doença de índio é cemitério.
Uma mestiça Kaicangue disse aos membros da
Comissão que a única aspiração dos índios era que fosse encontrado e degolada
Juraci Batista. Juraci Batista é a mesma mulher que, acompanhada de uma jovem
índia, Toxerodo, vem realizando intensa campanha pela televisão carioca em
favor dos índios, “contra os
massacradores de nossos irmãos de sangue”. A jovens índia que apresenta ao
público, contou que sua mãe foi enforcada pelo funcionário do ex-SPI, Fábio de
Abreu.
Principal
Acusado
O principal acusado pela Comissão de
Inquérito é o Major aviador Luís Vinhas Neves, diretor por quase dois anos do
extinto SPI. O Procurador Jader de Figueiredo Correia acusou-o de cometer 42
delitos, sendo os mais importantes o assassinato e a sevícia de índios, a venda
ilegal de terras e o desvio de um milhão de cruzeiros novos. Foi preso por 23
dias e depois libertado, por força de habeas-corpos.
O cunhado do Major Vinhas Neves, Paulo Salino
dos Santos, fez declarações à Comissão de Inquérito, afirmando que o ex-diretor
do extinto SPI comprou imóveis em quantidade espantosa sem explicar de onde
provinham os recursos.
O relatório da Comissão tem 5.115 páginas, em
21 volumes que pesam 43 quilos. Não é completo porque os inquéritos anteriores
desapareceram no misterioso incêndio ocorrido no ano Passado no Bloco 8 da
Esplanada das Ministérios, em Brasília, local onde se encontravam os arquivos
do ex-SPI. O Procurador Jader de Figueiredo Correia, apesar disso, acredita que
dos 700 servidores do antigo Serviço de Proteção aos Índios pouco mais de 10 se
salvarão da limpeza.
No
Caminho dos Semivivos
O JORNAL DO BRASIL, em junho de 1965, numa série
de 6 reportagens ‒ “No Caminho dos
Semivivos” ‒ alertava as autoridades sobre o assunto, apontando o
extermínio da população indígena pelos fazendeiros, latifundiários e
comerciantes, que, sem escrúpulos, buscavam a posse das terras dos índios que
lhes era garantida por lei especial.
Outros jornais, e até mesmo organismos
oficiais, denunciavam as irregularidades existentes no Serviço de Proteção aos
Índios, criado pelo Marechal Rondon em 1910 e que, antes de morrer, já não
acreditava na política adotada pelo SPI.
Os presentes levados pelos pioneiros só
serviam para iludir o índio que, enquanto recebia açúcar, sal, facas, colares,
fumo e bebidas, tinham suas terras invadidas por gananciosos. (JB, N° 22)
Fonte:
JB, N° 22. Todos os Meios
Foram Lícitos Para Liquidar os Índios ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒
Jornal do Brasil, n° 22, 05 e 06.05.1968.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel
de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador,
Escritor e Colunista;
·
Campeão do
II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
·
Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
·
Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
·
Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
·
Ex-Membro
do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
·
Presidente
da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
·
Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
·
Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
·
Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
·
Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
·
Comendador
da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
·
Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
·
Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
·
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H