Domingo, 29 de março de 2020 - 13h24
Bagé, 27.03.2020
300 prisioneros fueron encerrados en un
corral de piedras de donde los sacaron
uno por uno, a lazo, para desjarretarlos y
degollarlos como reses.
(Florêncio
Sánchez)
A Federação n° 39
Porto Alegre, RS ‒ Quinta-feira,
15.02.1894
História do Sítio de
Bagé
Fatos e Documentos
No dia seguinte, 29,
apresentaram-se à guarnição, o Cabo do 5° Regimento de Cavalaria João Ramos,
escapo pela segunda vez do poder dos inimigos e Capitão Luiz Pesat Filho, do Batalhão
Tiradentes e que estava servindo no 1° da Brigada Militar do Estado. Eles
fizeram a narração circunstanciada da heroica resistência até o último momento oferecida
pelas nossas Forças ao inimigo de enorme superioridade numérica e de posição, e
animado além disso pelo desejo de uma vitória decisiva.
Foi uma luta medonha em que se
praticaram os mais estupendos atos de bravura e dedicação, infelizmente repelidos
pela fatalidade que tudo roubou aos infelizes mártires do dever, a alimentação,
a água, as munições para repelir o inimigo e por último o ânimo de lutar por mais
tempo. Além disso, em torno do reduto, o inimigo afirmava que respeitaria todas
as vidas, desde que se rendessem, para o que empenhava a sua palavra de honra
em nome dos chefes.
Esta esperança unida à impossibilidade
de resistir por mais tempo, inspiravam aos nossos pobres companheiros a
resolução de deporem as armas o que fizeram, banhando-as muitas de lágrimas de
desesperado furor.
Senhores do reduto, ébrios de alegria pela portentosa vitória que haviam alcançado, os inimigos esqueceram no mesmo instante as generosas promessas que haviam feito para poupar alguns tiros e inspirar confiança e dando apenas ouvidos aos seus sentimentos de ódio feroz e sede de sangue encerraram todos a prisioneiros em uma mangueira de pedra, de onde os foram tirando pelo modo seguinte:
Os oficiais e praças do 28° Batalhão sob a promessa,
as praças, de servirem à Revolução, tomando armas contra o governo de seu país,
e os oficiais, sob o compromisso de nunca mais se envolverem em movimento algum
contra os insurgentes.
Quanto aos civis, eram chamados por uma lista, em que
figuravam os nomes de todos os que deviam ser degolados, e à medida que eram
lidos esses nomes, viam-se arrastados para uma sanga e miseravelmente imolados,
e os outros, que não figuravam na lista da prescrição, amarrados e conduzidos
para o acampamento.
Assim sucumbiu o valente e generoso coronel Manoel
Pedroso de Oliveira que, depois de bater-se com desesperada bravura, ferido e
prisioneiro, ofereceu pela sua vida o resgate que lhe exigissem; tudo foi
baldado e o desventurado cidadão, o destemido servidor da Pátria o dedicado e
valente defensor da República morreu degolado por um infame assassino, lançando
em rosto aos seus algozes toda a expressão de seu desprezo e repugnância.
Antes do golpe fatal, pediu ao Alferes em Comissão
Francisco de Paula Costa, que entregasse à sua única filhinha um anel de
brilhante que possuía, e que lhe referisse, para exemplo e lembrança o fim
heroico e glorioso de seu infeliz pai.
Depois de morto foi o seu corpo esquartejado e graças à
piedosa caridade de uma senhora, sepultado no cemitério de Santa Rosa, faltando
ao cadáver, as duas orelhas, por um requinte de perversidade dos assassinos!
Assim morreu também o nosso velho e dedicado
companheiro Tenente-coronel Cândido Garcia de Vasconcellos, cujo cadáver,
coroado de cãs ([1]) pelos
anos e pelos serviços prestados à República foi profanado e mutilado por essas
brutas feras, sedentas de sangue e de carnagem.
Assim pereceram também Ismael e Israel Proença, Ulysses Torres e tantos outros, que as balas homicidas haviam poupado, mas que o punhal dos sicários pôde mergulhar nos abismos da eternidade!
No entanto nem todos foram vítimas
da sanha dos malvados; Antero Pedroso, o valente que não se perturba nem
estremece, ao ver que tudo estava perdido, procurou, não salvar a vida, mas
conservar o seu valoroso braço para o serviço da Pátria que carecia seu auxílio.
Despindo a farda e tomando uma divisa federalista saiu sem embaraços do reduto
e transpôs, sem ser reconhecido, as linhas inimigas, levando por única companhia
um peão, cuja presença nem mesmo notou senão a muitas quadras de distância do
reduto.
Encontrando, mais além, um Major
das Forças rebeldes e interpelado por ele respondeu que tudo estava terminado,
que as Forças Republicanas haviam se entregado e que ele ia levar esta grata
notícia a seus companheiros acampados à pequena distância. E assim conseguiu
passar, chegando afinal a Piratiny, de onde novamente se pôs já em campo, vindo
com numerosa e aguerrida Força, colocar-se ao serviço da coluna do Coronel
Sampaio.
Um outro grupo, talvez de duzentos
patriotas, tentou a passagem de uma estreita picada no Rio Negro, mas sendo pressentida
pelo inimigo viu-se cortado, conseguindo apenas passar uns 40 que se dirigiram para
as Palmas e outros pontos. Tal foi o combate do Rio Negro, que tanta audácia e
coragem deu às armas revoltosas e preparou as cenas de canibalismo, de que esta
cidade foi teatro.
Há mais de 50 dias que se deu a hecatombe,
e a 22 de janeiro, indo eu ao sítio do combate, contei ainda insepultos 30 cadáveres,
quase todos degolados, e nas mais expressivas contorções de angústia e
desespero.
Soube que há ali sangas literalmente
cheias de corpos, mas um sentimento de invencível repugnância, uma dor
cruciante, pelo desespero e pela indignação, vedaram-me o ir presenciar mais
esse medonho e terrificador espetáculo.
Uma circunstância que não devo deixar passar despercebida e que vem a propósito referir aqui embora só ontem [22 de janeiro] se tivesse dado, foi o encontro que tive com um sargento do 28° Batalhão de nome Pedro Ignácio dos Anjos, que me referiu o seguinte:
Ferido no terço superior do braço direito esteve 3
dias sem receber socorros de espécie alguma até que enfim, quando o veio
examinar um tal Gouvêa, estudante de medicina e cirurgião da Cruz Vermelha,
achou o ferimento bastante agravado e falou em amputar-lhe o braço.
O pobre sargento, moço de pouco mais de 20 anos, disse
que preferia morrer a ficar inválido, e pediu-lhe encarecidamente que não o
mutilasse. Fingiu o desnaturado cirurgião que lhe ia fazer a vontade, e a
pretexto de operar-lhe umas carnes em decomposição, cloroformizou-o.
Quando o infeliz tornou a si, já não tinha o braço
direito. E o Sr. Gouvêa, honra da espécie, luzeiro de ciência, coração de
pomba, que há de dar um benfeitor para a humanidade, empregando os ferros de
que se servira, disse para o desventurado que o olhava com pasmo:
‒ Cortei-lhe o
braço para que nunca mais torne a atirar contra o Partido Federal!
Corramos um véu sobre tanta infâmia
e requinte de perversidade e esperemos que a justiça divina não deixe impune
semelhante atentado.
Vejamos o que nesta cidade se
passava.
A 29 de novembro, reuniam-se no escritório
da extinta “Folha do Sul” os membros do
Partido Republicano e entre vivas e aclamações de entusiasmo organizavam o “Batalhão Republicano”, cujas 4
companhias eram dirigidas:
‒ A 1ª por Julio Brissac;
‒ A 2ª por Elemento Americano;
‒ A 3ª por José Octávio Gonçalves;
‒ A 4ª por Leonel da Silva Paiva.
E foram todos por os seus serviços
às ordens do Coronel Comandante da Guarnição.
No domingo, 3 de dezembro, estando
completamente esgotado o depósito de papel, suspendeu a sua publicação o “Quinze de Novembro”, único jornal que
havia na cidade e que se despediu do público com o seguinte artigo:
Pela República!
Conservei-me até hoje no posto em que me colocaram a
minha profissão e as minhas ideias, sem esmorecer um instante, sem hesitar nem
deter-me, diante de obstáculos e dificuldades.
Republicano desde a mais tenra infância, havendo
bebido nas primeiras lições a inspiração sagrada das ideias democráticas e
trazido, pelas contingências da vida, a este meio para mim completamente estranho,
consagrei todo o meu esforço, a pequena dose de inteligência com que me dotou a
natureza, toda a minha extrema boa vontade, à assídua propaganda, pela
imprensa, da ideia republicana, única em que podia divisar a verdadeira
liberdade, um futuro realmente próspero e feliz para os meus patrícios.
Tendo levantado essa bandeira de combate, entreguei-me
à luta com sinceridade e valor e ali está o meu passado de jornalista, embora medíocre,
para mostrar toda a abnegada dedicação, todo o esforço leal com que procurei
concorrer, na medida de minhas forças, para a paz e felicidade da República.
Até hoje, diz-me-o, bem claramente, a consciência, nem
uma vez faltei aos meus deveres de bom republicano, sem olhar a sacrifícios nem
dificuldades, adquirindo ódios e desafeições pelo embate das ideias, e
completamente desinteressado de qualquer recompensa a meus insignificantes
serviços.
Hoje, as condições anormais em que se acha a cidade de
Bagé, rodeada de inimigos, segregada de todo o convívio com os outros pontos do
Estado, do País e do Mundo, vem obrigar-me a modificar a minha; atitude e a
mudar de posto.
Enquanto pude, tentei melhorar as coisas pela
propaganda da imprensa, por esta tribuna eloquente e augusta que se chama “Jornal Diário”, esforçando-me por educar
o povo, aconselhá-lo nos momentos difíceis em que se perde a calma e o sangue
frio, e mostrando-me, em todas as ocasiões, seu amigo sincero, pois do seu seio
sou oriundo.
Agora, dificuldades que não estão ao meu alcance
superar, vedam-me o continuar no posto que indebitamente tenho ocupado; em Bagé
não existe uma só folha mais de papel de impressão, e enquanto não modificarem vantajosamente
as coisas, estou na mais perfeita impossibilidade de continuar a publicar o meu
modesto jornal.
No entanto não ficarei inativo; na luta que heroica e
dedicadamente levamos empenhada em prol da República, há lugar para todas as
dedicações, para todos os entusiasmos.
As circunstâncias obrigam-me a depor a pena de
jornalista, medíocre, já o disse, mas sincero, de boa fé e leal; essas mesmas circunstâncias
assinalam-me um posto honroso ao lado dos que, com seu sangue, procuram
amalgamassar o grandioso templo da Pátria.
É de arma em punho, junto às trincheiras, ao lado dos
bravos que, por uma bem entendida compreensão de seus deveres, fazem o sacrifício
da vida para defenderem os direitos, a liberdade, o decoro e a honra deste
povo, que me encontrarão os adversários da República, os inimigos encarniçados
e ferozes da paz, da ordem e do progresso da família rio-grandense.
Ali não é somente a dignidade da Pátria que vou
defender; é a honra de minha esposa, a vida de minhas inocentes filhinhas, a
santidade de meu lar doméstico, que vou procurar disputar à horda feroz de
brasileiros, degenerados e de castelhanos a soldada.
Se, como espero, triunfar a causa santa e nobre que
defendo, voltarei na bonança, a ocupar o meu posto de jornalista, sem aspirar a
mais recompensa da que a consciência de um dever praticado; se a causa das
armas nos for adversa, seja o meu sangue e o de meus valentes e heroicos companheiros
políticos, oferecido em holocausto à ideia que nos alenta, nos santos altares
da Pátria.
Antenor Soares. [Continua] (A FEDERAÇÃO N° 39)
Bibliografia:
A FEDERAÇÃO
N° 39. História do Sítio de Bagé ‒
Brasil ‒ Porto Alegre, RS ‒ A Federação n° 39, 15.02.1894.
Solicito Publicação
(*) Hiram
Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas,
Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
·
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
·
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
·
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
·
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
·
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
·
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
·
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
·
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
·
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
·
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
·
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
·
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
·
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
·
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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