Segunda-feira, 6 de abril de 2020 - 11h25
A Federação n° 41
Porto Alegre, RS ‒ Sábado,
17.02.1894
História do Sítio de
Bagé
Fatos e Documentos
No dia 3 chegou a esta cidade uma
mulher do Corpo de Transporte, com a notícia de haver sido degolado o Tenente-coronel
Pantoja, comandante do 28° Batalhão, o que levou o Coronel Telles a dirigir aos
chefes das forças inimigas a seguinte e enérgica intimação que foi portadora a
mesma precedente Comissão:
Comando da Guarnição e Fronteira de Bagé.
Constando por declarações feitas por mulheres e
meninos vindos do Rio Negro, dos acampamentos dos revolucionários, que estes cometeram
a infâmia de degolar todas as praças e oficiais prisioneiros, rendidos no combate
do Rio Negro, não escapando à degolação os míseros feridos soldados do 28° Batalhão
de Infantaria e o seu distinto comandante Tenente-coronel Donaciano de Araújo Pantoja
e sendo certo que o chefe dos revolucionários, em grande parte estrangeiros mercenários,
têm por intermédio do Dr. Pedro Ozório, farmacêutico Amado Loureiro de Souza e
outras pessoas mandado declarar nesta cidade e a Guarnição de meu comando que
os prisioneiros rendidos do Exército Brasileiro, estão com suas vidas
garantidas e bem tratados, intimo aos cidadãos Drs. Pedro Ozório, Veríssimo
Dias de Castro e farmacêutico Amado Loureiro de Souza a irem imediatamente à charqueada
buscar os feridos do 28° Batalhão para serem recolhidos ao Hospital Militar, e
ao acampamento dos revolucionários de onde devem trazer declaração escrita a assinada
do Tenente-coronel Pantoja de que está prisioneiro afim de que fique conhecida
a verdade.
Bagé, 4 de dezembro de 1893.
Carlos Maria da Silva Telles.
A comissão regressou, no dia 4, trazendo
a seguinte resposta:
Declaração
Nós abaixo-assinados, oficiais do 28° Batalhão de Infantaria,
atualmente prisioneiros de guerra, declaramos ao Coronel comandante do 31° Batalhão
de Infantaria da guarnição de Bagé Carlos Maria da Silva Telles, o seguinte:
1° Dos oficiais
que se renderam, apenas um está ferido, o Alferes Laurindo Vieira;
2° O 28° Batalhão
está em sua quase totalidade reunido [as praças] formando um Corpo à parte que
nos consta denominar-se-á Batalhão Ernesto Paiva ou Rio Negro;
3° Que todos
do 28° [oficias e praças] temos sido tratados bem, não o sendo melhor atentas às
circunstâncias que atuam, aliás, nas Forças em geral;
4° Que nenhum de
nós foi degolado nem disso temos ouvido tratar que se cogite;
5° Que
finalmente entregamos mais ou menos 30.000 cartuchos compreendendo a munição que
traziam os soldados em bolsa.
Charqueada no Quebraxo, 4 de dezembro de 1894.
Tenente-coronel Donaciano de Araújo Pantoja.
Major Eduardo Augusto Ferreira de Almeida.
Capitão Luís Manoel da Silva Daltro.
Tenente Horácio de Castro Canto e Mello.
Tenente Vicente Francisco Álvares.
Alferes Ignácio da Fontoura Parrot.
2° Tenente Leopoldo Dortes do Amaral.
Alferes Indalício Benjamin Ferreira Álvares.
Alferes José da Costa Vasconcellos.
Alferes José de Figueiredo Neves.
Alferes Laurindo Vieira.
Alferes Antonio da Cunha Mesquita.
P.S. ‒ Munição acima declarada é de armamento Comblain,
pertencente unicamente ao 28° Batalhão de Infantaria. Outrossim deixa de assinar
a declaração supra o Alferes Antonio Francisco de Aragão Sobrinho, que foi à
Porto Alegre, em comissão, ao Ministro da Guerra.
Era ut supra ([1]).
Tenente-Coronel Pantoja.
E esta outra:
Nós abaixo-assinados declaramos ter encontrado no
hospital de sangue na Charqueada, cinquenta e dois feridos prisioneiros, bem
tratados e medicados segundo as circunstâncias permitem, pertencentes às Forças
do governo sendo doze do 28° Batalhão e o resto das brigadas civis e militares
do Estado. Declaramos mais, que tendo interrogado um por um todos os feridos se
queriam seguir para Bagé, afim de lá serem tratados, todos responderam que não
queriam ir para Bagé, à exceção de dois, que depois resolveram, de livre
vontade, ficar visto que os outros ficavam.
Charqueada, 4 de dezembro de 1893.
Dr. Pedro Osório.
Dr. Veríssimo D. de Castro.
Amado Lourino de Sousa.
E ainda a seguinte carta do Tenente-coronel
Pantoja ao major V. O. Paes:
Amigo velho Major Paes.
Saúdo-vos e à Exmª família. Para que ainda não reste dúvidas
de que aqui nos achamos bons e bem tratados, como prisioneiros de guerra, vos
dirijo estas linhas. Até sempre.
Charqueada, 4 de dezembro de 1893.
Vosso amigo Donaciano de Araújo Pantoja.
P.S. ‒ Convém que façam ver ao cidadão Coronel
Telles que de nossa parte foi a Porto Alegre o Alferes também prisioneiro Aragão
Sobrinho levar um pedido ao Sr. Ministro da Guerra, propondo a permuta dos presos
políticos existentes na cadeia pelos de guerra pie aqui se achai.
Nesse mesmo dia, possuído de indignação,
o Coronel Telles dirigiu ao chefe da horda revolucionária a seguinte carta e ofício:
Comando da Guarnição e Fronteira de Bagé.
Ao comandante em chefe das Forças Revolucionárias.
Estando esta cidade sitiada desde 24 do mês passado,
por forças sob o vosso comando, compostas em grande parte de estrangeiros mercenários,
esperando, como é natural, depois dos combates que tiveram lugar no Rio Negro,
que viésseis com elas atacar as de meu comando, ataque este que não tem sido efetuado,
apesar da superioridade numérica de vossas Forças, animadas, sobretudo, como é
de presumir, pelo sucesso que tivestes, julguei de meu dever, na dupla
qualidade de Comandante das Forças que guarnecem esta cidade e que têm sido e
serão sempre a garantia desta população, que já começa a sentir os efeitos do sítio
em que a encerrastes com o único fim de reduzi-la, e o que é mais, até inocentes
crianças à mais triste das situações, qual a da fome, e convencido de que não
viestes sacrificar a esta população sim medir vossas forças com estas que se presam
de manter até o último sacrifício a sua lealdade para com o governo da Nação, apelo
neste momento para os vossos sentimentos de soldado, concitando-vos a virdes
quanto antes decidir a luta com que nos ameaçais, mesmo porque tantas delongas
deixam transparecer cobardia ou fraqueza de vossa parte.
Bagé, 4 de dezembro de 1893.
Carlos Maria da Silva Telles Coronel.
Ilm° Exm° Sr. Barão de Itaquy.
Bagé, 4 de dezembro do 1893.
Há muitos meses que V. Exª, com sucessivas “derrotas” na estrada de ferro e respectivas
estações, tenta matar à fome, não só a população desta cidade como a da
fronteira, o que não conseguiu devido à força de vontade do General João Telles,
que, ao mesmo tempo que vos perseguia, não descurava um só momento desta mesma
população, colocando-a sempre livre de vossa sanha.
Agora mesmo a parte pobre e miserável desta cidade,
sitiada há dias por numerosas forças, e as inocentes crianças as quais V. Exª
privou do principal e único alimento, que é o leite, ordenando aos vossos
piquetes que não deixassem entrar os leiteiros, estão quase a morrer de fome.
Se isto já está se dando, imagine-se o que sucederá daqui
a vinte ou trinta dias na impossibilidade de transportar os gêneros de primeira
necessidade, visto que V. Exª acaba de incendiar mais uma vez as pontes da
estrada de ferro, que trazia-lhes os meios de subsistência.
Tentar mais uma vez a reconstrução da estrada de
ferro, não o farei porque seria isso inútil, visto como no dia seguinte V. Exª mandaria
novamente por um ou dois infames castelhanos de dinamite e facho aceso em
punho, incendiá-las.
Assim pois não há dúvida que esta população que muito
devia merecer-lhe e à qual eu não devo nada, está condenada por vós a uma morte
lenta ‒ a fome.
Mas há de concordar comigo que isso é infame!
Não seria mais nobre que V. Exª viesse com as vossas Forças
dar quanto antes combate decisivo e franco à minha diminuta e fraca Guarnição,
para que esta infeliz população, terminada a luta, com sucesso para uma das
forças beligerantes qualquer que seja, possa por meio do restabelecimento das comunicações
ver desaparecer o quadro triste que ora se lhe depara, se continuardes
persistindo em não medir vossas Forças com as desta Guarnição?
Assim procedendo, só tenho em vista advogar a causa desta
população miseravelmente condenada por V. Exª, pois é sabido que a Guarnição
Militar d'esta cidade tem os seus depósitos abastecidos de gêneros para 6 meses
ou mais, do que nunca me descurei, fazendo ainda vir, durante 4 dias sucessivos,
depois do último restabelecimento da estrada, trens de Rio Grande e Pelotas,
com todos os gêneros necessários à praça.
À vista do que fica exposto e se é verdade que não é só
o único fim das Forças Revolucionárias degolar prisioneiros rendidos e
desarmados, desonrar as famílias rio-grandenses, não esquecendo nunca o saque
desbragado, conto e espero que V. Exª, venha, sem perda de tempo, atacar esta
cidade, e se isso não acontecer ficará bem patente que nas Forças Revolucionárias
não se conhece o brio nem a dignidade.
Carlos Telles.
No dia 7 foi recebida pela Guarnição
a resposta do General Tavares, concebida nos termos seguintes:
Quartel General do comando em chefe do Exército Libertador,
no Quebraxinho, 7 de dezembro de 1893.
Recebi vosso ofício e carta de 4 do corrente.
Em primeiro lugar vos advirto que não sou mais Barão
de Itaqui, pois renunciei o título em junho de 1889, no tempo em que vós sustentáveis
a monarquia.
Quanto ao ataque à praça para que me convidais, tenho
a dizer-vos que as Forças Revolucionárias operam quando assim o entendem seus
chefes, que no cumprimento de sua dignificadora missão não se movem pelas
insinuações do inimigo. Não vos aflijais, oportunamente vos satisfaremos, no
entanto, se estais tão apressado para combater, saia do seio das famílias e dos
entrincheiramentos e vinde aos nossos arraiais que vos asseguro não recuaremos
uma polegada.
Se tendes tantos víveres, como dizeis, reparti com as famílias
e crianças, tanto mais quando ditos gêneros alimentícios foram comprados com o
suor do povo, como bem o sabeis, e se não o quiserdes fazer, deixai sair da
cidade as famílias, que, com os nossos poucos recursos, serão atendidas,
respeitadas e garantidas.
Quando vos convidei para uma conferência era para dizer-vos
que os melhores servidores do Marechal Floriano tinham, como recompensa o cárcere,
como sucedeu ao vosso irmão e meu amigo General Telles, que tendo ultimamente
chegado à Capital Federal e descrito com verdade o estado do exército do Rio
Grande do Sul e o despótico governo do Dr. Júlio de Castilhos, foi em seguida
mandado recolher à prisão onde já se achavam os Generais Solon, Pego Júnior e
um outro.
Vos iludis quando apregoais vosso recursos; não os
tendes e não os podeis obter. S. Gabriel já se acha em poder dos federais,
porque, com a derrota do Marechal Izidoro a respectiva guarnição abandonou a
praça disparando com todos os artigos bélicos que ali existiam.
Vossa carta e ofício só contem insultos dirigidos a
mim e ao Exército Libertador que deixo de responder, atendendo ao mau estado de
vossa saúde por não aumentar a “aflição
ao aflito”.
Saúda-vos General Silva Tavares. [Continua] (A
FEDERAÇÃO N° 41)
Bibliografia:
A FEDERAÇÃO
N° 41. História do Sítio de Bagé ‒
Brasil ‒ Porto Alegre, RS ‒ A Federação n° 41, 17.02.1894.
Solicito Publicação
(*) Hiram
Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas,
Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
·
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
·
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
·
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
·
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
·
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
·
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
·
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
·
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
·
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
·
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
·
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
·
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
·
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
·
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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