Quinta-feira, 23 de abril de 2020 - 08h40
Bagé, 25, 13.04.2020
A Federação n° 48
Porto Alegre, RS ‒ Terça-feira,
27.02.1894
História do Sítio de
Bagé
Ao Público
Pouco antes das 4 horas da tarde,
uma bala penetrando pela janela da sala de jantar da casa do cidadão Intendente
do município Coronel Antonio Xavier de Azambuja, matou a um sobrinho daquele e
a uma sua irmãzinha de 8 anos de idade, ambos feridos na cabeça.
É derramando o sangue de infelizes
crianças indefesas e inocentes que os bandidos cavam o abismo de execração
pública em que hão de inevitavelmente afundar-se para sempre. Lutar peito a
peito, a descoberto, homem contra homem, isso é o que não querem e nunca
puseram em prática.
Nessa noite o inimigo fez duas encarniçadas
tentativas sobre os muros da rua General Osório, ponto que lhes parecia mais
fraco, procurando escalá-los, mas sendo brilhantemente repelidos pelo valente Corpo
do Tenente-coronel Corrêa, Piquete do Major Bueno e Força Civil sob o cominando
do destemido Capitão Rodolpho dos Santos e Tenente Marcos Telles.
Nesses ataques o inimigo sofreu
grandes prejuízos calculando-se em mais de 60 o número dos que foram postos fora
de combate. Nós não tivemos o menor prejuízo.
Durante o dia 29 caiu sobre a
praça uma chuva contínua de projetis, por todos os lados, impedindo ali a permanência
do pessoal e dificultando o trânsito por torná-lo excessivamente perigoso. Os
nossos homens acautelaram-se e conseguiram suportar a crise sem perdas consideráveis.
Nessa noite, ás 10 horas e 3/4, o inimigo
fez outra tentativa de assalto contra a mesma posição, sendo implacavelmente repelido
com todo o vigor e grandes perdas.
Nos dias 30 e 31, o inimigo
dirigiu incessantemente contínuo e impertinente fogo para o interior da praça;
era uma sucessão ininterrompida de detonações, sibilos e uivos, destacando-se
pelo seu número e insistência as detonações de muitas armas carregadas a balas
explosivas que a cada momento rebentavam no ar sem produzirem dano algum.
Calculamos em mais de 40.000 o número de tiros disparados por esta arma que apenas
matou um de nossos homens, o valente pardo José Maria, irmão do famigerado Adão,
a quem atravessou o crâneo, tirando-lhe completamente toda a massa encefálica.
Além disso, cremos que as tais
balas explosivas de dinamite, arma terrível pelos seus efeitos, nenhuma outra vítima
fizeram, empregando-se quase todas na frontaria da igreja que ficou literalmente
crivada de buracos.
Às 11 ½, do dia 31, o inimigo
tornou a fazer uma investida contra a praça, sendo repelido pela nossa
fuzilaria que sempre portou-se com admirável valor.
Nesse dia desertou para o inimigo
o 1° Tenente de Artilharia Moreira Sobrinho.
O ano de 1894, foi recebido com todas
as honras e saudações do estilo. Ao alvorecer espalharam-se vibrantes, pela
praça de guerra, os acordes festivos do hino nacional, comovendo entusiasticamente
a guarnição que repousava a postos.
Às 6 horas da manhã, ao meio-dia e
ás 6 da tarde, a artilharia salvou com 21 tiros. Terminara o ano lutuoso e sanguinolento
de1893, deixando ao que surgia, como legado, a luta fratricida e implacável
provocada pela ambição e pelo ódio de homens indignos de fazerem parte da
comunhão brasileira.
Mas o pendão da revolta não será
vitorioso; não nunca o será! Do brio e do valor dos bravos que há tantos dias
batem-se estoicamente, mantendo a respeitosa distância um inimigo três vezes
superior na força numérica, dependem a salvação da honra nacional, a consolidação
da República e, portanto, a grandeza futura da Pátria Brasileira.
Os que ensanguentaram o solo
rio-grandense, que saquearam e incendiaram propriedades, que profanaram donzelas,
que desrespeitaram a velhice, que despovoaram os berços, esses covardes, esses
perversos que espalharam o luto e a orfandade, esses bandidos que cometem a
infâmia de arrastar a bandeira nacional pelas ruas e pó de uma cidade, à luz
meridiana, em saturnal desenfreada com mercenários estrangeiros, hão de ser
irremissivelmente sufocados, esmagados, exterminados com todos os ódios, todos
os despeitos, todos os subalternos e inconfessáveis interesses que os animam para
a prática de tantos crimes.
Na noite do dia 1° partiram da
praça convenientemente disfarçados, dois próprios do Coronel Telles, os nossos companheiros
Benito Pedra e Eduardo Flor, o primeiro dos quais achava-se ainda convalescendo
de perigosa moléstia.
Caminhando de rastos até além do
Quebraxo, conseguiram transpor as linhas inimigas e alcançaram a coluna do Coronel
Sampaio a quem entregaram fielmente a missiva que levavam, regressando com ela.
O dia 1° de janeiro, foi de vivo
fogo para a praça.
No dia 2 ás 10 horas e 10 minutos
da manhã o inimigo fez uma ousada investida sobre a praça, atacando-a pela trincheira
à rua Barão do Amazonas e muros à direita dessa trincheira.
Nesse dia foram presos e
recolhidos ao mercado público, onde aquartelava o Coronel Carrion, os nossos companheiros
Jeronymo da Silva Pereira, João Innocêncio Etchegoyen, Trajano Miranda e
Christovam de Medeiros Germano, que após longas horas de prisão tiveram licença
para recolherem-se a suas casas, menos o primeiro, que continuou preso, sendo degolado
6 dias depois.
Igualmente procuraram com empenho
o nosso bom e leal companheiro Luiz Penafiel, que não foi encontrado nesse dia,
mas que depois foi obrigado a comparecer à presença do mesmo chefe, e ao Sr.
Agostinho Vinhole, que se achava na praça.
A fuzilaria da praça respondeu vivamente
ao fogo que recebia e a artilharia fez proveitosos disparos sobre os pontos em
que se haviam entrincheirado os atacantes, que depois de 30 minutos de nutrido
fogo, resolveram abandonar as posições que haviam ocupado.
À tarde operou-se grande movimento
de forças que, constantemente entravam e saíam da cidade.
Nessa noite foi insignificante o
fogo que fizeram.
No dia 3 pela manhã, observaram as
sentinelas da torre contínuo movimento de forças entrando na cidade em numerosas
colunas, e de lá um amigo achou meio de mandar comunicar ao Coro-nel Comandante
da Guarnição que o inimigo, nesse dia, daria à praça um ataque decisivo.
Com efeito, ao escurecer uma Força
numerosa do inimigo entrincheirou-se nos pátios das casas do Sr. Amado e irmãos
Cirone, a 55 metros de distância das nossas trincheiras. Dessa posição durante
toda a noite o inimigo convergiu o seu fogo para dentro da praça e para a
guarnição da trincheira que lhe ficava na frente.
Inútil é dizer que os seus
esforços desesperados não conseguiram abater o nosso ânimo nem colher sobre nós
a menor vantagem.
Às 10 horas e 40 minutos da manhã,
nesse dia 4 o Sr. Coronel Telles mandou uma respeitável Força de infantaria desalojar
o inimigo das posições que ocupava, o que foi feito, retirando-se este
precipitadamente, deixando um dos seus mortos no lugar da luta, e havendo saqueado
completamente todas as casas a que pode chegar.
Nesse mesmo dia, 9 homens do contingente
de polícia do Regimento de Pilar, vendo os maragatos carnearem duas rezes nas imediações
do quartel do 4° Regimento, aproximaram-se sorrateiramente e fizeram uma
descarga sobre os 32 maragatos ocupados naquele serviço, que dispararam
deixando a carne em poder dos nossos, que a trouxeram para a cidade.
Tínhamos a este tempo chegado à última
extremidade quanto a recursos materiais; havia muitos dias que as rações tinham
sido reduzidas a um terço para as Forças de Linha, e quanto às civis tinham
passado dias e dias apenas com uma ração de farinha, ou uma bolacha, e outras
vezes sem coisa alguma.
Comia-se charque de carne de cavalo;
houve uma grande mortandade de cães e gatos cuja carne os soldados pareciam
saborear como delícias. Faltava já a água que se podia apenas obter com extrema
dificuldade, e víamos com ânsia aproximar-se o momento em que a fome nos
obrigaria a render-nos ou a operarmos uma retirada perigosa e sem
probabilidades de êxito.
Os soldados não murmuravam, mas em
seus semblantes se desenhavam as torturas físicas da fome, e um suor angustioso
lhes orvalhava as frontes.
A nossa posição começava a ser excessivamente
grave, quase desesperada.
Foi nesta ocasião que, às 3 horas
e 22 minutos da tarde o Sr. Coronel Carlos Telles recebeu um ofício dos agentes
Consulares do Estado Oriental e Reino de Portugal, Cassildo Carrion e Antonio Nunes
Ribeiro Magalhães pedindo uma conferência com aquela autoridade em nome do
General Silva Tavares.
Com todas as formalidades foram introduzidos
na praça os dois comissários a quem também acompanhava o Sr. Enrique Fonyat, régio
agente consular do Reino de Itália.
O Coronel Telles levando-os para
uma sala interior da casa que ocupa, serviu-lhes uma suntuosa mesa de finos
doces e líquidos escolhidos a cujo aspecto os cônsules se mostraram altamente
admirados, pois estavam persuadidos, como todos, que na praça não havia a menor
espécie de recurso alimentício.
Tomando a palavra para explicar o
motivo que ali os conduzia, disseram os agentes consulares que o General Tavares,
chefe do “Exército Libertador”, no intuito
de evitar maior efusão de sangue, mandava convidar o Coronel Carlos Telles a
entregar-lhe a praça, garantindo ele General Tavares a vida ao Coronel Telles e
a todos os seus comandados, tanto militares como civis; disseram finalmente,
que os chefes revolucionários se haviam reunido e tomado a deliberação de
atacar definitivamente a praça, mas que ele General Tavares e seu irmão Zeca
Tavares, pediram que antes do ataque lhes fosse permitido fazerem a tentativa
que naquele momento punham em prática.
O Comandante da guarnição depois
de ouvi-los em silêncio respondeu calma e resolutamente o seguinte:
Peço-lhes que de minha parte transmitam ao Exm° Sr. General
Tavares o seguinte:
O nome e as glórias que S. Exª alcançou foram no seio
do Exército, e que portanto não deve ignorar que o soldado brasileiro não
capitula, ainda mesmo que se encontre fraco no seu posto; que ele nunca
capitularia, achando-se forte e defendendo o governo constituído legalmente e
as instituições de sua Pátria; que ele, General Tavares, é quem devia depor as
armas, porque está fora da lei, porque é um revoltoso; que se assim proceder, pode
contar com as garantias necessárias para si e os seus comandados; mas que os oficiais
e soldados desertores do Exército que fazem parte das forças dos revoltosos
serão castigados, uns com a demissão e outros com a baixa do serviço. É tudo
quanto tem a propor e aceitar em nome do Marechal Floriano Peixoto, que
certamente sancionará os seus atos.
Momentos depois de haverem-se retirado
os cônsules da praça levando esta resposta a quem os enviara, os rebeldes
dirigiram alguns tiros para as trincheiras. As nossas forças que haviam descoberto
algumas posições do inimigo, fizeram sobre elas vivas descargas e certeiros
tiros de artilharia.
No dia 5, às 11 horas e 25 minutos
da manhã, saiu do reduto uma Força de infantaria de 15 homens sob o cominando
do Alferes Paes Leme, com ordem de desalojar o inimigo que havia tomado posição
na rua Dr. Penna, a uma quadradas das trincheiras.
Depois de vivo tiroteio aquela
força retirou-se sem perdas, deixando mortos oito inimigos e muitos feridos.
Às 2 horas da tarde do dia 6, o Coronel
Telles mandou outra força de 15 homens, sob o comando do mesmo oficial, atacar
novamente a posição da véspera a que haviam voltado os inimigos. Depois de sofrerem
algumas descargas, os revoltosos abandonaram as posições.
Às 11 horas e 55 minutos da manhã,
do dia 7, tornou-se vivo o fogo do inimigo, que ocupou vantajosamente os pátios
das casas da rua 7 de Setembro, que ficam à esquerda e próximos às trincheiras.
O saque que no seio do “Exército Libertador” é o objetivo
supremo e a mais ardente aspiração, foi feito nessa ocasião na casa de chapéus
do nosso correligionário Manoel José Rodrigues, à rua 7 de Setembro, esquina da
Dr. Penna.
De instante a instante recrudescia
o fogo.
Às 12 e 25 fomos mais uma vez surpreendidos
com o espetáculo repugnante e pavoroso do incêndio. Os atacantes atearam o fogo
à casa de livros, louça, tipografia e encadernação do Sr. Nicola Cirone, súdito
italiano, a poucos metros de distância da nossa trincheira.
Por entre a ígnea fumarada do incêndio,
avançava o inimigo, procurando tomar posição nas casas vizinhas da praça.
Sucessivas e vigorosas descargas
de fuzilaria repeliam-no eficazmente.
Depois de violento combate o
inimigo lançou fogo à confeitaria do Sr. Manoel Gonçalves, junto à livraria do Sr.
Cirone, e mais próxima à praça.
Quando o incêndio tornava-se inclemente,
começou a chover.
Nessa ocasião o fogo do inimigo tomou
uma violência extraordinária.
Durou o encarniçado combate 3 ½ horas,
findas as quais o inimigo começou a enfraquecer, cessando completamente os
tiros ás 6 ½ da tarde.
Às 10 horas da noite rompeu novamente
o fogo contra a praça, que foi simultaneamente atacada por três lados ao mesmo
tempo.
O fogo foi de um vigor extraordinário,
mas não durou mais do que uma hora.
As nossas forças sustentaram-no
com toda a galhardia, sem perder um único homem.
Esse foi o último ataque, a
tentativa suprema, com que o inimigo, já prestes a pôr-se em fuga, procurava
ainda vencer-nos.
Com efeito há muitos dias notávamos
alguma coisa de anormal e extraordinário na atitude dos inimigos; pareciam
inquietos, preocupados, como se houvessem recebido más notícias, e em combate
muitas vezes nos gritavam que quem nos valeria eram as colunas que marchavam em
nosso auxílio.
A fuga precipitada dos inimigos,
dos quais nem um só havia na cidade na manhã do dia 8, veio encher-nos de grata
surpresa e galardoar dignamente a nossa firmeza e dedicação, concedendo-nos uma
vitória que há de ficar imortalizada nos anais da história Pátria.
Alguém mais competente do que nós há
de um dia escrevê-la, para conhecimento da posteridade; o nosso intuito foi
apenas ser o primeiro a dar ao Chefe do Estado e à população rio-grandense
conhecimento deste Sítio de Bagé, que para todo o inundo, pela falta de comunicações
e de notícias, jaz até agora envolto no mais profundo mistério.
Das trincheiras em armas e de vários
pontos mais danificados da cidade foram tiradas muitas fotografias pelo hábil
artista Sr. José Grecco, que proximamente virão fornecer novo contingente de
luz e esclarecimentos àqueles que se interessam pelo Sítio de Bagé.
Eu cumpro apenas um dever, consignando
aqui e pondo ao alcance de todos, fatos cuja veracidade podem afirmar todos os
que se acharam na infeliz cidade durante o Sítio. ANTENOR SOARES (A FEDERAÇÃO
N° 48)
Bibliografia:
A FEDERAÇÃO
N° 48. História do Sítio de Bagé ‒
Brasil ‒ Porto Alegre, RS ‒ A Federação n° 48, 27.02.1894.
Solicito Publicação
(*) Hiram
Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor,
Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
·
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
·
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
·
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
·
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
·
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
·
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
·
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil – RS (AHIMTB – RS);
·
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
·
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
·
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
·
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
·
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
·
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
·
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
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